Tudo começou com a inclusão de polvos de crochê como modelo de brinquedo terapêutico na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal do Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio, em Ilhéus. A técnica, segundo especialistas, ajuda os bebês prematuros a melhorarem a frequência cardíaca e o índice de saturação de oxigênio. A iniciativa ganhou repercussão positiva e, logo depois às primeiras reportagens sobre a ideia colocada em prática no HMIJS, começou a se formar uma grande corrente de solidariedade.
Doações de novelos de linha começaram a chegar ao hospital para que novos polvos terapêuticos pudessem ser confeccionados. Pais e mães de bebês internados iniciaram, pela internet, o aprendizado online sobre a técnica do crochê. Sim, você não leu errado: homens e mulheres fazem parte do projeto. Eles transformaram – com apoio da equipe multidisciplinar do hospital – a iniciativa em um novo modelo de terapia enquanto aguardam a alta hospitalar dos filhos.
Forma de pensar em todas as crianças
Genildo da Silva, de 21 anos, é servente de pedreiro no município de Camacã, sul do estado. Nos últimos dias, trocou o trabalho pesado da profissão e aderiu agulhas e linhas à sua nova rotina. “Descobri que esta é uma forma de pensar e acreditar na vida da minha filha e de todas as crianças que estão internadas na UTI”, explica. Eloáh, filha dele com a Tiffany, nasceu prematura, com apenas 26 semanas. “No primeiro dia eu disse: isso não é um negócio pra mim. Depois relaxei”, revela Genildo, diante de uma sala repleta de mulheres. “É também uma forma de quebrar preconceito, né?”, completa.
Gisele Duarte, que também está com a filha internada na UTI Neonatal, ajuda nas ações práticas. “Sempre fiz cortina, tapete e bordado em fraldas quando estou em casa. Aqui estudei um pouco a técnica do polvo e além de produzir o brinquedo, tiro dúvidas sobre a técnica”, explica. Natural de Belo Horizonte, Gisele viu sua vida mudar quando foi transferida de um hospital em Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia, durante a gestação. Uma anemia grave colocava a sua filha em risco. Eloáh, xará da filha de Genildo, nasceu com 31 semanas e segue em tratamento. “Aqui a gente fica com a cabeça cheia de coisa, então esse trabalho ajuda e você passa a pensar em ajudar não só o seu filho, mas o do outro que está aqui também”, destaca Giseli. Ela elogia os “alunos”. “Eles aprendem rápido. Não falta empenho. Às vezes a gente se pega fazendo crochê até à noite”, diz.
Sensação de segurança
“A gente observa que o ambiente frio das UTIs ficou mais colorido com a chegada dos polvos de crochê”, afirma a enfermeira Jammily Paim. A figura do polvo foi a escolhida pela equipe, considerando a forma dos seus tentáculos, que lembram o cordão umbilical. Os bebês acabam segurando neles, oferecendo uma sensação de segurança como se fosse o útero materno. Integrada a auxiliar a terapia, a técnica em Nutrição do hospital, Mariana Souza, assegura que o trabalho tem, inclusive, contribuído na melhoria da produção de leite materno. “Em dias que elas trabalham na confecção dos polvos a gente observa que melhora a ordenha”.
Coordenadora de Fisioterapia do HMIJS, Virgínia Marilena, destaca que o projeto brinquedo terapêutico é utilizado para auxiliar a criança a enfrentar momentos difíceis dentro das unidades hospitalares, amenizando traumas e medos causados pela hospitalização. A implantação do projeto surgiu a partir de uma proposta da equipe de fisioterapia do HMIJS, que doou as primeiras unidades de polvos. Poucos polvos, mas que já faziam a diferença no início do projeto. Agora, mostra força e ganha contornos de uma ação cidadã. Marcada por gestos de solidariedade e de amor ao próximo