Por Domingos Matos
Recentemente o governador Rui Costa afirmou, segundo a mídia local, que não construirá novo presídio em Itabuna. Falou isso após, segundo as mesmas fontes, o prefeito de Itabuna, Fernando Gomes, ter dito que “não autoriza” o estado construir em terras itabunenses uma nova unidade prisional. Isso sob o argumento de que o presídio fomenta o crime na cidade.
Não se sabe se Rui concordou tão prontamente com FG por causa da amizade que os une (!) desde as eleições de 2016, mas o fato é que – segundo quem disse que ele disse isso – concordou e justificou a posição semelhante à do prefeito dizendo que é melhor fazer “culéjo” do que cadeia, até por questões econômicas. O preso custa mais ao estado do que o aluno universitário.
Quem dera a vida fosse assim, tão simples! “O que é mais barato? Culéjo? Façam-se mil!”.
Não é, senhores.
Um parêntese. Como aqui o papo é reto, digo logo tenho vínculo com o Conjunto Penal de Itabuna, através da empresa que o administra, em regime de cogestão com o governo do estado, a Socializa. Digo isso pra facilitar o julgamento de quem lê. Mas também digo, por outro lado, até para que se equilibre esse julgamento hipotético, que sou petista, eleitor do governo Rui, tenho profunda ligação com a educação, especialmente no campo profissional, como assessor da APLB em Itabuna, e também assessor da própria SEC. Ou seja, já estive dos dois lados do balcão, profissionalmente. E, de quebra, sou casado com uma professora. Fecha parêntese.
Justamente por passar a conhecer por dentro o que é a cadeia, não na condição de preso, mas de colaborador da gestão, posso dizer que é fácil para qualquer um, até para um governador, dizer que não são necessárias mais vagas prisionais. Ou que, mesmo sabendo que são necessárias, que não as irá construir, o que é pior.
O presídio de Itabuna tem capacidade para 670 presos – não os chamarei nesse parágrafo de reeducandos, para não chocar – mas abriga, hoje, mais de 1.315. Desses, cerca de 35% são presos provisórios, ou seja, sem julgamento e sem pena determinada. Isso em Itabuna, porque a média baiana e nacional é bem maior, mais que 50% dos encarcerados não tem condenação definitiva.
O que, na prática, significa ser preso provisório? Significa ser um potencial criminoso profissional em poucos dias de "estágio". Em alguns casos, estão presos por crimes de menor potencial ofensivo. Roubou um celular e é companheiro de cela do chefe de uma facção. Sabendo que em breve aquele provisório deve sair, esse chefe já o instrui para praticar cá fora os crimes necessários à manutenção do seu poder de líder. Solução? Presídio para presos provisórios e condenados por crimes menores – por exemplo, aqueles não violentos.
Mas, voltando ao que é a cadeia. É a consequência da deformação da sociedade. O prefeito Fernando Gomes disse que não autoriza um novo presídio porque esse tipo de estabelecimento fomenta o crime cá fora. Fácil demais falar isso, para quem ocupa pela quinta vez a cadeira de prefeito, chefe de um poder responsável pela formação inicial do cidadão, desde a creche até o ensino médio – hoje, mais fortemente até o fundamental 1 –, responsável direta ou indiretamente por grande parte do desastre que é a educação municipal. Fácil demais falar que a última escala é quem cria as primeiras vítimas.
Do ponto de vista da ressocialização, o sistema prisional, incluído o CPI, tem sido a esperança de um conserto para essa deformação, enquanto não atingimos uma utópica formação cidadã plena. Antes de ser uma Suécia, precisamos de bons presídios enquanto Brasil.
Usando o exemplo da unidade prisional de Itabuna, olhando pelo quadro funcional, é possível ter essa esperança. Encontram-se lá, por exemplo, dezenas de profissionais de diversas áreas, que exigem uma formação universitária, como assistentes sociais, médicos, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, odontólogos, farmacêuticos, pedagogos, terapeuta ocupacional, além de professores e coordenadores pedagógicos.
Fora isso, profissionais de nível médio-profissional, como instrutores de marcenaria, hortaliças, corte e costura, cabeleireiro etc. Isso sem falar nas centenas de agentes de disciplina, serviços gerais e cozinha. Uma massa salarial nada desprezível. Sem contar os impostos aqui recolhidos. Sem falar na economia adjacente, com fornecedores de alimentos, água, luz etc.
Mas a palavra é “ressocialização”. É uma palavra que pode não significar muita coisa para quem carrega em si o preconceito contra os encarcerados. Mesmo para quem, por pouco, não teve um ente numa situação de cárcere.
Mas, se houver um desses privados de liberdade que seja ressocializado, que possa voltar ao convívio social e familiar, ser produtivo, após ter pagado sua dívida com essa mesma sociedade, já terá dado sentido à existência de uma unidade desse tipo. Em qualquer município.
O que não quer dizer que município e estado não devam criar mais escolas – particularmente, preferiria que cuidassem melhor ou substituíssem as existentes – olhar para os profissionais como parceiros na formação de uma sociedade melhor, não como adversários, a quem pune com salários baixos, doenças do trabalho, insegurança etc. Vivem, muitos desses, em verdadeiras cadeias, para usar a imagem que mais assusta nosso prefeito.
Claro que aqui não se defende a cadeia apenas punitiva, muito menos a que pretende “ensinar” pela tortura e maus tratos. Fala-se de ressocialização, reeducação, formação cidadã. Sim, mesmo para encarcerados que tenham praticado crimes que nunca serão perdoados pelas vítimas ou mesmo pela sociedade. Mas são reeducandos. Agora os chamo pelo termo que a lei os identifica.
É caro fazer isso, trazê-los – ou tentar –, resgatá-los? É. Mas, mais caro será criar um exército de fornecedores de drogas, por exemplo, nas portas das novas e velhas escolas, deformadores da sociedade, bem debaixo das barbas do sistema que repudia a cadeia.
Eis um problema que nossos governos talvez finjam que não veem, porque afinal, são criminosos do nosso convívio diário. Não sabem, porém, que estamos presos aqui fora com todos eles.
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Jornalista e blogueiro