A disparada de preços está reduzindo os alimentos no prato dos brasileiros – e também a forma como eles são preparados.

“Hoje eu faço comida para dois dias e guardo na geladeira o que vamos comer no dia seguinte”, conta a recepcionista Nayara Araújo, de 32 anos.

Pagando mais de R$ 100 por botijão de gás de 13kg, deixar de cozinhar todos os dias foi a forma que ela encontrou de economizar.

Desde o início do ano, o preço médio do botijão de gás aos consumidores subiu quase 30%, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), passando de R$ 75,29 no final de 2020 a R$ 96,89 na semana passada. A alta é mais de 5 vezes a inflação acumulada no período, de 5,67%.

Segundo André Braz, economista da FGV, o gás de botijão compromete 1,3% do orçamento familiar, em média.

Mas esse peso é maior para as famílias de renda mais baixa. Em alguns locais, os consumidores chegam a pagar R$ 135 pelos 13 kg – quase 10% de um salário mínimo. E são obrigados a tentar cortar outros gastos.

Menos comida, menos gás

Nayara, e que vive com o marido e três filhos menores, com idades entre 3 e 13 anos, na comunidade do Santo Amaro, no Catete, Zona Sul do Rio, precisou alterar os hábitos de consumo da família diante da alta generalizada de preços e da queda na renda familiar, já que ela está desempregada desde o começo da pandemia.

As carnes foram substituídas por linguiças e salsichas. As guloseimas das crianças, como biscoitos e iogurtes, trocadas por frutas da estação.“Com o gás e as outras contas mais caras, a gente está economizando na alimentação. Cortamos muita coisa que a gente consumia, principalmente as carnes. Antes a gente levava os meninos para comer sanduíche fora pelo menos uma vez por mês, e hoje já não vamos mais”, conta.

 

No dia em que a comida é a feita na véspera, a família esquenta as refeições no forno micro-ondas. Além disso, passou a utilizar o forno elétrico quando precisa assar algum alimento. “Mesmo com essas nossas economias, um botijão não dá para dois meses”, enfatizou.

A troca do gás pela energia elétrica, que vem sendo um dos vilões da inflação no país, só é viável para Nayara porque ela paga uma Tarifa Social, disponibilizada para famílias de baixa renda, que cabe no orçamento da família. Mesmo assim, houve alta: segundo ela, a conta de luz da casa atualmente gira em torno de R$ 30. “É quase o dobro do que a gente pagava ano passado, quando vinha cerca de R$ 16”.

Mudanças no consumo

“A gente tem uma sociedade com uma renda baixa, um desemprego elevado, e isso já tem feito com que a gente tenha um brasileiro que consome muito menos”, aponta Juliana Inhasz, coordenadora de economia do Insper. “Está sobrando menos comida em cima da mesa”.

A economista aponta que, diferente de outros produtos, o gás de cozinha não é facilmente substituível – o que dificulta para que as famílias economizem nesse item. “Você não vai conseguir substituir gás de cozinha por nada, dependendo de onde você mora. Não vai conseguir, por exemplo, colocar um fogão a lenha”.

A ‘troca’ mais fácil, em tese, seria a que fez Nayara: substituir o uso do fogão a gás pelo de equipamentos elétricos. Mas o preço da energia também disparou, deixando os consumidores sem saída.

“O que ele vai ter que fazer no limite é comer coisas as coisas mais cruas, repensar os seus hábitos. Ao invés de fazer comidas em pequenas porções, fazer porções maiores”, diz Juliana.

“Para quem não conseguir fazer uma economia vai significar um custo muito maior e menos dinheiro para comprar o resto”, conclui. “Para a grande maioria pode começar a ser insuficiente para suprir o que é básico, o que é minimamente necessário”.

Por que o preço do gás está subindo?

  • Composição dos preços

Primeiro, é preciso entender como o preço do produto é definido.

Ele é composto pelo preço exercido pela Petrobras nas refinarias, mais tributos federais (PIS/Pasep e Cofins) e estadual (ICMS), além do custo de distribuição e revenda.

Desde março, os tributos federais sobre o gás de cozinha em botijões de 13 kg estão zerados. Mas eles representavam apenas 3% de todo o valor final. Assim, outras influências de alta fizeram com que essa redução fosse muito pouco (ou quase nada) sentida pelos consumidores.

  • Petróleo

O gás de cozinha é produzido do petróleo – de fato, seu nome é ‘gás liquefeito de petróleo’, ou GLP. E os preços internacionais do petróleo tiveram forte alta no ano, puxados, entre outros motivos, pela recuperação do consumo internacional após o forte declínio do ano anterior, resultado da pandemia da Covid-19.

Desde o início do ano, os preços internacionais do barril de petróleo já subiram mais de 40%. Além da política de preços da Petrobras seguir a variação do mercado externo, parte considerável do GLP consumido no Brasil é importada. Assim, quando os preços sobem lá fora, sobem aqui também.

“O gás, como um bom derivado de petróleo, segue a tendência dos outros combustíveis e acumula uma alta histórica”, diz André Braz.

  • Câmbio

Com parte importante do preço do gás de cozinha atrelada ao custo lá fora, não surpreende que o real desvalorizado frente ao dólar também pese no bolso do consumidor brasileiro.

“Se a taxa de câmbio é a alta, faz necessariamente com que a gente tem um custo muito maior de importação e isso se reflete no preço final do petróleo e derivados”, explica Juliana Inhasz.

  • ICMS

O imposto estadual tem grande peso sobre o valor na bomba – e o valor final pago pelo consumidor em ICMS aumentou este ano em alguns estados. A alíquota, no entanto, não teve alteração.

Isso acontece porque o imposto é cobrado em cima de uma estimativa de preço médio pago pelos consumidores. Como o preço do GLP subiu, alguns estados aumentaram também o valor de referência sobre o qual é cobrado esse tributo.

  • Custos operacionais

O preço final do botijão também tem refletido uma alta nos custos de produção e logística. As distribuidoras do combustível têm pagado mais pelo transporte do produto – e esse custo é repassado aos consumidores.

“Os custos operacionais no geral estão, porque o custo de transporte, no limite, aumentou. Isso faz com que esse gás de cozinha chegue de fato mais caro ao fogão do brasileiro”, diz Juliana. (G1)