Por Walmir Rosário
Do alto dos seus 86 anos, o engenheiro agrônomo aposentado da Ceplac, Luiz Ferreira da Silva, continua em plena atividade intelectual. Assim que se formou em agronomia, em dezembro de 1963, se muda para Itabuna e inicia sua carreira profissional cuidando dos solos da região cacaueira da Bahia, inicialmente, e da Amazônia, posteriormente. Tem do que se orgulhar como um cientista que prestou relevantes serviços ao Brasil.
Aposentado, retornou para sua Alagoas, onde vive com a família. Aposentado, mas não inativo, como chamávamos os colegas que requeriam sua despedida da vida profissional na Ceplac. Se antes se debruçava para dar conhecimento do seu trabalho nos solos com 75 artigos técnicos e científicos, além de sete livros sobre solos e afins, sem o labor ceplaqueano produziu novas 25 obras literárias, muitas delas crônicas sobre a vida.
E por certo, novas virão, pois acredito que Luiz Ferreira não se transformará num inativo de verdade. Mas quero falar desta sua última obra: “A Agricultura sem códigos de barra para combater a fome no Brasil” (Scortecci Editora). E a apresentação do livro é das mais especiais, elaborada pelo seu colega – também ceplaqueano – Manoel Malheiros Tourinho, outro cientista de conceito internacional.
Tal e qual um Thomas More da era moderna, Luiz Ferreira continua pregando a Utopia, desta vez tentada, como fez durante todo o tempo em que atuou na Ceplac, estudando solos e propondo melhorias, com o que tinha de mais moderno nas praticas agrícolas. E nesses anos a cacauicultura deu um salto de produção e produtividade, enriquecendo as regiões cacaueiras do Brasil.
E o livro, segundo Luiz Ferreira, foi escrito em virtude de sua preocupação sobre a fome que se alastra de forma rápida no Brasil. Segundo ele, em números absolutos, hoje são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer. E esses números chocham se levados em conta o índice da desigualdade: Enquanto 10% não têm do que reclamar, outros 90% carecem de políticas públicas para viver com dignidade.
O autor afirma ser inconcebível num país como o Brasil, de dimensões continentais, com solos altamente produtivos, que a produção de alimentos tenha muitos intermediários. E ele recorda de sua infância em Coruripe, com a fartura de alimentos na feira livre semanal (o primeiro shopping a céu aberto que conheceu). E diz ficar pasmo que hoje as pessoas comprem esses mesmos produtos em supermercados pagando altos preços e impostos.
E a fome não dá trégua, seja no interior ou nas grandes cidades – áreas urbana e rural. Se por um lado o Brasil tem grandes empresas estatais fomentadoras de tecnologia, nem sempre, e na maioria das vezes, esse serviço chega na ponta, por falta de visão e políticas públicas que contemplem aos produtores rurais, de acordo com sua especificidade, tamanho e produção, apesar das técnicas de extensão rural e da tecnologia de informação.
No entender de Luiz Ferreira, mesmo os assentados são incentivados a produzir produtos de exportação – para os ricos –, em detrimento da premissa de acabar com a fome da pobreza endêmica. Outro enfoque é a distribuição de terras, que não satisfaz as condições necessárias à fixação do homem no campo e com plena capacidade de produção, pois a maioria dos assentamentos fracassa.
Na realidade, o Brasil não é um país para amadores e compreendo a preocupação do Autor em ver a falta de políticas públicas para a agricultura, principalmente a de subsistência. E quando as políticas públicas são elaboradas nem sempre conseguem chegar na ponta, seja por falta de vontade governamental ou os constantes cortes, momentâneos ou definitivos no orçamento.
Pra mim, a insegurança do homem do campo é outro fator impeditivo da plena produção, principalmente em relação à política de partidos de esquerda em fomentar as invasões de propriedades, muitas vezes transformadas em assentamentos. E na maioria das vezes esses assentamentos nada produzem, embora recebam recursos governamentais, não para aplicar na produção, mas na manutenção da política e ideologia partidária.
Bons tempos eram aqueles em que os pequenos produtores rurais, mesmo com famílias numerosas, tinham orgulho em dizer que produziam de tudo no seu pedacinho de terra e que apenas compravam na cidade o querosene e sal. Atualmente, uma visão muito comum é que as pessoas que moram em fazendas, sejam grandes ou pequenas buraras, adquirem, até mesmo o tempero verde nas suas compras semanais na cidade.
Reforço a qualificação de Luiz Ferreira como utópico, não a sonhada, mas a utopia tentada, como fizeram os técnicos e cientistas da Ceplac na renovação e ampliação da lavoura cacaueira. Ou como disse Thomas More na Utopia: “Sustentar que a miséria pública é a melhor salvaguarda da monarquia, é sustentar um erro grosseiro e evidente; onde se veem mais querelas e rixas do que entre os mendigos?”.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado