Por Walmir Rosário
Antônio Everaldino Venâncio dos Passos (Gajé), o consagrado ex-jogador de futebol, não conseguiu driblar a burocracia estatal na regulação da saúde e morre no Hospital Geral de Ipiaú, nesta terça-feira, 27 de setembro de 2022. Seus 82 anos, completados em 19 de maio passado mereciam cuidados nefrológicos numa UTI, mas não conseguiu ser transferido, apesar da liminar expedida pela justiça. Deu o último suspiro às 12h30min.
Logo Gajé, que tanta alegria proporcionou aos torcedores dos times em que jogou, nas dezenas ou centenas de estádios em que atuou, deixa os fãs tristes, acabrunhados com o seu desaparecimento do nosso convívio. Não conseguiu vencer essa peleja contra a burocracia, como estava acostumado a fazer nos campos de futebol, driblando os adversários e marcando os gols. Ah, E como sabia fazê-los.
Quem é que não admirava aquele garoto com jeito de craque nos campos de babas de Ibicaraí, que encheu os olhos do conceituado alfaiate itajuipense Boca-rica? Na mesma semana já fazia parte do histórico time dos Alfaiates em Ibicaraí e, em seguida, no Flamengo do mesmo Boca-rica. Daí para Itabuna foi um pulo. Assim que o viu jogar, o craque Zequinha Carmo o levou para a cidade. E Gajé tinha apenas 15 anos.
Um ponta-direita nato, capaz de encher os olhos dos torcedores e atordoar seus adversários com os desconcertantes dribles à Mané Garrincha, como queriam atuar os jogadores daquela época farta de craques. Mas se o técnico tinha algum problema de escalação na linha de frente, bastava mexer na formação e colocar Gajé em outra posição que ele dava conta. Se centroavante, ainda melhor, fazia gols bonitos e necessários à vitória do seu time.
E a ação de Zequinha Carmo foi altamente positiva, não só para Gajé, que veio jogar, numa cidade maior, junto à crônica desportiva (rádios e jornais), mas sobretudo ao Flamengo de Itabuna, onde o craque brilhou por anos a fio. Em 1963 foi campeão ao lado de Luiz Carlos, Abiezer, Zé David, Leto, Péricles, Piaba, Maneca, Tertu, Tombinho, Luiz Carlos Segundo, dentre outros.
Convocado para a Seleção de Itabuna (amadora), por anos permaneceu na relação dos titulares do técnico Gil Nery. Gajé se destacou na conquista do tricampeonato em 1962. Naquele fabuloso time jogavam Chicão, Humberto, Ronaldo, Zé Davi, Fernando Riela, Leto, Lua, Carlos Riela, Santinho, Zé Reis, Itajaí, Abiezer, Caxinguelê, Tombinho, Ronaldo e os goleiros Plínio, Luiz Carlos e Betinho.
Mesmo com todo esse sucesso em Itabuna, é convencido a atuar em Ipiaú, onde adquiriu residência definitiva, saindo apenas por duas vezes para jogar no Leônico e no Bahia, com muito sucesso. Fã de Gajé, o poeta, escritor e jornalista José Américo acompanhou a trajetória do craque, de quem se tornou amigo e escreveu bastante sobre a carreira futebolística do jogador.
No currículo de Gajé estão assinalados mais de 300 gols marcados durante sua trajetória futebolística, 11 deles somente numa partida em Ipiaú. No Independente de Ipiaú, do qual se tornou o xodó da torcida, jogou pela segunda vez ao lado do incrível goleiro Betinho e ganhou os títulos de campeão nos anos 1965 e 66. E esse amor da torcida definiu a escolha de Ipiaú como sua cidade, tanto que lembrou dos tempos de Boca-rica e montou sua alfaiataria.
Mas quis o destino carregá-lo para Salvador para atuar no famoso “Moleque Travesso”, o Leônico, onde voltou a jogar com outro grande colega da Seleção de Itabuna, Zé Reis. Não deu outra, bagunçaram – no bom sentido – o futebol baiano e pela primeira vez o Leônico conseguiu o título de campeão baiano, o primeiro de Gajé como jogador profissional.
Mas o “Moleque Travesso” ainda era pouco para Gajé, que foi contratado pelo Bahia, marcando 24 gols nos dois anos em que atuou no tricolor baiano, um deles olímpico, contra o Internacional em Porto Alegre. Gajé também atuou no Fluminense de Feira de Santana e no Itabuna Esporte Clube. Pendurou as chuteiras do futebol profissional e retornou a Ipiaú.
Como Gajé sempre dizia que nasceu para fazer gols e brilhar, volta a atuar no futebol amador e em 1977 conquista mais um título pela Seleção de Ipiaú no Campeonato Intermunicipal baiano, contra a Seleção de São Félix. Portanto, bicampeão baiano com Ipiaú e outras tantas pela Seleção de Itabuna. Num texto sobre ele José Américo assinala: “Ao deixar o futebol, Gajé instalou uma granja e a cada frango que vendia lembrava dos goleiros que não conseguiam segurar seus fortes chutes”.
Por onde passou Gajé é até hoje lembrando pelos que o conheceram como pessoa e atleta exemplar. Dentro e fora de campo exerceu suas obrigações com responsabilidade, atenção e maestria. Conquistou muitos amigos durante sua vida, que por certo choram sua morte, uma perda irreparável. Completou o ciclo da vida e a partir daqui ficará apenas em nossa lembrança.
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Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado