Por Walmir Rosário
Nos tempos atuais as datas religiosas não são mais guardadas ou festejadas pelos católicos com o mesmo fervor de tempos passados. Pelo que tenho observado, esses dias – transformados em feriados –, são pequenas férias, nos quais as famílias se deslocam para as praias ou outros locais paradisíacos ou mesmo aprazíveis. Até mesmo a Semana Santa não parece gozar do mesmo prestígio de antes.
Nas minhas lembranças costumo rever os costumes dos tempos de infância e adolescência, nos quais muitas pessoas seguiam os ensinamentos da igreja Católica, a começar desde o Domingo de Ramos, em que o peixe era a única “mistura” aceita e consumida por toda a família. Uns poucos católicos, mas nem tão praticantes, reservavam as quartas e sextas-feiras para comerem peixes.
E esse costume alimentar vinha agregado a outras tradições, a exemplo de se vestir de roupas escuras, predominante de cor preta durante toda a semana. Em casa, as imagens de santos eram cobertas com um tecido roxo, como se faz até então na igreja. A partir da quarta-feira da Semana Santa se recolhiam cedo e baixavam a voz, evitando, ainda, outros tipos de diversões.
Às madrugadas a população das ruas mais próximas da igreja era despertada pelo som das matracas e hinos religiosos da Via Sacra. E ainda tínhamos a Procissão do Encontro e a linda música cantada pela Verônica, a Celebração da Santa Ceia e o Lava Pés dos Apóstolos. Na Sexta-Feira da Paixão, o silêncio era total com a celebração da paixão, julgamento e morte de Jesus Cristo, crucificado ao lado de dois ladrões.
Essas cerimônias religiosas ultrapassavam as paredes das igrejas e chegavam a todos os recantos, respeitadas, inclusive pelos religiosos não-católicos. Para se ter uma dimensão dos costumes, na maioria das fazendas as vacas não eram presas ao curral no dia anterior e nem ordenhadas na Sexta-Feira da Paixão. Esse costume persiste até hoje na área rural em grande parte do mundo.
Na cidade, muitos ramos de negócios não abriam suas portas a partir da Quinta-Feira Santa, inclusive os bares e bordéis fechavam suas portas até o Sábado da Aleluia, após a leitura do testamento e a queima do Judas. Nesses dois a três dias, aparecer num açougue para comprar carne ou nos bares para uma rodada de cachaça e cerveja, nem pensar, pois pesava o medo do castigo divino ao cometimento de tamanha heresia.
No bairro da Conceição, em Itabuna, a população seguia os costumes religiosos católicos por ser maioria praticante e pelo temor das cobranças feitas pelos frades capuchinhos Isaías, Justo e Apolônio. Além das promessas de arderem no fogo do inferno por tamanho pecado mortal, como pregavam nas missas, largamente irradiadas pelas bocas dos alto-falantes que circundavam a igreja.
Ao vivo e em cores, nossos zelosos homens de Deus também faziam as cobranças em domicílios, ocasião em que demonstravam total descontamento com os que infringiam os mandamentos divinos e a consequente perda da graça. E o único remédio para não continuar sob o domínio do demônio seria a iminente ida à igreja se socorrendo ao sacramento da confissão, cujas penitências passavam das intermináveis orações à contribuição financeira para manter viva a obra de Deus.
A partir da Quarta-Feira Santa o bairro da Conceição se recolhia ao silêncio. Músicas somente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição e nas procissões. Pelo calendário de Afonso Fernandes, o proprietário do Bar O Guanabara, o conhecido Menino de Deus, eram calados o Serviço de Alto-falante Tabu, na quarta-feira, e no dia seguinte fechava as portas do Bar o Guanabara, com suas mesas de sinuque. Nem a sorveteria funcionava.
E o Serviço de Alto-falante Tabu era o maior veículo de informação que dispúnhamos – depois dos rádios do Rio de Janeiro e São Paulo. As duas locutoras, Jacira e Jandira trabalhavam nos períodos matutino e vespertino, informando e a animando os moradores com as músicas de sucesso do momento, que por um módico pagamento poderia ser dedicada com muito amor e carinho a alguém que sabe mas não posso dizer o nome.
Bom mesmo era assistir – ao vivo – a música e o jingle de abertura e encerramento do Tabu, astuciado pelo proprietário Afonso Fernandes, o Menino de Deus, para alegar os ouvintes: “Não sei se vou ou se fico, não sei se fico ou se vou, eu indo não fico aqui, mas ficando não vou lá, mas se for para ir ao Bar O Guanabara, eu aqui não fico, eu vou já, já”. E essa mensagem publicitária não sai da lembrança de Sandoval Oliveira de Santana.
Como se deduz, as distâncias de comportamento e cultura entre as duas épocas são abissais. Recuso-me a comentar qual das duas teria sido melhor, ou se no meio teria aparecido uma intermediária de bom jeito. O que sei é que nas praias de Ilhéus, Uruçuca, Itacaré, Una e Canavieiras os bares e restaurantes estão sempre cheios nessas datas religiosas, recomendadas a serem guardadas com muitas orações.
Não sei se são mudanças Canônicas ou culturais, mas elas existem.
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Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado