Por José Sergio Gabrielli de Azevedo
Começo pedindo desculpas pela extensão do texto e por sua complexidade. Pretendo abordar, de forma sintética, as questões específicas do processo que resultou na cassação da minha aposentadoria de professor da UFBa, – depois de 36 anos e dois meses de vínculos, – pela CGU, em temas referentes a negociações da aquisição de Pasadena no âmbito da empresa Petrobras, nos anos 2006-2009.
As acusações ao ex-presidente da Petrobras aceitas pela CGU e punidas com a cassação da aposentadoria do professor da UFBa são as seguintes:
- Omitiu do Conselho de Administração da Petrobras informações sobre a avaliação econômica/financeira referente à refinaria de Pasadena, atuando, desse modo, em desacordo com as normas internas da Empresa c contra os interesses da companhia.
- Deu causa a prejuízo estimado pelo Tribunal de Contas da União em US$ 79.890.000,00, por uma pretensa diferença entre o pagamento do Settlement Agreement , acordo extrajudicial assinado em junho de 2012 e um valor calculado para valor da refinaria.
- Permitiu que a Petrobras America – PAI emitisse a carta de 30 de setembro de 2007, ofertando, pelos 50% remanescentes do negócio referente à refinaria de PASADENA, valores superiores àqueles que decorreriam da aplicação dos mecanismos de definição do preço de transferência das ações constantes do acordo de acionistas e acima daqueles estimados por consultoria especializada contratada pela Petrobras para avaliar o preço do negócio.
Todas estas acusações referem-se a decisões de negócios, no âmbito de uma empresa submetidas às leis que regulam as Sociedades Anônimas, mas a punição é enquadrada como infringência do Regime Jurídico Único (RJU), que regula os servidores públicos como os professores universitários.
No mérito, em resolução final, a Comissão Investigadora da CGU decidiu que as acusações 1 e 3 deveriam ser arquivadas pelo prazo prescricional e por serem consideradas quebras de normas, sem provocar prejuízos à Petrobras.
O conceito de prescrição adotado pela CGU foi do seu “conhecimento” dos fatos, – em 2014, por início de investigações no TCU e pela imprensa, – mesmo que os atos tenham ocorrido entre 2006 e 2008 e o acusado tivesse saído da Petrobras desde fevereiro de 2012.
Não vou abordar aqui, portanto, as alegadas falhas de conduta referidas aos pontos 1 e 3, concentrando-me nas alegações do ponto dois.
Como diz a minha defesa, apresentada pelo escritório Perilo Teixeira& Advogados Associados, desconsiderada pela CGU,
“a conduta que se imputa a Sérgio Gabrielli é a culpa pelo fato de que um ato comissivo seu (autorizar o Diretor da Área internacional a negociar um contrato) teria conduzido a prejuízos que ele não intencionava causar por meio dessa suposta nomeação. “
Em primeiro lugar, é definido pelo Estatuto da Petrobras que é responsabilidade de cada diretor conduzir os negócios nas suas áreas de atividade, cabendo ao Presidente apenas a supervisão geral, com a coordenação das atividades dos vários diretores. Não compete ao Presidente a supervisão de cada detalhe das ações dos diretores, no que se refere aos negócios específicos de sua área. Nos negócios internacionais, sem que haja uma autorização do Presidente para a condução das negociações, é estatutária a responsabilidade do Diretor Internacional.
A CGU utiliza um acordão preliminar do TCU, ainda sem conclusão final, como prova da acusação 2, que fundamenta a cassação da aposentadoria do professor. Há vários problemas técnicos, discutidos na defesa que aqui serão apenas mencionados.
As acusações no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), ainda sem conclusões definitivas, referem-se a conceitos amplos de diferenças entre o que o TCU considera como o “valor justo” e o que foi efetivamente pago. As metodologias são um dos focos principais das controvérsias, ainda não solucionadas no seio do próprio TCU.
As acusações no âmbito da Controladoria Geral da União (CGU) procuram individualizar as condutas e analisar os componentes subjetivos das mesmas. Neste caso, as decisões da CGU revelam um elevado grau de pré-concepções e incompreensões fáticas dos elementos constituintes das imputações.
