Por Domingos Matos
O legítimo representante da geração que nasceu nos idos de 70 e cresceu nos idílicos anos 80 não sabe, nesse momento, se comemora o fato de ser um sobrevivente, ou se lamenta o aparecimento de algumas comorbidades – a obesidade parece ser a mais presente – e o risco de ingressar no temido grupo de risco para a tal Covid-19. Pessoalmente, acredito que ser um sobrevivente nos ajudará mais do que não ter comorbidades. O sobrevivente sabe como enfrentar as adversidades atuais, porque passou por outras parecidas. Tem ferramentas.
Sobrevivemos ao sarampo, catapora, papeira, cólera, ao Neocid, Baygon e ao Merthiolate – do tempo que ardia mais do que pimenta de acarajé. Só de pensar, hoje, que nossas mães aplicavam aquilo com uma expressão de quem passava margarina Doriana numa banda de pão… Acho que era uma forma de nos castigar pela picula que terminou em arranhões nos cotovelos, joelhos e tornozelos, os locais mais complicados. Pensavam que, como não podiam castigar o moleque que acabara de cair na cascalheira, o Merthiolate faria as vezes. Algumas ainda castigavam, sim. Lembro bem.
Sarampo, papeira e catapora eram “obrigatórios”. Já o cólera, dependia de ações de higiene para minimizar os riscos. Tiramos de letra. Neocid, Baygon e Merthiolate eram consequências da “danação”. Enfim, sobrevivemos, e cá estamos, acompanhando de dentro de casa o mundo se transformando. Deveremos sobreviver também às transformações que estão por vir.
E essas transformações não se darão apenas nos hábitos de higiene, nas relações pessoais, sociais, comerciais, amorosas. Fico pensando naqueles que vão nascer no pós-coronavírus. O que será dessa geração, que vai falar as primeiras palavras de máscara no rosto? Se para nós, sobreviventes falantes, já está difícil comprar pão, fazer ligações usando máscara, imagine como os bebês vão aprender essa nova variante da língua portuguesa? “Queribda, ele folou ‘vavai’! Que abor…”. Aprenderemos. Quem sobreviveu à última reforma da língua portuguesa, vai superar.
De tudo, o que tenho percebido como o maior desafio será convencer a geração anos 40, 50 e 60, a aceitar os novos desafios pela sobrevivência. O primeiro deles – fora a necessidade de permanecerem em casa – é o uso de máscaras ao sair à rua. Essa turma tem uma resistência a usar a tal máscara, que coloca à prova a calma tibetana de seus parentes e cuidadores. “Isso vai me matar sufocada”, reclama, sempre, minha mãe. Quando não diz que as pessoas estão parecendo marmotas…
Sobreviveremos. Temos que pensar como o vírus – e vírus pensa?. Se não pensa, usa muito bem o instinto de sobrevivência e propagação. Temos que agir como ele. Nos adaptar. Geração 80, esquece (hoje se diz “cancela”) a música dos Titãs, aquela do “Não vou me adaptar”, que tanto cantávamos e cantamos. Temos que nos adaptar ao novo ambiente.
Verdade seja dita, somos uma espécie que não se deixa aniquilar facilmente. Já nos adaptamos a muitas situações, citei várias delas no início desse texto. E, dizem os estudiosos da PNL e da Física Quântica, nosso cérebro tem mecanismos de defesa e sobrevivência que nem sempre fazem sentido, mas que ele usa para tomar inúmeras decisões objetivando nos preservar. O pior é que nós – a consciência – nem ficamos sabendo.
Ajudemos nosso sistema de autodefesa. Hoje, o maior ato de amor, inteligência, bravura, afirmação de masculinidade etc, é ficar em casa. Pode ser angustiante, entediante, um saco, mas é uma questão de sobrevivência. E, cá pra nós, já somos safos nesse negócio de sobreviver a doenças contagiosas. Se bem que, olhando para esse momento, tudo o que passamos para chegar até aqui foi fichinha.
Mas tudo o que vivemos, nossa história, tudo o que podemos ainda criar – ou cocriar, para manter a verve quântica – não pode ser jogado fora por uma teimosia. Não é hora de bancar o Super-Homem ou a Mulher-Maravilha, mas de sobreviver. Em casa.
Domingos Matos é jornalista e blogueiro