Funcionários do trade turístico que moram distante do local de trabalho começam a ser demitidos por falta de transporte público para levá-los de volta para casa, especialmente no turno da noite. Desempregados não conseguem se deslocar para a região central da cidade durante o dia em busca de novas oportunidades de emprego. Estudantes da rede estadual que já deveriam ter retornado às aulas presenciais estão sem frequentar as escolas por que o término das atividades não coincide com a escala de horários estabelecida pelas empresas. Moradores da zona rural chegam a pagar aos finais de semana 200 reais de frete em carros particulares para escoar a sua produção agrícola para a cidade.
“A gente perdeu até o direito de ficar doente em determinados horários”, lamenta o cacique Bonisson Amaral Souza, líder tupinambá da aldeia Abaeté. O deficiente sistema de transporte público mexe com a economia da cidade e prejudica os usuários, especialmente os que moram mais distantes, que não têm muitas alternativas de transporte público. As queixas foram feitas hoje (16) durante mais uma Audiência Pública realizada pela Comissão de Transporte e Trânsito da Câmara de Vereadores de Ilhéus, que contou com diversas representações populares.
Solução
Elas foram ao Palácio Teodolindo Ferreira, sede do Legislativo, em busca de uma solução para a crise e dispostas a ouvir o que tinha a dizer o novo diretor da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (Sutrans), Valci Serpa. No entanto, o representante da Prefeitura não compareceu à audiência e nem justificou a ausência. “Se não houver uma solução urgente devemos romper o contrato com estas empresas e procurar novas parcerias que respeitem a legislação”, protestou o vereador Cláudio Magalhães (PCdoB).
Uma das decisões tomadas na Audiência é a realização de um manifesto público pelas ruas de Ilhéus, no próximo dia 28, com a participação de mototaxistas, taxistas, trabalhadores, donos de vans e motoristas de aplicativos, exigindo do governo municipal uma solução para o problema. O local de concentração e o horário serão divulgados posteriormente. Há mais de 20 anos detentoras da concessão pública, as duas empresas que operam na cidade já vinham sofrendo críticas dos usuários. Com a pandemia e a necessidade de redução da frota nas ruas, o serviço piorou e nem a decisão da Prefeitura pelo retorno de 100 por cento da frota foi obedecida.
Regulamentação
Durante a audiência também se discutiu a necessidade de regulamentar outros serviços já prestados à população, a exemplo do transporte alternativo. Hoje circulam pela cidade, cerca de 300 veículos particulares prestando o serviço de forma ilegal. Paralelamente, cerca de 1.500 motoboys também atuam prestando o serviço e os aplicativos, especialmente o Uber e o 99, reúnem aproximadamente 3 mil motoristas circulando nas ruas de Ilhéus. “É preciso tirar essas pessoas, muitas delas, da clandestinidade. E isso só faremos quando houver regulamentação e todos tiverem em condições de igualdade de atender e de competir no mercado”, destacou o presidente da comissão, vereador Augusto Cardoso, o Augustão (PT). “O momento é delicado e é preciso buscar o entendimento por que a população não pode ser prejudicada”, reforça o vereador Ivo Evangelista (Republicanos). A sessão contou ainda com a participação dos vereadores Baiano do Amendoim (PSDB) e Sérgio do Amparo (Podemos) que se posicionaram em defesa da luta da população.
A vereadora Enilda Mendonça (PT) lembra que nos próximos dias a situação tende a piorar. As escolas estaduais já retornaram às aulas presenciais e as da rede municipal passarão a ser híbridas a partir de segunda-feira. “Isso representa um crescimento significativo no fluxo de usuários do sistema”, assegura a parlamentar. Para Osman Nogueira, presidente da APPI/APLB, a situação também atingirá os trabalhadores da educação. “O que, de fato, não há, é vontade política para resolver a situação”, lamentou, acrescentando que o deslocamento dos trabalhadores para as escolas estará comprometido. “É preciso pontuar para não dizer depois que foi pego de surpresa”, completou.
Especialista em mobilidade, a professora Peola Paula Stein destaca que apesar das significativas mudanças estruturantes que a cidade vivenciou nos últimos anos, o funcionamento do sistema não foi repensado, ficou parado no tempo. “A prioridade do sistema deveria estar voltada para a população que está mais distante do centro, pois que está na área mais central conta com outras opções, a exemplo do taxi, motos, aplicativos e outras alternativas”, destacou. Há sete meses a Comissão Permanente de Transporte e Trânsito da Câmara vem debatendo a crise no setor. Sem uma decisão prática da Prefeitura sobre a melhoria do serviço, o convite agora é sair do plenário da Câmara e ganhar as ruas para pedir uma solução para a crise.