Por Walmir Rosário
Quem foi rei nunca perde a majestade! E esse ditado popular é por demais verídico, tanto na imaginação quanto na vida real. Exemplos nos saltam aos olhos a todos os momentos que vislumbramos uma figura portadora de “sangue azul”, mesmo na imaginação. Mesmo os que já perderam o reino e a coroa continuam ostentando a condição anterior, haja vista Dom Pedro II, exilado em Paris, que até na sua morte recebeu todas as homenagens.
Mas aqui não bisbilhotarei – garanto – a vida dos nossos monarcas vivos e mortos, e sim contar como foi instituído título nobiliárquico de tamanha magnitude no Beco do Fuxico, local em que transita a alta flor da mais fina boemia de Itabuna. E digo mais, não tivemos um só rei, mas dois. E isso porque um deles, o inicialmente escolhido não aceitou o encargo de ostentar a coroa real e abdicou do trono. Quer dizer, não foi bem abdicar.
Numa daquelas tardes conhecidas por sexta-feira, em que todos caminham em direção aos bares para aliviarem as tensões do dia ou dias da semana, eis que os frequentadores do Beco do Fuxico recebem uma notícia bombástica. E foi um momento de grande emoção, pois um grupo de frequentadores se reúnem para criar a Lavagem do Beco do Fuxico. E pra já, a uma semana antes do Carnaval.
E eles eram liderados pelo engenheiro Roberto Carlos Godygrover Bezerra (Malaca), de Salvador, que conseguiu convencer seu amigo Bel Moreira, que dava expediente no Beco do Fuxico. Malaca não se conformava de que um Beco como o Maria da Paz, era alvo de uma promoção de alto nível, sendo lavado para o Carnaval, como era que o de Itabuna, sede de tanto botecos deixava uma data momesca passar em brancas nuvens? Inconcebível!
E enquanto os detalhes eram pensados e planejados entre uma cerveja altamente gelada e uma cachaça com folha de figo no bar de Batutinha, a lavagem do Beco do Fuxico ia sendo colocada no papel. Ao final, faltava apenas um comandante para a lavagem, que não seria o Rei Momo, monarca de outras ocupações, ligada ao poder público. Tinha que ser um rei daqueles reais, saído do próprio ambiente, gente do Beco do Fuxico.
E não deu outra, o personagem escolhido foi o Caboclo Alencar, diretor do ABC da Noite há décadas, educando os novos alunos e toda a turma repetente, por anos a fio. E foi aprovado por unanimidade. Assim que comunicado da honraria, Caboclo Alencar não topou o encargo. Se mesmo sem querer já era chamado de rei das batidas, como faria para dar conta de um novo reino. Era muita coroa para um só rei.
E com toda a inteligência que Deus lhe deu, o Caboclo indicou o seu substituto, ali presente e que participou de todo o planejamento da promoção para a Lavagem, por ser um dos frequentadores mais antigos e assíduos frequentadores. Pessoa de bem, amigos de todos, boêmio com assento em diversos botequins de Itabuna e redondezas. Não teria nenhuma oposição à coroação de José Emmanoel de Aquino, melhor dizendo, Cambão, apelido que o nomeava desde a adolescência.
Nunca um grave problema como esse, que envolvia um cobiçado reinado foi resolvido em minutos, sem ameaças de invasões e guerras, indicações ou eleições. Cambão sempre foi uma pessoa que gozou e goza de prestígio em toda a sociedade itabunense, da pessoa mais simples ao alto escalão da política, economia, e que circulava com desenvoltura por todos os recantos da boemia.
Rei abdicado, rei posto, com direito a desfile em todo o Beco do Fuxico e circunvizinhanças, em traje de gala e coroa na cabeça, ainda mais com a indicação do professor Alencar Pereira da Silveira. Daqui pra frente bastava Cambão ir ao alfaiate tirar as medidas e colocar o traje real, circulando com toda a majestade entre os súditos na primeira notória lavagem de Itabuna.
A notícia da lavagem do Beco do Fuxico e a escolha real correu como rastilho de pólvora em toda a cidade, noticiada em rádios e jornais, com direito a uma notinha nas emissoras televisivas de Salvador. A festa, entretanto, esbarrou junto ao poder público municipal, que argumentou falta de tempo e orçamento para incluir a nova lavagem na programação do governo municipal.
Mais aí é que o engenheiro Malaca salva a lavagem ao disponibilizar um trailer de sua empresa, equipamento de aspergir betume no asfaltamento da construção das casas da Urbis (hoje Jardim Primavera). A lavagem estava garantida até as mangueiras estourarem, o que não prejudicou a festa que continuou até o último frequentador teve forças para sambar e beber.
Com a “prefeiturização” da festa, Cambão (José Emmanoel de Aquino) abdicou do cargo de Rei do Beco do Fuxico, mas a lavagem continuou sendo aberta pelos blocos Maria Rosa, Casados I…Responsáveis, Mendigos de Gravata, dentre outros. Hoje, a lavagem do Beco do Fuxico está totalmente descaracterizada da proposta inicial e é praticamente a festa do Carnaval de Itabuna.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado