Por Walmir Rosário
Profissionalizado em maio de 1967, o Itabuna Esporte Clube “herdou” praticamente todos os jogadores da Seleção Amadora de Itabuna, um timaço para torcedor nenhum botar defeito. Aos poucos, o time foi sendo mesclado com jogadores já profissionais, principalmente vindos dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, para a alegria dos torcedores do azulino.
Em 1970, o Itabuna Esporte Clube, então sob a presidência do advogado Gabriel Nunes, teve uma de suas melhores formações, tanto que fez sua mais brilhante campanha. Não se consagrou campeão baiano deste ano simplesmente pelas tramoias dos cartolas da Federação Baiana de Futebol, dominada pelos dirigentes do Bahia e Vitória, os maiores da capital.
O Itabuna terminou vice-campeão, numa das histórias mais tristes do futebol baiano, somente comparada aos fatos contados na ocupação do solo grapiúna nos idos de 1800 até o início de 1900. Os tempos eram outros e as pendências geralmente eram resolvidas de forma violenta, ao contrário dos usos e costumes dos dirigentes baianos, na “sabedoria” do futebol.
Se para se estabelecer nesta terra imperava a lei do mais forte, com os “coronéis” armando seus caxixes nos cartórios ou invasão das roças de cacau com a força dos jagunços, no futebol baiano não era diferente, mas era a influência política que dominava. Com todas as artes e manhas disponíveis no mundo da esperteza, algumas vezes agiam de forma dissimulada; outras nem tanto, eram na “carteirada”, mesmo.
Dentro de campo, os árbitros sempre davam aquela mãozinha – ou apitada – fundamental para manter o resultado conforme os gostos e desejos dos cartolas soteropolitanos. Dirigentes esses que poderiam ser comparados à realeza dos tempos do império, com todos os direitos e nenhum dever, a não ser o de conseguir resultados positivos para Bahia e Vitória, custe o que custar.
Um desses árbitros, que embora fosse batizado e registrado civilmente com o nome de um espiritualista indiano, nada fazia para repetir os gestos e ensinamentos do filósofo que seus pais quiseram homenagear. Ao contrário, as histórias e estórias são as mais antagônicas possíveis e inapropriadas para atividades esportivas, diriam hoje os politicamente corretos.
Esse mesmo árbitro passou a ser conhecido como uma espécie de carrasco dos times das cidades do interior – Itabuna, Ilhéus, Vitória da Conquista, Feira de Santana, Alagoinhas e Jequié. Nem mesmo as equipes menores da capital escapavam da vingança maligna dos mandantes da Federação. E sabem qual era o pecado? Formar um time com condições de disputar – de igual para igual – o Campeonato Baiano.
A área do adversário era território proibido para os atacantes interioranos e os nanicos da capital. Chegar perto da pequena área…nem pensar: o árbitro acionava logo seu famoso apito para marcar impedimento ou uma falta do ataque. Já na defesa a situação era mais complicada e os zagueiros não podiam, sequer, chegar junto dos atacantes dos grandes times, que trilava o apito protetor, marcando penalidade máxima.
Num desses jogos entre o Itabuna e Bahia eis que a Federação Baiana de Futebol escala justamente o homônimo do indiano para a partida a ser realizada na Desportiva Itabunense. Descia do ônibus da Sulba ou avião e se dirigia ao Lord Hotel para descansar até o início da partida, sem falar com pessoa alguma, principalmente se fosse dirigente ou pessoa ligado ao Itabuna.
Para o desespero do árbitro, neste domingo, a equipe azulina estava “azeitada”, e seus jogadores com sede de vingança da última partida realizada com o Bahia, quando perderam por um magro 1 X 0, como sempre, com a ajuda deste mesmo juiz. Bola em jogo, as duas equipes se estudando e os jogadores, principalmente os do Itabuna, com receio de partir para uma jogada mais viril.
E essa indecisão já deixava o árbitro angustiado, pois, como acertado na capital, o Bahia precisava da vitória. Mas não tinha jeito e mesmo as quedas dos jogadores do time da capital eram em jogadas infantis, impossíveis de marcar o providencial pênalti, pois eram longe da grande área. Já no lado do ataque do Itabuna, em toda escapada era marcado o impedimento, uma “banheira”, como era conhecida essa penalidade.
O ataque do Itabuna não chegava à grande área, e caso um jogador azulino se atrevesse a ultrapassá-la o apito trilava, Devido a atitude indevida, mas decisiva do árbitro, o ataque do Bahia pecava nas finalizações, para desespero dos dirigentes. E essa agonia também era bastante visível nas transmissões das rádios da capital, cujos apresentadores e repórteres tentavam desqualificar o futebol jogado pelos interioranos.
Mas nessa tarde esportiva da velha Desportiva Itabunense não teve jogador ou cartola do Bahia ou da Federação que desse jeito. Muito menos o árbitro, diante do futebol impecável jogado dentro das quatro linhas. Sem ter como apitar o velho e famoso pênalti salvador da pátria, o conhecido árbitro foi obrigado a encerrar o jogo aos 50 minutos do segundo tempo.
Neste domingo nenhum dos dois times venceram, pois o placar não saiu do zero a zero. Ganhou o futebol baiano, numa tarde em que o esporte venceu o caxixe e o conluio entre os cartolas dos times da capital e da Federação. Nesse dia o suspeitíssimo árbitro foi derrotado pela prática do bom futebol, e o Itabuna Esporte Clube passou a ser visto com outros olhos pelos sabidórios do esporte.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado