Daniel Thame | www.danielthame.blogspot.com
O que leva uma pessoa de classe média-alta e pretensamente instruída a agredir covardemente uma criança de apenas dois anos?
O que leva um ser humano (humano?) a cometer tamanha brutalidade contra alguém frágil, sem condições de se defender e que está despertando para a vida?
O que leva alguém a adotar uma criança abandonada pela mãe e em vez de lhe dar carinho e atenção, a ofende e agride a ponto de deixar marcas em todo o corpo?
Quantas e quantas crianças não são ofendidas, agredidas e molestadas por pessoas que deveriam protegê-las e zelar por elas, até que tenham condições de cuidar da própria vida?
Essas perguntas vem à propósito diante do revoltante caso da procuradora de Justiça aposentada Vera Lúcia Sant’Anna Gomes, de 57 anos.
Vera Lúcia, que mora num bom apartamento, desfruta de confortável situação financeira e é daquelas pessoas que, quando encontramos na rua podemos apontar como "respeitável senhora", tinha um lado obscuro, que se revelava entre quatro paredes.
Na intimidade do lar, Vera Lúcia agredia, de forma covarde e sistemática, uma menina de dois anos e dez meses, que estava sob sua guarda provisória, em processo de adoção.
De acordo com empregadas que trabalharam na casa da procuradora aposentada, a criança era vítima de agressões verbais e de espancamentos freqüentes. Os laudos da polícia confirmam a pancadaria: a menor tem marcas nos braços, nas pernas e no rosto.
Os olhos da menina, de tão inchados, mais se parecem com os de um boxeador exposto à fúria de um adversário mais forte.
No caso da criança, esse adversário – forte, brutal, terrivelmente agressivo- era alguém que ela estava aprendendo a chamar de "mãe", mas talvez fosse mais apropriado chamar de "monstro".
Abandonada pela mãe biológica, agredida por aquela que se oferecia como a mãe adotiva e redentora, a criança terá que passar por um penoso processo de acompanhamento multidisciplinar, para evitar traumas que podem comprometer o seu desenvolvimento físico e mental.
Para que possa receber carinho sem se assustar com medo de, em vez do afago, vier o tapa, a pancada, a dor.
Que mundo é esse em que uma criança é exposta à tamanha barbárie?
A resposta para essa e tantas outras perguntas em situações que nos igualam ao mais irracional dos animais, talvez não esteja no vento.
Talvez esteja em cada um de nós, numa sociedade que despreza o ser o valoriza o ter. Que despreza valores morais e prioriza as coisas materiais.
Soa meio ingênuo, mas em parte explica porque existem por aí tantos demônios a massacrar anjos indefesos…
Daniel Thame é jornalista e blogueiro