A sindicalista Wilmacy Oliveira, funcionária pública, foi a única mulher eleita vereadora para a legislatura 2021-24. Concorrendo pelo PC do B, teve 864 votos. Diz que vai priorizar as pessoas, acredita na transformação humana, e já prevê que será na Câmara a minoria para defender a maioria. “Sei que terei muitos desafios. Primeiro, por conta de ser a minoria na Câmara para defender a maioria, na condição de mulher”.

Leia a seguir a entrevista concedida à repórter Elba Machado.

__________________

O Trombone – A senhora é a única vereadora eleita e terá como colegas 20 vereadores homens. Quais os desafios que espera encontrar?

Wilmacy Oliveira – Tenho consciência que vamos enfrentar muitos desafios. Primeiro, por conta de ser a minoria na Câmara para defender a maioria, na condição de mulher. Todo mundo sabe que a gente vem do movimento social, de trabalhadores, mas também a gente sempre esteve presente na luta em defesa dos direitos das mulheres contra esse arsenal de violência, que é sistematicamente direcionado para as mulheres, sobretudo na nossa cidade de Itabuna. Nós vamos precisar ter uma capacidade gigante de representar essas mulheres dentro desse cenário totalmente desfavorável.

Temos também uma responsabilidade de defender os trabalhadores e as trabalhadoras que também sofrem dentro desse processo, quando não se respeitam os seus direitos de um modo geral. Todos sabem que eu sou servidora pública e que também os mesmos sofrem esses ataques de descumprimento dos direitos básicos, por isso que a gente faz diversas lutas, como todo mundo conhece. Será uma tarefa gigante, mas nós estamos aqui conscientes. A gente já internalizou esse desafio e já está preparada para isso, vamos precisar, obviamente, de ter uma retaguarda nesse processo, porque aqui não tem ninguém nominado. Eu não sou salvação, eu sou uma representação da luta, sobretudo do fôlego, da esperança dessas pessoas que nunca tiveram voz.

Então será um mandato voltado para as minorias?

Essa minoria que a gente diz, na realidade é maioria, do ponto de vista do quantitativo. Nós, mulheres, somos 53% do eleitorado na cidade de Itabuna e a gente não conseguiu nem a metade da representação. Isso é uma fragilidade que nós temos, que estamos enfrentando historicamente, que é cultural. A mulher foi constituída para ficar em casa, para ser a cuidadora, e o homem ser o provedor. Então, a gente está tentando desconstruir isso e não é fácil, porque a própria estrutura que nós temos foi configurada para os homens, não para a mulher. A gente está entrando porque está se organizando, está empurrando, está botando o pé na porta mesmo para entrar, porque a gente tem capacidade para contribuir para o desenvolvimento da nossa cidade.

Ainda nesse tema, por que mais mulheres não conseguem ser eleitas numa cidade cujo eleitorado é majoritariamente feminino?

Eu lamento, porque deveria ter entrado mais mulheres, inclusive, a gente sabe que nesse corpo de candidatas tinham diversas mulheres que iam abrilhantar aquela Câmara, que têm uma capacidade gigante para contribuir para a nossa cidade. Mas, infelizmente a gente não alcançou mais mulheres, isso nos coloca na condição de maior responsabilidade. E aí gente sabe que vai precisar acompanhar essas mulheres para nos ajudar, porque se a gente chegar dentro daquela Casa e tiver diversas dificuldades pautadas pela condição só de ser mulher, nós temos que fazer o enfrentamento. Eu vou fazer o enfrentamento do ponto de vista da representação, mas eu quero essas mulheres do meu lado. Nós precisamos mostrar para sociedade que temos capacidade, que queremos ser respeitadas, queremos ser livres, queremos participar do poder de decisão. Por que nós mulheres somos maioria, e só os homens têm que decidir o que é bom para gente? A gente está no ciclo de quebrar isso e inserir mais mulheres nos espaços de poder, trazer as mulheres para o debate, criar instrumentos para incluir essas mulheres nos espaços de poder. A gente vai ter que levantar esse debate e é naquela Casa que a transformação pode acontecer.

