Por Walmir Rosário
Quem jogou ou, pelo menos, acompanhou jogos do futebol amador em tempos passados sabe a dificuldade em disputar uma partida no campo adversário. Nas fazendas, então, era o parto da bezerra. O visitante era convidado a jogar, mas era impedido de ganhar. Para tanto, o árbitro era escolhido a dedo pelo mandante, com o dever de impedir, a qualquer custo, a vitória do time de fora. E não adiantava espernear.
Para não ficarmos falando só do passado, isso existe até hoje, não pela simples rivalidade entre as duas equipes, a exemplo de Itabuna e Ilhéus, que perdura aos dias atuais e não tem prazo para encerrar. Com as equipes profissionais convencionou-se dizer que nos seus domínios o adversário tem que agir com muita cautela, chegando a afirmar que o touro em pasto alheio não passa de bezerro. E os velhos alçapões estão aí.
Para não dizer que não saí da cozinha de casa, lembro bem das partidas entre os times brasileiros e argentinos nos estádios dos hermanos, que não respeitam a torcida, os árbitros e muito menos os adversários. Quando o resultado não já estava encomendado, eles o fabricavam, sem qualquer cerimônia ou receio das consequências legais que poderiam ser tomadas.
Não tenho base legal ou conhecimento para afirmar que os antigos dirigentes e torcedores da Seleção Amadora de Belmonte, no Sul da Bahia, herdaram esses costumes dos argentinos, mas que agiam parecido, isto é fato e não se pode negar. Que digam os atletas, dirigentes e torcedores das seleções amadoras de Canavieiras, Ilhéus, Itabuna nos velhos tempos do Campeonato Baiano de Amadores.
Pra início de conversa, assim que a seleção adversária chegava era recepcionada por uma comissão que tinha como objetivo atingir moralmente os adversários com palavras difamantes, ultrajantes e tudo o mais que a valha. Mas não ficava por aí, essas comissões se revezavam em frente a pensão que hospedava a delegação, e fazia muito barulho noite a dentro, evitando que dormissem o sono dos justos.
Uma solução encontrada por Itabuna foi viajar para Belmonte em aviões, os famosos teco-tecos, com a finalidade de chegar um pouco antes da partida. Os que se aventuravam ir de ônibus comiam o pão que o diabo amassou. Tinham que chacoalhar nas velhas “marinetes” da Sulba por quase 200 quilômetros. Aguentar a poeira os atoleiros, a depender da estação do ano.
No começo da década de 1960, a Seleção de Itajuípe tinha um compromisso com o selecionado de Belmonte pelo Campeonato Baiano de Amadores. Os dirigentes alugam um ônibus e saem no sábado bem cedo (um dia antes). No caminho desceram para empurrar o veículo várias vezes e conseguiram chegar com o sol caindo no horizonte. Foram ao estádio reconhecer o gramado e dali se dirigiram à pensão.
Por recomendação do presidente Jackson Hage e dos diretores Fernando Mansur e Tuffik, os jogadores não saíram da pensão para conhecer a cidade, por motivos óbvios. Mas não conseguiram dormir com a batucada na praça em frente, sob o comando da apaixonada torcida belmontense. E Itajuípe tinha que sair de Belmonte, no mínimo, com um empate, para disputar com a Seleção de Ilhéus. Mas o pensamento do grupo era ganhar o jogo.
E a partida não saia do 0X0. Mais ou menos aos 35 minutos do segundo tempo, o árbitro, do meio de campo, marcou um pênalti contra a Seleção de Itajuípe, sem qualquer motivo e fora de qualquer jogada. Não adiantaram as reclamações. O árbitro estava irredutível. Atrás do gol de Itajuípe, uma pessoa chegou para perto do goleiro Antônio Pires, tirou o revólver da cintura e disse: “Se você se mexer na área eu lhe encho de chumbo”.
Ao presenciarem a cena, os jogadores da Seleção de Itajuípe comunicaram o fato à diretoria, que por sua vez chamou a polícia, que confirmou a arma e a estranha ameaça. Não se sabe o motivo e o poder do agressor, já que os policiais não o prenderam. Apenas se dividiram em dois grupos, um junto ao ameaçador e outro ao lado da trave, no sentido de evitar que o crime se consumasse, caso o goleiro Pires pegasse o pênalti.
Confusão amainada, o jogador do selecionado belmontense chuta a bola e o goleiro Pires a encaixa com segurança. Mesmo com a proteção dos policiais, o ameaçador continua prometendo transformar Pires numa tábua de pirulito, pelos tiros que prometia dar. O árbitro é obrigado a interromper o jogo, pois todos os jogadores formaram um cordão de isolamento para proteger o goleiro ameaçado.
A única solução encontrada pelos dirigentes foi fretar um avião teco-teco e transferir Pires para Ilhéus. Embarcaram Pires em um jipe, na companhia de Fernando Mansur e Tuffik, além dos policiais, para levá-los ao avião, enquanto em outro jipe ficou o agressor cercado de policiais. Assim que o teco-teco levanta voo, o jogo é retomado, com o goleiro reserva no lugar de Pires, e o placar de 0X0 foi mantido, apesar do desespero dos itajuipenses.
Pires prometeu que nunca mais jogaria em Belmonte e abandonaria o futebol se tivesse que fazer outra partida naquela cidade. E não se falou mais nisso.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado