Por Luiz Ferreira da Silva
Em 2022, com meu colega Moreau, lançamos o livro – O Manjar dos deuses é de dar água na boca (Scortecci Editora/SP), no qual reverenciamos os bravos pioneiros do cacau que nos deixaram um patrimônio agro eco- socioeconômico sem precedentes. Desenvolveram uma agricultura sui generis, interagida com a floresta; criaram uma história além-fronteiras; desenvolveram uma cultura popular e produziram uma riqueza catalisadora de empregos.
Com clarividência, pois, soube o primitivo homem do cacau implantar uma lavoura onde nenhuma outra poderia se estabelecer agronômica, econômica e ecologicamente, como uma espécie de nicho para esta planta tão dadivosa, numa região de solos pedregosos, topografia acidentada e “piuns” sem respeito.
Pois bem. Acontece que o lado explorado, sobretudo pelos famosos escritores foi de serem bárbaros e esbanjadores, desconhecendo o trabalho árduo e destemido em uma região de mata fechada, sem quaisquer infraestruturas e apoio governamental.
Tinham que ser machos no sentido da labuta sol a sol e na defesa do seu patrimônio, ademais da submissão a um código assemelhado ao do Hamurábi: dente por dente e olho por olho.
Imagine o leitor o desbravamento de uma natureza bruta na busca da sobrevivência em ambos os sentidos – física e estipendiária – sob regras e leis dos homens sentados em seus confortáveis gabinetes! Não se daria a posse destas terras selvagens e nem o solo produziria uma riqueza que ultrapassou os umbrais da mata fechada, formando vilas e cidades, enriquecendo uma região.
Começaram pobres, sem dinheiro e sem instrução, subindo na vida pegando no facão, na espingarda papo amarelo, alimentando-se de carne seca, farinha e rapadura. Viviam em casebres, dormindo em redes ou em esteiras de palha, como é contado por renomados homens das letras.
Temidos e admirados, eles eram ativos participantes da vida social grapiúna, líderes legitimados pelo voto, quase sempre conquistado pela força do dinheiro, das armas e controle das instâncias públicas – a justiça e a polícia.
As supostas maldades atribuídas aos coronéis, apesar de condenáveis, podem até ser classificadas de menor grau comparando-as com atos de corrupção praticados pelos políticos no Brasil, haja vista os danos atuais e às gerações futuras.
E com toda a desgraceira, foi graças aos coronéis que o cacau se tornou responsável por 40% da atividade financeira do Estado da Bahia.
No entanto, é importante que se frise que poderia ser diferente porque o cacaueiro jamais foi protagonista desta triste ação maléfica do homem. Pelos seus dotes advindos da natureza, ele apenas foi um fator de cobiça desregrada e da ganância do ser humano que continua até hoje.
Os nossos pioneiros não conheceram a vassoura de bruxa. Não sei se eles se amofinariam e tirariam o time do campo, pois sem o respaldo técnico-científico, sempre enfrentou a “mela” (podridão parda), a chupança (monalonion), os roedores e tantos outros “sócios” do cacau.
Provavelmente, conviveriam, em razão de suas roças em solos férteis e de cacaueiros jovens, com vigor de alta capacidade de recuperação. Ademais, com seu facão afiado e seu podão areado, não permitiriam um grau de infestação tão elevado, mantendo o fungo sob vigilância constante (podas fitossanitárias).
Diferente de 1989, quando a vassoura pegou o cacauicultor de calças curtas: a lavoura estava quebrada, o produtor descapitalizado, as instituições em declínio e as roças de cacau envelhecidas.
Agora, os televisivos acompanham a TV-Globo que exibe dramas vividos na região do cacau, cujo ator principal é Marcos Palmeira, neto do cacauicultor Sinval Palmeira.
De certa feita, 50 anos atrás, estive em sua residência que mantinha em Itabuna, já que era Deputado Federal pelo RJ, para lhe solicitar permissão a um estudo de perfis de solos que iria amostrar em uma de suas fazendas. A casa estava repleta de netos e, possivelmente, o Marcos estava presente.
Acredito que o bom ator tenha chupado muitas bagas de cacau e recebido informações do avô sobre a epopeia cacaueira.
Se assim aconteceu, vendo-o interpretar um tal de coronel Inocêncio, imagino o quanto deve se lembrar do Dr. Sinval e dito para si mesmo – nada tem a ver, meu avô; ou a Globo é quem sabe das coisas.
Eu que vivi 30 anos sendo “visgado” pelo cacau fico assistindo de camarote, esperando que a região análise e se pronuncie, caso se sinta ultrajada.
E, aproveitando a oportunidade do tema, sugiro aos atuais líderes do cacau – de Ilhéus, de Itabuna, de Camacã e de Ipiaú -, principais polos cacaueiros, que pensem num tributo aos pioneiros do cacau, erguendo um monumento, a exemplo do majestoso Monumento dos Bandeirantes, reverenciado pelo estado de São Paulo.
(Maceió/AL, 12-02-2022).