Qual será sua postura diante do governo municipal?

Veja bem, todo mundo sabe que sou militante do PCdoB e a gente tem que também desconstruir essa imagem da esquerda. Pintaram a esquerda como uma pessoa, uma instituição do mal, que é radical. Não é isso. Se a gente for verificar o que a gente defende… Falta o conhecimento das pessoas para entender o que a gente defende – a inclusão, fraternidade, a paz. Tudo isso são preceitos até cristãos. A gente quer estar bem, mas só vale a pena se o outro estiver também. Então vamos parar com essa demagogia que ‘eu sou a política’, não existe isso. Eu sou política, porque está na natureza humana. Então, a gente tem que compreender, não tem como apartar isso. Eu não posso fazer esse discurso falacioso. Nós somos políticas, mas temos que ter uma política séria, que transforme a vida do nosso povo. A gente vai precisar fazer essa discussão, porque tem gente que quer ser político, mas diz que não é político.

Eu não posso fazer esse discurso falacioso

A política é tão descaracterizada que as pessoas querem se afastar dela, mas nós não temos outro caminho para transformar se não for pela política, nos espaços de poder, porque é através desses espaços que mudamos isso. O prefeito é que vai decidir. É a política que vai decidir se vai ter uma política boa de saúde para o nosso povo, é um ato político. É a política que vai decidir se as escolas vão ser reformadas, se vai ter estrutura, se o trabalhador vai ser pago, é uma decisão política. Então não dá para fazer essa negativa só por negar. É preciso pegar esse instrumento para ele dentro das atribuições dele que é de transformar a vida do povo, trazer melhorias para saúde, segurança pública, educação, inclusão para os jovens, para as mulheres e isso acontece dentro do processo político. Então não teremos nada fácil, teremos muitos desafios.

A senhora citou essa questão de políticas públicas. Diante disso, quais serão seus projetos para a população de Itabuna? A senhora já tem algum projeto de lei elaborado para colocar em apreciação?

Assim concretamente, físico, no papel a gente não tem ainda. A gente está nessa fase de construção, baseado naquilo que a gente acredita, das inclusões, de que falei. Como a Câmara de Vereadores é um local de onde saem projetos para beneficiar o nosso povo, a gente vai ter que discutir ali dentro, baseado naquilo que a gente acredita. A gente vive uma dificuldade grande com a questão do direito dos trabalhadores e com a questão das mulheres, a violência. Precisamos trazer para nós pra gente essa discussão. A gente vai ter que discutir isso, vai fazer o que? Nós somos maioria. As mulheres precisam se conscientizar e precisam votar nas mulheres e, assim, a gente vai conseguir quebrar essa barra que existe, esse paredão que existe. Aí a gente fortalece o time e na hora ‘h’ vota em gente que não traz política com inclusão para gente. Tem que ter essa visão simples, entendeu? Sim, eu vou votar no meu inimigo, no meu adversário que quer uma política diferente do que eu sonho? Eu não quero ser violentada, eu quero trabalhar, ser respeitada. Não é porque eu sou mulher que tenho que receber grito de homem. E isso a gente vai ter que fazer o debate das bases, conversando com essas pessoas para que elas compreendam que nós temos direitos na sociedade.

Dentro desses projetos, há algum voltado ao público feminino?

A gente vai ter que atrair para nossa cidade – com parcerias -, porque a gente não faz nada sozinho. É uma construção coletiva e a política tem que entender isso, ainda que seja uma política que diverge das nossas ideias gerais, mas tem pontos específicos que a gente sintoniza, né? A gente vai precisar buscar algum projeto de lei nessa questão de atração de emprego, alguma empresa que vai vir para Itabuna, a gente vai ter que negociar a inserção das mulheres. Nós precisamos também estimular, fazer a cobrança de mais creches. A gente vê muitas mulheres com filhos nos braços, sem poder trabalhar, porque não tem creche em Itabuna, isso é algo importante, é uma necessidade gigante em Itabuna. A gente tem mais de 210 mil habitantes em Itabuna, a maioria mulheres, e que as políticas públicas não estão sendo feitas considerando a nossa realidade atual, a nossa realidade concreta. A gente tem que ter a realidade de Itabuna. A gente tem que fazer o levantamento do desemprego das mulheres, para quando atrair de forma coletiva algo para Itabuna tem que considerar essa realidade. Isso é planejamento.

