Por Arnold Coelho
Em 1977 – eu com nove anos – vi o lançamento de Star Wars ou Guerra nas Estrelas, uma das franquias do cinema que mais gosto. Esperei mais de dois anos para poder assistir no cinema e vi ali, pela primeira vez, a luta entre o bem e o mal e fiquei encantado com Darth Vader, mesmo ele representando na época o “lado negro” da força.
Precisou muitos anos para que eu entendesse que na verdade a frase em inglês “Dark Side of the Force” significava “Lado Sombrio da Força”, e não ‘negro’, como foi traduzida. Dark em inglês pode ser traduzido como sombrio, tenebroso, escuro, mas a indústria cinematográfica brasileira, sem nenhuma “intenção racista”, escolheu o ‘negro’, ao invés de ‘sombrio’, e aqui no Brasil ficou o “Lado Negro da Força”, dando a entender que o branco é o lado bom e o negro é o ruim.
O racismo é algo notório desde que mundo é mundo, e na Europa, o berço da civilização, a coisa é mais evidente. Prova disso é o que acontece nos campos europeus, em especial o que tem acontecido na Espanha, com ataques racistas contra Vinícius Júnior e que tomou proporções continentais, ao ponto de finalmente o Brasil, um país de maioria negra ou miscigenada, tomar um posicionamento contra tal atitude.
Tenho um filho negro e sei o quanto o racismo está presente no mundo, e em especial na Bahia, o Estado mais negro do Brasil. Já perdi a conta de quantas vezes o meu filho sofreu algum tipo de preconceito ou julgamento pelo simples fato de ter a pele escura e o cabelo duro. O olhar muda, a expressão de medo e preocupação fica evidente e a culpa ‘será’ sempre do ‘pretinho’. Vinícius, ou Vinny Júnior, só evidenciou para o mundo o que acontece diariamente na vida da maioria dos negros desse mundo racista.
Vou contar uma história que vivenciei outro dia aqui em casa – para vocês terem ideia do quanto o racismo está entranhado no nosso dia a dia e o gato preto representa bem como funciona o racismo no Brasil.
Para muitos, no Brasil, a presença de um gato preto é prenúncio de azar, o que é mais um pequeno sinal do racismo embutido na nossa cultura. Esse infeliz preconceito com o felino de pelo escuro nasceu na Idade Média, quando os bichanos eram vistos como animais parceiros de bruxas. Aqui no Brasil geralmente se criam gatos com pelos claros.
Os pretos costumam ser gatos de rua, pois a maioria das pessoas não os querem dentro de casa.
Aqui em casa nós criamos dois gatos pretos e um mesclado (branco e mel). E o mais engraçado é o susto que muitas pessoas que nos visitam tomam quando veem o gato preto passar. E o susto aumenta quando descobrem que são dois. Inconscientemente o racismo velado nas pessoas pula dos olhos e surge de imediato uma expressão apreensiva.
Semana passada vi uma cena muito engraçada (e triste) na minha rua. Duas crianças (um menino e uma menina), de no máximo cinco anos, brincavam, e de repente o nosso gato passou por eles e o menino de imediato gritou “Cuidado! Um gato preto! Eu vou te proteger! Xô, gato preto! Vai embora, gato”. O menino continuou com a sua batalha virtual e gritou: “Ele correu! Vixe, ele entrou naquela casa!”. Pronto, o gato fugiu. E as crianças voltaram a brincar com o gato cinza deles. O temor era só do gato preto.
Nino, o nosso gato preto, entrou em nossa casa assustado, provavelmente sem entender nada, e eu fiquei observando as crianças brincando, aliviadas de terem colocado o ‘gato preto’ para correr, como se o bichano fosse alguma ameaça. Agora vem a parte engraçada (ou triste) da história: o menino que espantou o gato é afrodescendente. Isso mesmo, o menino era negro e já carrega (de forma inconsciente) o racismo velado, imposto por uma sociedade racista que vê, na cor, a bondade ou a maldade humana.