Por Walmir Rosário
Na primeira metade da década de 1960 estudávamos o curso ginasial – com muito orgulho – no Colégio Estadual de Itabuna (CEI), após uma concorrida prova de Admissão ao Ginásio, um verdadeiro “vestibular”, com a realização de provas escritas e orais. Vestir o uniforme do CEI era uma prova de status para qualquer aluno daquela época, notadamente os residentes nos bairros, como eu.
O Estadual, como era chamado, se localizava em frente a antiga feira livre (hoje sede da Justiça Federal e Receita Federal, antes CCPP), e o apito do trem de ferro sempre interrompia nossas aulas para avisar que estaria de partida para Ilhéus, ou, quem sabe, chegando de lá. Fora o trem, nos divertíamos com a parada dos ônibus da Sulba, bem ao lado, e a tela colorida formada pelos toldos das barracas da feira.
A ainda pequena – mas já pujante – Itabuna daquela época fervilhava. Para nós adolescente tudo era festa – fora os estudos – e a cidade nos encantava pela sua dinâmica social, econômica e cultural. Em frente a estação ferroviária, a pictória praça João Pessoa, nos deslumbrava com sua arborização milimetricamente desenhada pelos competentes jardineiros, ou melhor, artistas plásticos da paisagem.
No meio dos pés de ficus que formavam a paisagem, mais de uma dezena de fotógrafos, chamados por nós de retratistas (os que retratam), acompanhado da expressão lambe-lambe, qualificando-os de forma pejorativa. Mas explico aos que não conheceram a revelação do filme fotográfico e cópia das imagens em papel especial, as fotos eram retocadas, às vezes, com o ar assoprado ou a saliva do profissional.
Profissionais da fotografia dispúnhamos à mancheia e posso aqui citar sem fazer esforço na memória para lembrar dos competentes fotógrafos – ou retratistas, como queiram –, que registravam a memória da cidade e de seu povo. Alemão era um deles, que chegava imponente em sua motocicleta (tal e qual); Émerson, que construiu um acervo de fazer inveja; Armando, substituído por dona Dete, além dos mais novos Isaías Alves, Sabino Primitivo, Jota Carlos, Zeca, Waldyr e o multifacetado Newton Maxwell, o Buião.
Poderia eu tomar horas do seu precioso tempo para citar as artes cometidas por esses magnânimos artistas da fotografia, muitos dos quais trabalhei junto na reportagem, o que muito me orgulha. Mas hoje, me deterei num caso sempre relembrado quando o assunto é educação, melhor dizendo, o ensino a nós dedicado pelos ilustrados professores do Colégio Estadual de Itabuna.
Na sala em que eu estudava lembro bem de alguns colegas mais chegados, como Abelardo Brandão Moreira (Bel) e Carlos Bastos, dois craques do CEI campeão no futebol de salão; Rafael, de Buerarema, hoje médico em Itambé; o saudoso Edson Gordo; Otoni, hoje no Rio de Janeiro, e por aí afora. Boas mesmo eram as aulas de música, lecionadas no casarão de Gileno Amado, na praça Olinto Leone.
Não que fôssemos apaixonados pela matéria, mas por poder flanar pelo centro da cidade em direção ao endereço de nossas aulas. Uma das vantagens era o casarão ser vizinho da residência de um dos colegas com quem estudava no contraturno, Otoni, filho de uma das figuras de destaque na sociedade itabunense, por ser dançarino sapateador e fotógrafo, Newton Maxwell, cujo estúdio fotográfico ficava na parte da frente.
Numa dessas tardes, chega uma numerosa família vinda de uma cidade vizinha em busca das aguardadas fotos, posadas em vários ângulos e número de pessoas, algumas delas com as crianças em cima de cavalinhos de pau ou no colo dos adultos. Buião recebe as pessoas com fidalguia, oferece assento e água enquanto localizaria as fotos. Eis que Maxwell reaparece com um volumoso envelope às mãos como se fossem verdadeiros troféus, dignos de serem postados no melhor local da sala de estar da casa da família.
Assim que as fotos são retiradas do envelope, se torna visível o cenho franzido dos donos das imagens, como se não estivessem apreciando a obra-prima saída das poderosas lentes de Newton Maxwell. De soslaio, observo que as fotos não estavam nas cores P&B e sim sépia, causando o desencanto da numerosa família retratada pelo artista da imagem. E a senhora, que parecia ser a mãe da família reagiu, palidamente:
– Meu senhor, a nossa foto tinha que ser em preto e branco e não nessa cor enferrujada –, disse, de forma sisuda.
Sem perder a fleuma e demonstrando estar ofendido com a opinião, Maxwell exclama:
– Pois fique sabendo a senhora, que essas fotos são o que de mais moderno existem no mundo da arte. Fui um dos três fotógrafos escolhidos por essa empresa alemã para lançar essa novidade no Brasil. Mas se a senhora não quer, não tem problema, eu mandarei essas fotos para a Alemanha, para mostrar como vivemos num país tão atrasado –.
Envergonhada, a família recebe as fotos, paga o restante pelo serviço prestado e sai satisfeita por ser a primeira no mundo a aparecer em tamanha novidade. Trocando em miúdos, a cor sépia nas fotos foi um imperdoável descuido de Maxwell, que usou produtos químicos vencidos, perdendo a qualidade nas cores P&B das fotos. A empresa alemã era apenas mais uma criação do insuperável Newton Maxwell, Buião para os íntimos.
Walmir Rosário é Radialista, jornalista e advogado