Quando o país entra em qualquer crise quem paga a conta são as mulheres, os pobres e os negros. Os dados comprovam isto. Então nós temos que ter esses dados da realidade e estabelecer projetos para contemplar essa realidade. Então, não adianta a gente ficar de “faz de conta”, só ficar no centro. Eu acho importante a gente tomar conta de toda a cidade, mas você tem que dar mais a quem precisa mais. Aqui é diferente, é uma inversão. A gente teve agora, recentemente, essa ‘chuvarada’, a gente teve pessoas que ficaram desalojadas porque moravam perto do canal, que não é coberto, que está lá exposto para ser depositado todo tipo de lixo e isso traz problemas, traz consequências que poderiam ser amenizadas com essa avaliação do gestor, para conhecer a cidade, os pontos mais delicados para entrar naquela condição e tentar aliviar a vida do povo.

Teve uma servidora que perdeu tudo na casa dela, até a televisão que estava no alto foi danificada. Tinha pegado o FGTS com muita luta na Justiça e comprou os móveis novos para casa e perdeu tudo. Os postos de saúde estão sucateados porque fazem reforma de vez e quando e quando fazem, fazem aquela meia boca, aquela maquiagem mal feita. Tem lugares em Itabuna que não tem condições mais de fazer reparo. Ou é mudar e ir para uma estrutura melhor ou é demolir essa estrutura e construir outra. A gente tem que ver além da aparência. Tem que ver essa realidade, porque senão vai ficar fazendo maquiagem e derretendo, e o povo sofrendo.

O que a população pode esperar do seu mandato, da vereadora Wilmacy?

Muita luta, muita resistência, porque eu sei que não vai ser fácil. Eu posso ser muito mal interpretada por alguns cantos mais conservadores. Mas, gente, eu nasci em uma roça que nem energia tinha. Eu fiquei até os 16 anos morando lá. Eu acho que a cidade mais longe que eu tinha vindo era Itabuna. Eu nunca imaginei na minha vida que eu ia chegar onde cheguei agora. Eu tinha vergonha de tudo. Eu fui uma mulher que nasci para ser dona de casa pela estrutura na qual eu convivia, de sempre a figura masculina na minha família ser a de quem manda e a gente obedece. Chega me emociono quando eu falo. Parece que tirou uma venda dos meus olhos quando eu tive a oportunidade de ter informação, de saber que podia ser diferente.

Às vezes a gente precisa empoderar essas pessoas, levar o conhecimento do que é nosso direito, do que não é. Eu já recebi aqui nessa sala uma servidora com problemas em casa, de violência, e dela dizer para mim que não tinha jeito, ela se sentindo culpada, apanhado do esposo, sendo violentada e ela querendo justificar para mim que ela fez de tudo, mas ela não conseguiu. Então é muito triste a gente presenciar esse tipo de coisa. Daí eu fui muito solidária, mas eu falei: pare com isso, nem abra a boca para dizer que você é a culpada disso, você é vítima e a gente está aqui para abraçar você e estar com você no que for necessário. E a gente tem que ter um trabalho muito especial com essas mulheres, porque ainda assim elas se negam a denunciar, aí pensam nos filhos, na família.

Então, tem uma série de empecilhos que colocaram na nossa mente do ponto de vista da construção cultural, social. Eu consegui enxergar isso depois de muitos anos. Eu tive essa oportunidade e sou muita grata de ter visto as coisas diferentes.