Em um marco à defesa das vítimas de violência doméstica e familiar, a Defensoria Pública do Estado da Bahia obteve decisão inédita junto ao Tribunal de Justiça da Bahia, em caso que restabeleceu as medidas protetivas de uma mulher que sofria violência psicológica por parte do ex-companheiro. A assistida teve as medidas protetivas revogadas, depois de parecer do Ministério Público, acatado pelo Judiciário, sob alegação de não haver “prova concreta” que justificasse a prorrogação, apesar dos inúmeros testemunhos prestados pela vítima, corroborando a necessidade do mecanismo legal de proteção.

Embora a violência sofrida não fosse física e direta, era psicológica e “difusa”. Esse tipo de violência contra a mulher, tipificada no código penal, acontece quando a vítima é submetida a condutas que causam dano emocional ou prejuízo à sua autoestima ou ao seu desenvolvimento, incluindo atitudes de controle, chantagem, vigilância, humilhação, manipulação, entre outros.

No caso da assistida, as ameaças aconteciam indiretamente, por meio do filho em comum. O apelado já tentou invadir a escola da criança anteriormente, bem como costuma ajuizar ações em massa, com fins de constranger e amedrontar a ex-companheira.

Com a revogação da medida protetiva, a Defensoria recorreu imediatamente, por entender que a decisão de primeira instância colocava a assistida em situação de desproteção e vulnerabilidade. A defensora do caso, Carolina Araújo, explica que há um histórico de ameaças e perseguições contra a mulher, que se desenrola desde 2018, quando ela obteve a medida protetiva pela primeira vez, em outro estado. Depois do nascimento da criança, o quadro piorou e a violência psicológica passou a ser marcante.

Como parte da alegação jurídica, a defensora chamou a atenção para o fato de que a palavra da mulher em situação de violência deve ter presunção de veracidade, de modo que seu relato precisa ser considerado pelo sistema de justiça. Conforme a lei Maria da Penha, se a mulher afirma estar em situação de violência, não há motivo para considerar seu testemunho como falso. “Inverteram a lógica e desconsideram a palavra da vítima, que, com isso, foi reinserida em um estado de extrema vulnerabilidade. A revogação da medida protetiva pode trazer consequências irreversíveis, foi isso que apontamos na apelação e buscamos impedir”, afirmou Carolina Araújo.

Ela considerou o acórdão obtido junto ao TJ-BA como um precedente importante, que reforça o princípio da veracidade do testemunho da vítima. “Essa decisão servirá de referência a todos(as) os(as) defensores(as) que atuam na defesa da mulher e enfrentam casos semelhantes”, pontuou. Acórdão é uma espécie de decisão coletiva vinda de um colegiado do tribunal.

A defensora Viviane Luchini, do Nudem (Núcleo de Defesa da Mulher da DPE/BA), que também acompanhou o caso da assistida, afirmou que a violência psicológica nem sempre recebe a importância devida, sendo, muitas vezes, minimizada e desconsiderada. “O acórdão foi recebido como uma grande conquista, exatamente porque pontua a necessidade de se ter uma preocupação com a situação psicológica, com a saúde mental das mulheres que vivem contextos de perseguição e de humilhação”, considerou.