Elementos insólitos marcam agora a paisagem, nos canais de irrigação que desviam a água do Rio São Francisco para as grandes fazendas de fruticultura do Nordeste. Em Petrolina (PE), seguranças armados ao estilo Robocop, apoiados por drones, deslocam-se em motocicletas, vigiando a canaleta, para que a população não tenha acesso à água. Os moradores precisam arriscar-se, furtivos, para matar a sede. Em Cabrobó (PE), surgiu um enorme muro, diante do conduto da “transposição”. Agricultores que estão a menos de cem metros da corrente já não tem acesso a ela, nem como dessedentar suas poucas cabeças de cabras. As cenas, que parecem brotar de uma ficção distópica, estão em algo hoje raro na mídia comercial brasileira: uma reportagem. O jornalista Patrick Camporez passou semanas viajando pelas regiões onde estão explodindo os conflitos pela água no país. Seu relato está numa sequência de quatro matérias (1 2 3) que O Estado de S.Paulo começou a publicar domingo (2/2) e se estenderá até amanhã.
O Brasil dispõe de 12% de toda a água doce que há no mundo. O acesso à água, abundante, foi por séculos livre. Até há duas décadas, quase não havia conflitos. Este cenário está se transformando rapidamente, mostra Patrick. Nos últimos cinco anos, foram registrados 63 mil boletins de ocorrência policiais registrando confrontos. Surgiram 223 “zonas de tensão”. Os casos são muito diversos, mas o contexto é comum. O poder econômico – agronegócio, administração de hidrelétricas, indústrias, grileiros interessados em se apropriar de terras públicas – tenta, de múltiplas maneiras, restringir o acesso a rios e represas. O Estado quase sempre o apoia. Agricultores familiares e comunidades tradicionais – índios e quilombolas – são as grandes vítimas.
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