Domingos Matos
Todos sabem que sou de esquerda. Pelo menos, todos os que se ligam nisso sabem. Também, todos que me acompanham aqui no blog sabem que sou jornalista desde o fim da década de 1990 (comecei em 97, como estagiário no A Região, onde fiquei até 2002). O PT, todos também o sabem, está propondo, não mais como uma possibilidade ou um desejo, mas como uma diretriz de partido, um marco regulatório para a imprensa. Não há como não se incomodar com isso, mesmo sendo militante, claro.
Muitas vezes, os exageros de minha classe profissional e das empresas da área justificariam até medidas mais duras. Mas, num país diferente, talvez numa democracia como a da Venezuela. Não precisamos de muitos argumentos para nos posicionar contra essa proposta: a liberdade de imprensa possibilitou inúmeros ganhos para toda a sociedade. É claro que o movimento inverso vai resultar em muitas perdas. É simples.
Sempre me encantaram o jornalismo político e o de serviço. Conseguir dizer claramente para a sociedade o que está por detrás das inocentes medidas dos homens públicos, ou denunciar as mazelas enfrentadas pela gente sem voz da periferia, que dorme em filas de postos de saúde para conseguir uma ficha para um exame que não vai fazer se não subornar alguém, para mim tem o efeito psicológico de um orgasmo. É a realização máxima, que não gostaria de ver interrompida por um marco regulatório que, quem sabe, possa proibir até as preliminares e o próprio coito em si, pra ficar nessa metáfora sexual.
Mas não quero falar de mim, nem de minhas preferências políticas, que aqui aparecem apenas como pano de fundo para justificar a coerência profissional pelo posionamento contrário à proposta petista. Porém, antes de penetrar no outro assunto, um adendo: como militante, minha percepção das coisas erradas que ocorrem dentro do campo em que milito é prejudicada? Não. Vejo tudo, reporto, e abro espaço para outros reportarem e analisarem. Aqui mesmo, vocês podem encontrar críticas aos nossos dirigentes, inclusive essa que o caro leitor degusta agora.
O que queria falar, desde o início, é do primeiro posicionamento político de um partido aliado do PT – tão importante dentro da aliança que ocupa a Vice-Presidência – que se levantou contra a proposta de regulação da mídia. O PMDB, por meio do deputado Lúcio Vieira Lima, ergueu a voz. O que isso significa?
Primeiro, que o PMDB está cada vez mais voltando ao seu papel histórico de protagonista dos desígnios da boa política e da democracia no Brasil. Está conseguindo – aos poucos, é certo – se livrar da pecha de partido rei do fisiologismo, que adquiriu por méritos próprios depois da redemocratização do país e da morte de Ulisses Guimarães.
Significa também, por outro lado, que essa mudança não é algo mágico nem vem de cima para baixo. Vem da base, que é quem está mais próximo da realidade, ouve o diapasão da sociedade. A mudança no PMDB está refletindo a mudança da sociedade, que está cada vez mais voltando à sua característica participativa e menos tolerante com a prática de que o partido era ícone.
Nesse sentido, destaco um teórico peemedebista que está sacudindo o partido em Itabuna. Juvenal Maynart se vale de um estudo que desenvolve para sua tese de mestrado em Desenvolvimento Regional para entender essa mudança da sociedade e sugerir sua aplicação à prática política do dia-a-dia. Uma de suas frases preferidas diz que o grande problema da política é que ela se distanciou demais da realidade social. Essa ruptura, superado o caos, permitirá uma mudança de paradigmas: o mundo político terá que se aproximar do mundo social, ouvi-lo, representá-lo efetivamente. Será a redenção da política, em sentido amplo. Exemplos? Egito, Líbia…
Nota-se, ainda que processo tenha começado há tão pouco tempo, uma proximidade entre os discursos da base e o das lideranças do PMDB. Não se tome por surpresa a inclusão na plataforma do deputado Lúcio Vieira Lima o tema do meio-ambiente, através da defesa do sistema cacau-cabruca no processo de créditos de carbono, a partir do município de Barro Preto (Município Cacau-Cabruca), e a implantação do PMDB Verde, na Bahia. Nada mais é do que a retomada, pelo PMDB, da ligação entre os dois mundos de que fala Juvenal Maynart.
Em Barro Preto, o que está a ocorrer é a união de forças entre o agente público (prefeitura), o órgão técnico (a Ceplac) e a iniciativa privada (Almirante Cacau), tudo catalisado pela ação política. O que Juvenal tem feito no diretório do PMDB em Itabuna tem como se espalhar pelo resto do país? Sim, tem. Seria feito a partir de um trabalho de formação política, com propósito de aproximar os mundos político e social sem deixar de exercer a política como meio de transformação da vida das pessoas. Na verdade, parece que o processo já foi disparado.
Algumas – muitas – baixas seriam necessárias nos quadros do partido, mas o resultado seria algo muito grandioso para esse que já foi o maior defensor da democracia no país. E que reafirma a intenção de retomar essa condição ao enfrentar a tese petista de regulação da imprensa. A ação é de Lúcio, não há dúvidas. Mas é reconfortante saber que está em total sintonia com a base e, mais do que isso, em sintonia com a sociedade.
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Domingos Matos é editor de O Trombone, do jornal Agora e do blog Agora na Rede