Por Walmir Rosário
Antes de Itabuna, aonde veio assumir a Justiça do Trabalho, foi juiz de Direito na Comarca de Irecê (BA), no final da década de 1950. E o Dr. Érito comentava que a prestação da justiça nos processos ia além dos autos, pois dependia da realidade e situação das partes. “Não posso condenar uma pequena empresa a pagar sentença absurda, fechar as portas e deixar outros 10 pais de família desempregados”, dizia.
E o juiz Érito Machado adotava uma linha de conduta rígida, a começar pelo modo de vestir, sempre social, se permitindo a tirar o paletó e arregaçar as mangas da camisa apenas quando ia à praia. Não frequentava qualquer ambiente, tampouco recebia presentes e outros mimos, obedecendo, rigorosamente, a liturgia do cargo e a educação familiar.
E ele nos contava que antes de ingressar na Justiça do Trabalho era juiz de Direito na comarca de Irecê. Reunia-se diariamente – após o expediente forense – na residência do prefeito, para um bate-papo intelectual seleto, com o padre, o diretor do ginásio, um pastor protestante, além do próprio alcaide e esporádicos convidados.
Certa feita julgou uma ação judicial que envolvia a propriedade de uma grande extensão de terras, cuja sentença foi contra os interesses do então prefeito, anfitrião diário dos encontros vespertinos. Agiu como o magistrado que era, e ao sair do fórum cumpriu seu ritual diário, para a tertúlia cotidiana com os amigos, justamente na casa da parte derrotada na ação.
Para o magistrado, nada fora da normalidade, agiu como deveria, dando o direito a quem deveria, sem o envolvimento inerente de quem detém o poder ou por causa da amizade. Chegou, abriu o portão, chegou à varanda cumprimentou os presentes e se sentou, como todos os dias, na sua cadeira favorita, conforme o ritual diário.
Todos os saudaram efusivamente, como de hábito, seguindo as costumeiras perguntas sobre o dia a dia, a exceção do anfitrião, que respondeu ao seu cumprimento com um muxoxo e sequer abriu os lábios para responder com a cordialidade de sempre. E nosso personagem cumpriu a rotina de sempre: falou sobre os assuntos mais importantes do dia e não foi respondido com a afabilidade de sempre.
De pronto, o Dr. Érito Machado desconfiou da distração do ora dissimulado anfitrião e continuou agindo como nada daquilo lhe dizia respeito. Se dirigiu à mesa, colocou gelo no copo, abriu o litro de whisky e se serviu generosamente, como costumeiramente fazia. Voltou a ocupar sua cadeira e retomou aos assuntos corriqueiros com os outros convidados.
Embora o bate-papo continuasse rolando, o clima não foi dos melhores, por parte do anfitrião, que assistia a tudo e não participava das conversas, como era do seu feitio. Não teceu críticas à falta de repasses de recursos pelos governos estadual e federal, não contou seus planos para o desenvolvimento da cidade, sua querida Irecê, como tratava.
Por volta das 19h30min, seguiram o rito mantido há anos, se despediram e prometeram retomar a discussão dos assuntos na tarde seguinte. Diante do clima de velório visível na figura do prefeito, os convivas se dirigiram às suas residências sem tocar no assunto. Nem precisavam, pois a sentença lavrada pelo juiz de Direito ganhara os quatro cantos de Irecê.
Para o prefeito a retumbante vitória na ação que se arrastava há anos, agora resolvida, seriam favas contadas. E foi o próprio alcaide quem sugeriu ao juiz que desse uma atenção especial ao processo que dormitava nos arquivos do cartório. Com toda a dedicação, o juiz Érito Machado examinou o processo e fez a justiça conforme demonstravam os fatos nos autos do processo.
Ao terminar de contar a história, o nosso professor Érito Machado dava uma verdadeira lição aos seus alunos e amigos. “O direito é pra ser concedida a quem o possui, não pode ser dado por amizade ou vendido a troco de dinheiro ou benesses. No dia seguinte, voltei à casa do prefeito, que já parecia refeito do trauma, conversamos como sempre e bebemos o nosso whisky à vontade”, finalizou a história.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.