Adylson Machado
Poucos como nós – os que nos conhecem o sabem – criticam ações do Governo Lula como o fazemos. Nunca aceitamos a continuidade da política macroeconômica neoliberal, tampouco comungamos com a política de Governo (ou seria de Estado?) que sustenta as burras do sistema financeiro com mais de 1 trilhão de dólares (somente no período Lula), vinculada ao Banco Central, que somente tem ouvidos para interlocutores do voraz sistema bancário.
A propósito deste particular, enquanto a transferência de renda para 12,6 milhões de famílias pobres (45 milhões de pessoas) custa 13,1 bilhões de reais (Bolsa Família), a transferência de renda para os mais ricos – cerca de 300 mil aplicadores – na forma de juros pelos títulos públicos, foi, no ano passado, de 380 bilhões. Quase TRINTA vezes superior.
Assim, como gostaríamos de subscrever quaisquer manifestos que enfrentassem o “sistema” tão bem controlado pelos que manipulam as marionetes governamentais, não só no Brasil!
Não discordamos da atuação crítica contra quem quer que seja, inclusive o Presidente da República, cidadão como outro qualquer, especialmente este nordestino, retirante e operário, que, como a maioria dos brasileiros, não alisou bancos escolares, não fala inglês e não é dado a proferir conferências em destacados círculos da elite nacional.
Não admitimos é a utilização oportunista de defesas da Democracia que recomendam – subliminarmente – uma proposição político-eleitoral imediata. Até porque, o criticado Lula é o mesmo que, dispondo de todos os meios, poderia ter assegurado para si um terceiro mandato sem gastar o que FHC gastou para assegurar o segundo, tanta a popularidade alcançada, não pelas benesses às elites, mas por instaurar o início de um processo de justiça social possível, há muito ausente da realidade do povo brasileiro.
“Numa Democracia, nenhum dos Poderes é soberano” visto que “Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo” – lemos na abertura deste manifesto que circula pela internet, subscrito por 59 personalidades –, que vê nas ações do cidadão Luís Inácio Lula da Silva extensão de ações governamentais, voltadas para “desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo”.
Incomoda – conforme a ótica dos subscritores – que o Chefe da Nação utilize o tempo de que disponha para acompanhar e defender candidaturas à Presidente, Governador e Senador. Um direito legítimo – reconheça-se – para assegurar sustentação à continuidade de um projeto de Governo, que encontra respaldo na população que o abraça e o defende.
Até porque, se o povo não concordasse, de nada adiantaria a pessoa do chefe do governo emprestar apoio, buscar votos para seus pares. Outrossim, se o presidente se omite, quem saberia quem são os verdadeiros candidatos seus, especialmente em processo eleitoral centrado na transferência de votos?
A experiência demonstra que não será a retórica acadêmica que construirá este País, em especial se desprovida da práxis. Se o fosse não seríamos este secular andarilho penitente em busca de mais igualdade na partilha da riqueza, da comida, da educação, da saúde, da cultura, antes feudo(s) de um punhado de privilegiados que insistem em eternizar suas castas.
Lamentável que o alegado pensamento intelectual tenha se expressado às vésperas da eleição, mais voltado para entronizar o político dos sonhos individuais, sejam sonhadores como Dom Paulo Arns, Hélio Bicudo, Ferreira Gullar, Zelito Viana, em meio a outros não tão chegados a devaneios como Maílson da Nóbrega, Celso Lafer, José Artur Gianotti, Adilson Dallari.
Pela qualidade da redação do texto que lemos tememos que o tal manifesto tenha nos chegado alterado e revisado ao gosto do freguês que o enviou. Concluímos, no entanto – diante da inoportunidade de sua publicação e evidente maniqueísmo crítico – pelo desserviço prestado.
Adylson Machado é escritor, professor e advogado, autor de “Amendoeiras de outono” e ” O ABC do Cabôco”, editados pela Via Litterarum