Por Osias Ernesto Lopes

O servidor público na Administração Pública. O subtítulo deste modesto artigo parece até um lugar comum, eis que por obviedade o servidor público é imprescindível para que ocorra, de fato, o funcionamento da chamada máquina pública. Todo serviço público é executado pelo servidor, é ele quem faz acontecer a entrega dos produtos e serviços essenciais à vida na municipalidade. Mas, na prática não é assim que ele é visto e tratado por um determinado segmento de “gestores” que teimam em enxergá-los de maneira estranhamente enviesada, esdrúxula até, a começar por terem a folha de pagamento de pessoal como incômoda despesa. E mais, quase sempre se utilizam da verba de pessoal para a prática nefasta de política assistencialista/clientelista, deturpando todos os princípios básicos que regem a administração pública, resultando no que todos vemos, uma máquina pública entrevada, coxa, sem foco, sem eira nem beira, que pouco ou quase nada serve ao público, sua única razão de existir.

A Escola de Governo. Contrapondo-se a essa realidade, é interessante lembrar que lá pelos idos dos anos primeiros da primeira década do século XXI, de maneira pioneira, a gestão pública itabunense experimentou a implementação do projeto de uma Escola de Governo, quando foi desenvolvida uma importante fase embrionária com o apoio da sociedade e efetiva participação de autoridades locais, membro do Ministério Público Estadual, profissionais liberais e, fundamentalmente, de professores da UESC, quando ministraram aulas extraordinárias acerca das mais variadas temáticas, tudo voltado à formação e ao crescimento intelectual do servidor, conferindo-lhe conhecimentos de todos os naipes, inclusive e especialmente os voltados à melhoria da gestão municipal.

O modelo de Campinas, São Paulo. Essa Escola foi inspirada no modelo então adotado no Município de Campinas, São Paulo, sem formalismos estruturais físicos ou burocráticos que demandassem custos extras, haja vista que para o seu mister eram utilizadas salas de reuniões e auditórios já existentes, com uma programação elaborada a partir das mais ingentes e urgentes carências detectadas no quadro de pessoal. Decerto que poderia ter progredido mais, mas a mudança de hábitos e de rotina assusta, fez a Escola sofrer os mais variados ataques, até de quem não deveriam vir.

A institucionalização da Escola de Governo. E o fato é que, a preocupação em fazer andar esse projeto era tamanha que o legislador municipal foi convencido da necessidade de institucionalizar a iniciativa, e foi assim que, através da Emenda nº 007/2003, se inseriu no Capítulo II da Lei Orgânica do Município de Itabuna – LOMI, dedicado aos servidores municipais, no § 3º do art. 94, a seguinte obrigação:

Art. 94- …
§ 3º O Município criará Escola de Governo, sob a denominação “Escola de Governo e Desenvolvimento do Servidor Público Municipal de Itabuna” para a formação e o aperfeiçoamento dos Servidores Públicos Municipais, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção de carreira, facultada, para isso, e elaboração de convênios ou contratos entre os entes federados ou privados.

Consectários óbvios da implementação da Escola de Governo. É fácil de imaginar o melhoramento da gestão municipal, imbuída de capacidade satisfatória para enfrentar os desafios impostos pelas constantes mudanças e transformações trazidas pelos novos tempos, tivesse havido a concretização da criação dessa Escola há mais de vinte anos. Certamente que todos os servidores estariam praticando as melhores técnicas, com melhores conhecimentos, atualizados e muito mais aptos a exercerem suas funções. Para isso bastava aos alcaides que se sucederam anos afora, cumprir com esse dever legal, insculpido na mais elevada norma municipal, popularmente considerada como constituição municipal. Mas o fato é que tal dispositivo foi solenemente ignorado, desprezado, e não bem avaliado também e até pela instituição sindical, que em última análise, poderia e pode requerer em juízo a criação da Escola, ferramenta estratégica e de fundamental importância para o aprimoramento da prestação do serviço público.

Respeito à verdadeira memória da Administração. Em vez disso, estamos testemunhando alguns “incidentes” que afetam de maneira demasiadamente negativa membros dos quadros de servidores municipais, especialmente o segmento dos mais antigos, demonstrando até mesmo uma certa insensibilidade no trato com quem realmente dedicou e ainda dedica a vida à causa pública, desprezando o conhecimento e a experiência que carregam, verdadeiras memórias vivas da Administração que, observadas pelo gestor com inteligência, sobriedade e respeito, em muito poderiam e podem contribuir para a boa fluência e qualidade dos serviços públicos prestados, assim como para o aprimoramento da atuação dos novos servidores.

O devido cumprimento da Lei. A mais disso, tem-se ouvido falar sobre o dever de se cumprir a Lei, afirmativa essa, claro, que não merece qualquer reparo. Mas não se pode dizer isso distante da prática e seletivamente, pois não é razoável que se eleja para cumprimento apenas normas que mais satisfaçam ao ego de quem, precipuamente e por ofício, tem esse dever.

A Emenda Constitucional nº 103/2019. Não é assim que, sob esse mesmo argumento de cumprimento da Lei, em nossa cidade se levou a efeito um dispensar indistinto de servidores aposentados, sob o argumento de se estar no cumprimento de ditames constitucionais, o que não passa de meia verdade, pois a Emenda Constitucional nº 103/2019 quer fora do serviço público somente os que a partir de sua vigência se aposentaram, fazendo ressalva expressa quanto aos aposentados anteriormente a ela, excetuando-os, permitindo-lhes, ipso facto, a permanência no emprego.

Toda aposentadoria será castigada(?!). Aliás, se tem notícia de que os servidores aposentados pelo RGPS vêm sofrendo retaliações faz tempo, pois o enquadramento nos cargos criados, coisa que a todos os demais servidores foi garantido, não lhes foi deferido, sendo mantidos, ao que se sabe, num quadro à parte, numa anomalia inexplicável, posto que, antes da EC nº 103/2019, tinha-se por certo que a aposentadoria não causava rutura contratual laboral. Daí, infere-se que, se não havia, como não houve, rutura do pacto laboral, liame esse que seguia indene mesmo ante a aposentadoria, impunha-se o enquadramento do servidor.

Funcionário e cargo. Cargo e funcionário. Fala-se também que aos servidores aposentados pelo regime geral de previdência gerido pelo INSS foi imposto o regime estatutário. Ora, como dito acima, não houve enquadramento dos mesmos nos cargos criados, não havendo portanto que se falar, in casu, em mudança de regime, pois não há funcionário sem cargo (aqui, ambos os termos, funcionários e cargo, tomados na acepção técnico jurídica trazida pelo Direito Administrativo). Essa situação leva a uma outra perversa anomalia, posto que, não ocupando o aposentado cargo público não há que se falar em vacância de cargo, o que impede a aplicação da Lei Municipal que trata da matéria, pela óbvia impossibilidade de se declarar vacância de cargo sem existir, no particular, cargo a ser vacante.

Pois é… valorizar o servidor não é uma mera condescendência do gestor, é sobretudo um dever legal.

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Osias Ernesto Lopes é Advogado e ex-Secretário de Administração de Itabuna