O “Auxílio Recomeço”, projeto do Executivo de Itabuna, que concede R$ um cartão no valor de R$ 3 mil para vítimas das enchentes, continua dando o que falar. Sete listas já saíram e 1.648 pessoas haviam sido contempladas até a noite de ontem (03), mas muitos que foram cadastrados ainda temem não serem convocados para receber o benefício, que dá direito à compra de móveis, eletrodomésticos e materiais de construção.

Recentemente, moradores do bairro Urbis IV, um dos mais atingidos pelos temporais em dezembro, expuseram ao O Trombone seus temores e insegurança quanto ao recebimento do auxílio (Relembrar). E alguns dias e listas depois, eles voltaram a expressar sua indignação quanto à demora e incerteza da inclusão do nome na relação de contemplados.

O “Auxílio Recomeço” é no valor de R$ 3 mil para cada família contemplada

E o pior: segundo uma moradora, que preferiu não se identificar, muitos que fizeram o cadastro junto aos agentes de saúde, não aparecem no sistema da Assistência Social como cadastrados e aptos a serem beneficiados pelo projeto.
A dona de casa contou que havia feito um cadastro com a agente de saúde. Devido à demora, resolveu ir na Secretaria de Assistência Social para buscar esclarecimentos e qual não foi sua surpresa ao ser informada  de que seu nome não constava no cadastro e que ela teria que fazer um novo e aguardar a visita de uma equipe da pasta.

“Ela [funcionária] disse que está havendo fraudes e que, por isso, foi necessário realizar o novo cadastro. Só falaram isso e que logo vão mandar alguém para fazer as visitas. Agora é orar e ter esperança para que venham mesmo”, contou a mulher à nossa reportagem.

 

Desorganização

Outra moradora também falou sobre a demora e disse que até a polícia teve que ser acionada na fase dos cadastros, para que a agente de saúde registrasse os dados dos habitantes do caminho 16, onde mora. “Porque ela não queria fazer. Após a polícia vir e amenizar a situação, a agente começou a passar nas casas e fazer os nossos cadastros. Depois disso, nossos cadastros sumiram e a gente não tinha mais notícias. Foi aí que uma representante da prefeitura, do serviço social, chegou até aqui, fez uma reunião e disse que tinha os cadastros de todo mundo”, lembrou.

O bairro Urbis IV logo após a enchente

De acordo com a mulher, a assistente social passou em todas as casas. “Agora estão dizendo que muitos moradores da nossa rua não têm o número da casa, não existe, não foi visitado, não está com os dados constando. Uma bagunça, uma desorganização”, disparou a mulher, que também preferiu não se identificar, com medo de represálias.

A moça chegou a denunciar, na quarta-feira (02), numa rádio AM, o que ela chamou de descaso por parte da prefeitura. Uma carta aberta também denunciando a situação e assinada pela comunidade do bairro Urbis IV,  viralizou nas redes sociais.

Na noite de ontem (3), uma nova lista foi divulgada e nela constavam nomes de vários moradores do caminho 16, justamente onde nossa entrevistada mora. Embora, dessa via, só faltem quatro pessoas, ela diz que não vai parar de lutar, porque mais de 200 moradores foram atingidos pela enchente e faltam muitos ainda para serem beneficiados. Uma outra lista com contemplados do caminho 17 sairia nesta sexta, segundo ela disse ter sido informada.

“O Urbis IV foi alagado do caminho 2 até o 19, isso sem falar das ruas. Porque aqui é composto de caminhos, é um complexo habitacional e os nomes aqui são caminhos, mas a gente também tem nome de ruas, esse número de 204 famílias é uma base por caminho, isso aí não entra a rua principal, que é a rua A, a rua B e outras duas ruas adjacentes que possuem nomes. Eu fui contemplada, minha família também foi, só que eu vou continuar lutando pelo pessoal da minha comunidade, porque muita gente ainda não foi contemplada”, afirmou.

Esse mesmo caminho 16 já foi palco de outros alagamentos, por conta de uma boca de lobo. “Nós já somos acometidos por enchentes há muitos anos. Então, essa última enchente foi do rio, mas aqui a gente já vivenciou enchentes de chuva porque existe uma boca de lobo que há anos a gente pede que feche e ninguém dá conta de fechar, ou de melhorar, ou de fazer alguma coisa”.

 

Dignidade

A moradora relata que os moradores da sua rua perderam praticamente tudo. A casa dela, por exemplo, entrou água até o teto. “Eu sei que meus vizinhos perderam tudo, porque a gente está aqui, estamos nos abraçando, a gente está vivendo o mesmos caos. Perdi sofá, perdi fogão, perdi rack, televisão, três guarda-roupas, camas, mesa, pertences. Agora estão querendo tirar até nossa dignidade”, emocionou-se.

A moradora denunciou que tem provas de pessoas que não tiveram suas casas invadidas pela água e que já foram contempladas, enquanto outras ainda estão na espera. Ela cita como exemplo o caso da vizinha, que perdeu a casa, após o muro desabar. O imóvel teria sido, inclusive, condenado pela Defesa Civil.

“Eu ganhei uma cama, tem gente que não ganhou uma cama ainda. Eu ganhei duas portas, tem gente que não ganhou duas portas. A minha irmã ganhou tinta e massa corrida, mas muita gente não ganhou ainda. A minha mãe e a minha irmã estão dormindo numa casa ali em cima, de aluguel, paga por meus familiares. Mas tem gente que precisou voltar para dentro de suas casas, praticamente caindo aos pedaços. A gente precisou gritar para ser escutado. Hoje eu precisei ir para rádio, me expor, liberar uma carta escrita da comunidade para prefeitura. Fomos contemplados, mas paz de espírito só para mim? E para minha comunidade? E o povo que chorou junto comigo?”, dispara a moradora.

 

Outro lado

Nossa reportagem entrou em contato com a Secretaria de Assistência Social e foi informado que a assessoria enviaria uma nota sobre o assunto. Entretanto, até o fechamento dessa matéria não havíamos recebido resposta alguma.