Diz mais a defesa que a acusação se refere a uma conduta omissiva na supervisão dos que conduziram as negociações de Pasadena, permitindo comportamentos além do permitido pelas normas internas, e ao mesmo tempo ter sido omisso na fixação do valor das ofertas que teriam levado ao suposto prejuízo imputado à negociação. Pergunta então a defesa:
“Como é possível que a mesma pessoa seja acusada de falta de supervisão e de exercício equivocado de supervisão, com relação ao mesmo caso? Um acusado precisa defender-se de uma acusação, e não de uma descrição genérica de fatos que não configura uma acusação precisa […]”
Na discussão do mérito da imputação 2 da CGU, a defesa arguiu que a nomeação do negociador não foi feita, como diz a acusação, pelo Presidente da Petrobras, mas sim foi resultado das normas internas da empresa que atribuem esta responsabilidade ao Diretor respectivo dos negócios internacionais. Não houve portanto, ato de nomeação do Diretor que conduziu as negociações que supostamente deram o referido prejuízo, a partir de uma Carta de Intenções enviada pelo referido diretor aos vendedores da refinaria americana, sem caráter vinculante, que segundo a CGU, – induzida por equívocos do documento utilizado do TCU, – teria provocado o referido “prejuízo”.
Como diz a defesa, esta carta nunca teve validade jurídica, conforme reconhecido pela própria Justiça Americana e, de acordo com a Equipe de Inspeção do TCU, que realizou o Relatório de Auditoria, que assim conclui sua análise sobre a questão do suposto prejuízo indicado na Conduta 2:
“Portanto, não há elementos que indiquem que o valor fixado no acordo extrajudicial tenha sido superestimado, ao mesmo tempo em que a decisão de celebrar o ajuste pelos administradores, ao menos, foi cercada de análises técnicas e jurídicas suficientes para embasar a decisão.Concluindo, nada obstante a atitude tomada pelo Sr. Nestor Cervero, ao que tudo indica sem autorização expressa do Conselho de Administração da Petrobras, considera-se não ser o caso de se imputar responsabilidade ao agente em razão do cometimento de um ato isolado que, por si só, não gerou prejuízo financeiro direto à Petrobras.”
A acusação número 2, que fundamenta a cassação da aposentadoria do professor, se baseia em um suposto “prejuízo estimado pelo Tribunal de Contas da União em US$ 79.890.000,00”. A defesa arguiu explicitamente
“O que não se pode admitir é que Sérgio Gabrielli seja responsabilizado por prejuízos causados pela ação judicial que pediu a execução da Letter of intent, pelo simples motivo que a Petrobras nunca pagou à Transcor um centavo sequer em virtude dessa ação.”
Os acordos extrajudiciais firmados, que equivocadamente foram considerados pelo TCU como causadores de prejuízos para a Petrobras, foram assinados em julho de 2012, DEPOIS da saída do acusado da empresa, que ocorreu em fevereiro de 2012. Mesmo assim, a CGU quer cassar a aposentadoria do professor.
Como também argumenta a defesa nos autos do processo da CGU, durante o período que o Presidente Gabrielli esteve na Petrobras as decisões foram de disputas judiciais e arbitrais, que abriram a possibilidade do Settlement Agreement, assinado DEPOIS da saída do mesmo da companhia. Como diz a defesa :
“Se a ação judicial voltada ao cumprimento da Letter of Intent teve alguma influência no andamento das negociações, não foi para inflar os valores do Settlement Agreement. O resultado foi justamente o oposto: a decisão judicial favorável à Petrobras foi que abriu espaço para efetivas negociações com a Transcor, vez que ela não deixou de contar com a perspectiva de obter judicialmente a execução de uma carta que o Judiciário dos EUA reconheceu que nunca teve qualquer caráter vinculante. Somente o reconhecimento desse fato permite explicar adequadamente o Settlement Agreement, no qual o pagamento pelo encerramento das demandas judiciais tinha um valor correspondente a outras demandas judiciais, que nada tinham a ver com a letter of intent nem com as questões que haviam sido definidas pela sentença arbitral. Não deve causar espanto que, uma vez julgada improcedente a ação sobre a LOI, a Transcor aceitou o acordo bastante razoável feito no Settlement Agreement.”
Para concluir, as acusações da conduta 2 mencionadas nas imputações da CGU não encontram fundamentos nos fatos e baseiam-se fortemente em documentos, ainda sob contestação técnica no âmbito do TCU, por envolverem complexas questões de negociação econômica e decisões empresariais, onde a assunção de risco, é um dever do administrador, enquanto para o servidor público submetido ao RJU a minimização dos riscos deve ser a norma geral de comportamento.
O Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) da CGU pode ser legal, mas é excepcional, pois não ocorreu no órgão original da aposentadoria, – a UFba, – sendo avocado para um órgão Geral da União. Neste sentido, as influências políticas sobre o órgão e a perseguição ao acusado são notórias.
As discussões sobre o assunto vão continuar no âmbito das ações judiciais que vou impetrar na defesa dos meus direitos de cidadão, em defesa da minha única fonte de renda neste momento.