Rosivaldo Pinheiro
A disputa territorial envolvendo Itabuna e Ilhéus traz à baila ingredientes que já fizeram parte do comportamento da sociedade local em outro período da nossa história. Na atualidade estes acontecimentos deveriam fazer parte, no máximo, do anedotário popular. Assim, poderíamos tirar lições daquele período e avançar no esforço compartilhado visando solucionar os gargalos que travam o desenvolvimento desses dois importantes municípios.
Desta forma, o debate em torno dos limites entre as duas cidades joga por terra a tentativa de coletivizarmos os esforços para abocanharmos as oportunidades geradas pelo atual ciclo de oportunidades econômicas que ocorre no Brasil e que, em especial, privilegia a região cacaueira com a chegada de novos empreendimentos comerciais.
À luz de uma visão mais crítica podemos afirmar que a forma de intervenção para debater o problema por parte dos nossos deputados estaduais não parece em sintonia com o atual nível de maturação econômica e organização social das cidades em disputa, nem ajuda na construção de um ambiente de entendimento capaz de energizar as administrações de Itabuna e Ilhéus rumo à composição de esforços que possibilite o enfrentamento dos problemas acumulados por um modelo de desenvolvimento que impossibilitava ao interior integrar-se economicamente com a região metropolitana de Salvador e que em particular sofreu um grande abalo econômico a partir de meados da década de 80, com a crise da lavoura cacaueira.
Ao intervirem no tema pelo prisma provinciano ou dos objetivos individuais, os nossos deputados declinaram de forma limitada e imatura, cada um ao seu modo foi deixando explicitar a opinião do indivíduo e não parecem ter percebido que hoje exercem a função de legisladores estaduais. Neste novo papel não deveriam opinar sobre o tema de forma açodada e emocional, pois, da forma como se comportaram até aqui, só conseguiram escrever mais um capítulo na história das bizarrices da região, ressuscitado o “bairrismo” de outrora.
O primeiro, Augusto Castro, sugeriu que os empreendimentos situados na fronteira entre os municípios permanecessem geograficamente em Ilhéus, desde que os impostos pagos fossem direcionados para os cofres de Itabuna. O segundo, Coronel Santana, resolveu opinar sobre a questão sugerindo que a fronteira do município de Itabuna fosse deslocada para além do Salobrinho e que, de lambuja, o distrito/bairro e a Universidade de Santa Cruz fossem anexados ao território itabunense.
Como se não bastasse a falta de lucidez política e o desconhecimento da autonomia do território (qualquer decisão em relação ao tema tem que passar por um debate na Assembléia Legislativa)por parte dos municípios até aqui demonstrado pelos marinheiros de primeira viagem, Augusto Castro e Coronel Santana, uma nova cena foi acrescentada ao capítulo da “batalha de quiricós”, com a intervenção da deputada ilheense Ângela Sousa que, ao opinar sobre a problemática, chamou o deputado Coronel Santana de desocupado. Ao ser ofendido, Santana retrucou dizendo “que aquele adjetivo poderia muito bem ser atribuído para a deputada, pois esta não se faz presente no dia-a-dia da Assembléia Legislativa”.
A deputada ilheense, como a mais experiente do grupo, deveria demonstrar um maior equilíbrio e transformar a disputa em uma oportunidade de entendimento, assim poderia seguir o receituário popular, transformando “o limão em limonada”. Aliás, acabaria por liquidar a tentativa de Castro e Santana, de fazerem do tema uma bandeira de atuação. Como conseqüência, Ângela Sousa ganharia visibilidade e capitalizaria dividendos políticos sem nivelar por baixo o debate.
Se os nobres deputados estivessem dispostos a exercitar um pouco da razão e da responsabilidade do papel que desenvolvem, perceberiam que apesar de serem das cidades em disputa, a questão exige de todos os envolvidos um olhar mais aprofundado e uma intervenção de cunho técnico, trazendo pro centro do debate a necessidade da revisão de fronteiras em diversos municípios baianos, com o objetivo de propiciar às populações dessas áreas um melhor atendimento, especialmente de saúde, educação, segurança, além de um melhor acesso aos itens necessários para a organização socioeconômica destas localidades.
Por outro lado, o ajuste das distorções territoriais representaria incremento de receita para alguns municípios e redução de despesas para outros, pois, o atendimento das necessidades das populações de povoados e distritos gera um alto custo para os municípios-sede, enquanto as cidades mais próximas destas localidades acabam custeando parte das ações necessárias para o funcionamento dessas comunidades sem receberem receita compensatória para prestação dos serviços.
Dessa forma, poderíamos reduzir os impactos negativos gerados pelas distorções geográficas existentes, melhorando a harmonia entre as cidades e, consequentemente, garantindo uma melhor distribuição de responsabilidade para o atendimento dessas áreas.
A sociedade de Ilhéus e Itabuna merece um melhor tratamento por parte dos nossos representantes estaduais, ao passo que também espera que, diante do novo estágio econômico que se avizinha, especialmente com a chegada dos novos investimentos para a região, precisaremos cada vez mais enfrentar os problemas locais unidos, pois, do contrário, perderemos força enquanto cidades líderes da região cacaueira.
Necessário se faz que empreendamos esforços concentrados para vencermos os entraves para essa nova fase econômica, bem como, exigirmos compensações de naturezas sociais, econômicas e ambientais em função dos impactos gerados pelo escoamento de produtos minerais através do “complexo intermodal”. Sem esse entendimento, poderemos enfrentar um novo ciclo de dificuldades e não desatarmos os “nós do atraso”, presente em nosso modelo agrário exportador, centrado na monocultura do cacau.
Torçamos também para que os holofotes e a bússola eleitoral possam direcioná-los e orientá-los rumo ao trabalho, reflexão, ponderação e bom senso, permitindo que os ajustes fronteiriços aconteçam nas cidades cujos territórios necessitem de um melhor ajuste geográfico para a estruturação de políticas públicas necessárias para melhorar a vida das comunidades localizadas distantes dos municípios-sedes, que, regidos pelo modelo atual, permanecerão reféns do esquecimento ou da falta de condições para alterar a realidade de abandono existente.
Que o “bairrismo” seja sepultado de uma vez por todas da pauta política, social e econômica de Itabuna e Ilhéus, e que os deputados Augusto Castro, Gilberto Santana e Ângela Sousa consigam, na função de legisladores, se fazerem ocupados em tarefas que possibilitem soluções dos problemas enfrentados por Itabuna, Ilhéus, dos demais municípios da região cacaueira, bem como, da Bahia.
Rosivaldo Pinheiro é economista e pós-graduado em Gestão de Cidades