Por Walmir Rosário

Num dia qualquer de 1959 o cartola e centroavante José Peluzo bate à porta da casa do senhor Leocádio Ferreira Feitosa com um envelope e um pacote nas mãos e pede para que ele permita que seu filho Boinha Cavaquinho jogue no “Idependente” (isso mesmo, sem o n) de Canavieiras. Surpreso, seu Leocádio e dona Arlinda dizem: “E ele sabe jogar futebol?”. Após tiradas as dúvidas, assina o contrato entre seu filho e a equipe.

À época considerado time de ricos, Boinha Cavaquinho, ou Boaventura Ferreira Feitosa, recebe o pacote das mãos de José Peluzo e confere o material esportivo do Idependente: camisa, calção, meião, caneleiras e chuteiras. José Peluzo diz que estava se aposentando como jogador – embora continuasse como dirigente – e Boinha seria o seu substituto, o centroavante responsável pelos gols e as vitórias do Idependente. Assim iniciou a vida futebolística de Boinha Cavaquinho, um centroavante que jogava em todas as 11 posições.

Seu Leocádio e dona Arlinda criavam os filhos José, Alício, Benildo e Boinha para o trabalho na oficina mecânica, cuidando dos problemas de motores, veículos e até avião. Talvez por isso não sabiam que Boinha Cavaquinho era considerado um craque do futebol. Dos outros irmãos, apenas José jogava como zagueiro, mas por pouco tempo e sem nenhuma responsabilidade com o futebol.

Cavaquinho começa a jogar na equipe do Escola juvenil, depois ingressa no Guarani, na categoria amador. Nessa época já enchia os olhos da torcida e dirigentes pelo futebol que praticava. A primeira oportunidade surgiu quando o Bonsucesso veio disputar um amistoso em Canavieiras e ganhou por 4X2. Um dos gols foi marcado por Cavaquinho, depois de aplicar um chapéu no goleiro Bruno, do Bonsucesso, e outro de Leto.

Apesar da insistência do técnico do Bonsucesso, Gradim, Cavaquinho disse não e continuou jogado sua bola nos times de Canavieiras, a exemplo do Guarani, do Idependente (duas vezes tricampeão), Fluminense da Atalaia (bicampeão), União (campeão), no América, Flamengo e Rio Pardo. Frequentemente era convidado a jogar em equipes de Porto Seguro, Belmonte, Camacan, Santa Luzia, Buerarema e Ilhéus.

Ao se apresentar para treinar ou jogar uma partida, sempre era perguntado em qual posição atuava e afirmava que em qualquer uma, de goleiro a ponta-esquerda. A sua simplicidade era vista pelos que não o conheciam como pedantismo ou arrogância, obrigando Boinha Cavaquinho a jogar com perfeição e fazer valer seu estilo de craque e goleador, e aí passava da desconfiança ao reconhecimento, com os merecidos aplausos.

Diante das dificuldades dos transportes nessas cidades, os cartolas combinavam o dia do jogo e mandavam um teco-teco ou uma lancha buscar Boinha Cavaquinho em Canavieiras. Terminada a partida, retornava para casa pelos mesmos meios. E até hoje ele tem orgulho em dizer que nunca cobrava para jogar uma partida de futebol, pois o que fazia era por puro prazer. As atividades como mecânico, chapista e pintor lhes davam o sustento.

No início dos anos 60, Canavieiras recebe a Seleção de Itabuna, com a presença de Léo Briglia, Santinho e outros craques em um jogo amistoso. Antes de entrarem em campo, Léo, um craque rodado por Salvador e Rio de Janeiro, conversa com os canavieirenses dizendo que seria um jogo amistoso e que eles tinham vindo para dar uma aula de futebol. Começa a partida, Santinho faz um gol de falta para Itabuna e Cavaquinho marca três gols para Canavieiras. Ao final, Léo fez questão de se desculpar por suas palavras.

Em 1962, no Rio de Janeiro visitou o Botafogo em General Severiano e depois participou de um treino do Bangu, onde teve o atrevimento de driblar o craque Zózimo (também Seleção Brasileira), que se encanta pelo futebol do garoto. De outra feita, levado a Salvador pelo médico Carlos Costa, fez teste no Vitória, treinado por Martim Francisco. Perguntado em qual posição jogava, respondeu na lata: “De goleiro a ponta-esquerda”.

Cavaquinho nem se incomodou com a resposta de Martim Francisco: “Você não deve é jogar nada”. Assim que entrou no treino como ponteiro-esquerdo, não se atemorizou com o zagueiro Tinho, que depois jogou no Flamengo, lhe deu uns dribles e cruzou a bola para o centroavante marcar o gol. Endeusado pela imprensa, recusou o convite para ficar no Vitória e retornou a Canavieiras para continuar sua vida entre a oficina e o futebol.

Em 1964 presta concurso para mecânico e motorista da Ceplac e continua sua vida futebolística, inclusive no Brasil de Porto Seguro, onde trabalhou. Grande amigo do craque Santinho, de Itabuna, que como ele jogava nas 11, foi insistentemente convidado para treinar no Itabuna profissional. Participou de um teste, encantou a todos pelo seu futebol clássico e que produzia resultados, mas não quis se profissionalizar.

Ao lado do trabalho e do futebol, Boinha Cavaquinho não descuidava da vida social e dos estudos, se formando em Contabilidade. Também prestou concurso na Ceplac para estudar práticas agrícolas e, posteriormente, técnico agrícola, na Escola Média de Agricultura da Região Cacaueira (Emarc). Ao mesmo tempo em que estudava, monitorava matérias de suas antigas especialidades aos colegas.

Pela sua dedicação ao trabalho na Ceplac é reconhecido com o diploma de funcionário colaborador, notadamente pelo seu desempenho na Emarc. Como o seu futebol era alvo de comentários e elogios, foi convidado pelo secretário da Ceplac, José Haroldo, para jogar no Colo-Colo de Ilhéus contra a Seleção de Vitória da Conquista. Venceram a partida por 4X1, um deles feito por ele.

Em Canavieiras participou intensamente das instituições sociais, a exemplo da Loja Maçônica União e Caridade, onde exerceu diversos cargos. Também participou da fundação do Society Clube de Canavieiras e realizou trabalhos voluntários para o Hospital Municipal. Em 1994, ao se aposentar da Ceplac, passou a comandar um programa esportivo na Rádio Atalaia AM, de Canavieiras, até o ano 2000, com grande sucesso.

Nascido em 4 de maio de 1941, Boaventura Ferreira Feitosa, o Boinha Cavaquinho, completou nesta quinta-feira (04-05-2023) 82 anos de uma vida dedicada à família, ao futebol e ao social. Viúvo, tem três filhos: Alessandro, Sandra e Fernanda, e três netos: Laura, Artur e Ises.

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Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.