Por Walmir Rosário

Tenho muito respeito pela sinalização de trânsito e motivos tenho de sobra para tanto. Primeiro, pela segurança da minha vida e dos semelhantes que nos rodeia; a preservação do nosso patrimônio; o respeito à legislação, como deve ser nos países onde prevalece o regime democrático de direito. Sem contar que vale a pena viver em sua plenitude, sem confrontos ou conflitos.

Se pensarmos direitinho ainda tem a questão financeira, pois as multas custam os olhos da cara que um dia essa terra há de comer. Para um amigo meu, os impostos e multas são as únicas coisas que os políticos aprovam com vontade. Pra ver doer no bolso do contribuinte e eleitor. Pensando nisso, não é de bom alvitre romper as barreiras impostas pelo Estado – ente federativo –, pois seu contra-ataque é terrível, até mortífero, eu diria.

Mas se tem umas leis que pegam – até por ter instrumentos comprobatórios –, nem sempre isso acontece no serviço público e outras sanções previstas ficam apenas na ameaça. Elas existem, são fatos, embora nunca cumpridas. Eu até costumo dizer que seria melhor que o político – legislador ou executivo – não a ponha em prática, pois correm o risco de se desmoralizarem.

Enfim, na democracia é assim mesmo, tudo pode até determinado ponto. Tem as normas do condomínio, geralmente descumpridas; do lixo, jogado em local indevido; das passagens de pedestres, tomadas à força pelos motoqueiros, sem contar as “costuras” que fazem para ultrapassar os carros. E olha que o do Código de Trânsito Brasileiro chega a ser ameaçador, em outros casos. Acho que não conseguem pegar os motoqueiros.

O mesmo acontece no serviço público, nas chamadas repartições, que deveriam dar o exemplo de civilidade e bom atendimento aos seus patrões, o coitado do contribuinte, ainda é ameaçado com um aviso sobre o Código Penal. Pois é, além de mal atendido, o cidadão tem que ficar quieto, pois uma simples reclamação poderá está incurso no crime de desacato, pomposamente estampado no artigo 331 do CP.

Como dizem os mais sabidos – ou os inteligentes –, manda que pode, obedece quem tem juízo. É muito comum no tráfego, no trânsito, os agentes se esconderem para flagrarem os infratores. Um radar no meio do mato, para checar a velocidade; um binóculo para observar quem ultrapassa a faixa contínua. E lá se vai uma pesada multa, daquelas que doem no bolso do contribuinte.

Projetam estradas do primeiro mundo, carros potentes e rápidos, que avançam quilômetros a um simples aperto no acelerador, embora a legislação – e claro, a sinalização presente – seja aquela de terceiro mundo. Constroem bólides para andarmos a velocidade de carroças, como se referiu o então presidente Collor de Melo sobre os carros fabricados no Brasil àquela época.

Não poderia aqui finalizar essas mal traçadas linhas sem dizer que, nem sempre a infração é cometida de propósito, de forma pensada. E me baseio numa grande referência do rádio -jornalismo baiano, Edvaldo Oliveira, acredito que o mais antigo em atividade (após a aposentadoria foi para a Uesc). Além do texto escorreito, elegante (como ele), Oliveira era um homem metódico, que não saía da linha nem que chovesse canivete.

Pois bem, na Divisão de Comunicação da Ceplac (Dicom), onde trabalhávamos, Edvaldo Oliveira era uma pessoa ímpar, cuidava exclusivamente do seu trabalho de editar o Jornal do Cacauicultor, a produção de releases e o que mais aparecesse. Como o mais experiente, sempre era procurado para dirimir dúvidas, qual o direcionamento de tal matéria, qual o prazo de entrega de determinada reportagem.
Já que falamos em Collor de Melo, no período em que foi presidente a Ceplac passou momentos difíceis, sem recursos para executar o trabalho, os setores de redação, arte e gráfica praticamente parados. Cumpríamos nossos horários e no final da tarde era só embarcarmos nos ônibus da instituição que nos levariam à cidade. Um grande e movimentado ponto de transbordo, como em qualquer metrópole.

À época era o nosso chefe na Dicom o jornalista Tyrone Perrucho, boa praça, não perdia a piada, muito menos o amigo. Como morávamos no mesmo bairro, descíamos para o ponto de ônibus, que rodeava o famoso navio emborcado. Era o prédio no qual funcionava o posto de abastecimento da Ceplac, cuja estrutura assemelhava uma embarcação virada para baixo, coisa de arquiteto.

De um lado do prédio do navio emborcado, duas correntes se encontravam fixadas numa tampa de tambor de 200 litros que, majestosamente, teria sido transformada em sinal de trânsito proibido, com o pomposo letreiro: “Proibido ultrapassar”. Enquanto esperávamos nosso ônibus, olhávamos à volta para ver os acontecimentos, quais os retardatários que apareciam correndo com receio de perder a condução.

Na maioria das vezes, eis que aparecia esbaforido o colega Edvaldo Oliveira, que após cumprir seu ritual de saída, não dava a mínima importância para o sinal de “proibido ultrapassar”, dava um pulinho e continuava sua viagem até o ônibus que o levaria ao seu destino. Como não queria nada, Tyrone Perrucho não perdoava:

– Olha ali, Rosário, que sinal de trânsito desmoralizado, nem mesmo Edvaldo Oliveira o respeita! –.

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Walmir Rosário é  Radialista, Jornalista e advogado