Em 2015, aos seis anos de idade, Levi Silva teve sua matrícula negada em uma escola na localidade de Boca da Mata, que fica na zona rural do município de Cruz das Almas, recôncavo sul baiano.
A justificativa da direção da unidade escolar foi que não havia professores especializados no ensino para crianças com deficiência e que o espaço não era ‘adaptado’ para Levi. “Saí da escola achando que era isso mesmo, que crianças com deficiência deveriam ficar em casa com seus pais”, afirmou a mãe do garoto Jucileide Conceição da Silva.
Dias depois, inconformada, Jucileide pesquisou na internet e encontrou casos semelhantes ao do seu filho, além de ter encontrado orientações do Ministério Público do Estado da Bahia.
A Instituição alertava que, em caso de negativa de matrícula, os responsáveis pelo estudante deveriam denunciar o caso ao MP. Jucileide voltou novamente na escola, teve outra negativa, e daí resolveu procurar a Promotoria de Justiça em Cruz das Almas.
Desde sábado, dia 21, Dia Nacional de Lutas das Pessoas com Deficiência, no Setembro Verde, mês de intensificar as ações de mobilização para inclusão dessas pessoas, o MPBA traz nas suas redes sociais (@mpdabahia) campanha com informações sobre a atuação da instituição e sobre os direitos desse público.
A educação inclusiva é um desses direitos. Segundo o censo IBGE 2022, pouco mais de 1,5 milhão de baianos, 10,4%, são pessoas com deficiência e a taxa de analfabetismo delas (29,4%) era mais que o triplo da verificada entre as pessoas sem deficiência.
Logo após o nascimento, Levi foi detectado com hidrocefalia. Aos dois meses foi internado no Hospital Roberto Santos, onde passou dois anos e sete meses para tratar a retirada de um tumor e a hidrocefalia. Aos quatro meses, após um procedimento cirúrgico, Levi perdeu o braço esquerdo e aos cinco anos, perdeu completamente a visão.
No total foram 55 cirurgias. “Devo tudo ao Ministério Público, que conseguiu que eu efetivasse a matrícula de Levi aqui na zona rural de Boca da Mata. Hoje, aos 15 anos, Levi estuda no oitavo ano na Escola Vigildásio Sena, um colégio adaptado para as crianças com deficiência, tem um monitor exclusivo no transporte escolar, além de um cuidador que acompanha ele em sala de aula”, ressaltou Jucileide da Silva.
“O Levi ajudou o crescimento do projeto porque antes não tínhamos uma unidade escolar adequada para recebê-lo. Não foi o Levi que se adequou à escola, e sim a escola que se adaptou à realidade do Levi.
No início, havia uma dificuldade, por exemplo, no próprio transporte escolar pois não havia um cuidador para acompanhar ele no trajeto de casa até a escola”, explicou a promotora de Justiça Lívia Avance. Ela complementou que a escola passou por uma transformação física e pedagógica e se tornou um colégio modelo de educação inclusiva em Cruz das Almas.
“Os professores passaram a receber capacitação periódica e produzirem os Planos de Desenvolvimento Individual (PDIs) e anamneses que foram alteradas a partir do caso de Levi. Para se ter ideia, em 2016 tínhamos 35 alunos de educação inclusiva no município. Hoje temos 615 alunos matriculados em 45 escolas municipais”, afirmou.
Etapas do projeto
Criado em 2014 pelo MP, o projeto ‘Educação Inclusiva: todas as escolas são para todos os alunos’ ganhou uma nova versão em 2023 e foi formatado com um passo a passo para orientar os promotores de Justiça em suas comarcas, que inclui etapas desde a instauração da portaria do procedimento administrativo, quando o promotor de Justiça deve oficiar as secretarias municipais de educação, saúde e assistência social para coleta de informações, até a elaboração de cursos de formação e aperfeiçoamento da equipe multidisciplinar de inclusão e dos professores.
Atualmente, o ‘Educação Inclusiva’ está implementado em 16 municípios. “Foi a partir de Levi que nós criamos os passos seguintes do projeto. A gente saiu da sensibilização, verificamos que a formação dos professores era imprescindível, então seria o segundo passo, e o terceiro a aplicação dos instrumentos pedagógicos”, explicou o coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação (Ceduc), promotor de Justiça Adriano Marques.
O projeto propõe uma estratégia de inclusão de alunos com deficiência em três etapas, incluindo a sensibilização da comunidade escolar para a importância do tema da educação inclusiva; a criação de equipe multidisciplinar de inclusão e a formação dos professores para execução de anamnese, o PDI e avaliação devolutiva dos alunos com necessidades educacionais especiais; além da execução e acompanhamento dos instrumentos pedagógicos como anamnese, PDI e avaliação devolutiva.
Segundo a idealizadora e gerente do projeto, promotora de Justiça Cintia Guanaes, “a educação na perspectiva inclusiva precisa sair do papel e estar no chão da escola. A legislação já está posta. É necessário modicar a cultura para enxergar a pessoa com deficiência em todas as suas potencialidades. Precisamos eliminar barreiras, criar estratégias, elaborar planos de atuação… o direito a educação têm que ser pra todos”.
O termo de adesão prevê que o Município deverá cumprir recomendações sugeridas pelo MP para implantação e execução do projeto; fornecer suporte à equipe do projeto e a seus parceiros na realização de reuniões, palestras, seminários e workshops para a sensibilização da educação inclusiva, promovendo a efetiva participação dos profissionais da educação, da saúde, dos pais, dos familiares e dos alunos.
Além disso, auxiliar a equipe do projeto e as instituições parceiras na capacitação de servidores e de professores da rede municipal de ensino nos temas relacionados à educação inclusiva, notadamente para executar anamneses, planos de desenvolvimento individuais, avaliações devolutivas e relatórios de cada estudante.
De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), cabe ao Poder Público aprimorar os sistemas educacionais, visando garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena; desenvolver projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade; além da adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino, dentre outras prerrogativas.