Quando o tema se esgota em si mesmo, um rodapé pode definir tudo e ir um pouco além.
Adylson Machado
Moralidade
O Presidente da Câmara, Ruy Machado, causou espécie quando se anunciou arauto da moralidade caso confirmado na Chefia do Poder Legislativo local. As primeiras medidas causam surpresa, justamente por se materializarem no âmbito da tão decantada moralidade administrativa: cancelamento de contas de celulares de vereadores a soldo do dinheiro do povo e da terceirização dos serviços. Grata surpresa.
Aguarda-se apurar as denúncias de abusos na utilização de empréstimos consignados por membros da Casa e de comissionados dividindo o contracheque com alguns vereadores.
Globo X Record
Uma singela contribuição do Judiciário à disputa, nada favorável à Platinada: Edir Macedo, dono da Record, acionado pela Procuradoria da República em razão da fonte de recursos que alimentou a aquisição da rede, acaba de ser beneficiado por decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal de São Paulo, reconhecendo ser ele o efetivo proprietário da Record e legitima a fonte dos recursos para a aquisição – os templos da IURD, imunes de tributação.
Como a Globo não tem nenhuma igreja, a concorrência vai ficar difícil. A Record – com fonte inesgotável; a Globo dependendo de patrocinadores públicos e privados.
Se o Governo Federal resolver economizar em publicidade televisiva…
Jogo sujo!
Nesta sexta-feira a edição do Jornal Nacional, focando a reunião ministerial que discutia ajuda para as regiões atingidas, mostrava a Presidente e Ministros rindo. Todos sabemos que essas reuniões são realizadas sem a presença de fotógrafos, cabendo fotos antes de iniciadas, em momento descontraído.
Editar o noticiário, quando tratando da tragédia serrano-fluminense, com esse momento de descontração – dando a entender que Dilma ria da tragédia – não fosse desumano e anticristão e não bastasse a audiência (onde não está só) sobre os escombros da miséria alheia foi de uma crueldade irresponsável.
A má-fé é tamanha que dispunha de uma imagem da Presidente discutindo soluções para a tragédia (à direita) – compatível com o conteúdo da matéria jornalística – e não se dignou publicá-la, preferindo manipular com as imagens que antecederam a reunião ministerial.
Dá mostras a que veio. É o sinal! Uma evidência do que pretende o jornalismo da Globo.
Um outro lado I
A cada tragédia – como a recente na região serrano-fluminense – traz à tona uma eterna discussão, mais centrada na ausência de planejamento e de recursos governamentais. Quando a tragédia atinge favelados, o moto perpetuo basta. Não trazem à baila, no entanto, uma postura idêntica, nascida dos mais abastados: uns e outros ocupam áreas que se tornam de risco, que deveriam estar protegidas.
Os primeiros (despossuídos) o fazem premidos pela circunstância de encontrar um local para construir um teto. Os demais, com apoio do Poder Público na maioria das vezes, para paradisiar a vida.
Um outro lado II
À margem desse viés, não tem merecido a devida repercussão o desvio do rio Carvão, nos limites do distrito de Itaipava, em Petrópolis-RJ, certamente causa de ampliação da tragédia, uma vez que a ação humana aumentou a velocidade das águas. Denuncia a artista plástica e advogada Bia Garcez, em www.tribunadaimprensa.com.br neste 14 de janeiro, que o Carvão “teve seu curso desviado dentro da propriedade do nosso vizinho e presidente da Associação dos “Amigos” de Santa Monica , que se declara à imprensa como protetor do meio ambiente e que faz parte da turma que idealizou e está construindo o ‘Parque da Orla do Piabanha’ com recursos públicos que deveriam estar sendo aplicados na prevenção de enchentes e limpeza e desassoreamento dos rios, contenção de encostas, calçamento de ruas, coleta de lixo e outros serviços a que fazem jus os contribuintes e a população em geral”.
Como se vê, amigos poderosos sempre encontram dinheiro público. Até a Natureza reagir!
A Globo de barriga cheia
A pérola abaixo, extraída do Blog do Garotinho em http://www.conversaafiada.com.br de 13 de janeiro, mostra quão canhestro é o jornalismo do PiG, capitaneado pelo sistema Globo. Recursos, na ordem de 24 milhões, do Estado do Rio de Janeiro destinados a “obras de contenção de encostas, dragagem de rios, prevenção de enchentes”, foram desviados/transferidos para a Fundação Roberto Marinho que pretende construir o Museu do Amanhã no Cais do Porto. E há, ainda, mais 106 milhões da Prefeitura do Rio.
Dispensados os comentários, que o leitor busque mais detalhes porque por aqui nos basta e nos enoja.
Cinema
Acompanhamos em Ilhéus, de 9 a 14, o 1º Festival de Cinema Baiano, destacando diversas mostras – Atualidades, Retrospectiva, Sexualidades, Competitiva de Curtas, Paralela – bate-papos e oficinas, sob coordenadoria Geral de Cristiane Santana, cabendo as Curadorias a Joel de Almeida e Lúcio Mendes (para Curtas) e Renata Hasselman (Longa-metragem), realização do Núcleo de Produções Artísticas (NUPROART) e da Panorâmica Produções.
Exibidos 11 dos 12 curtas programados na Competitiva e premiado “Doido Lelé”, em votação popular.
Cinema: algumas considerações particulares
Teremos oportunidade de nos debruçar, de forma pormenorizada sobre os filmes “Cascalho”, “Pau Brasil”, “Esses Moços”, “Cantador de Chula” em futuras oportunidades. Por enquanto alguns rodapés:
1. A Mostra Restrospectiva trouxe pérolas como “Redenção” (1959) e “Césio 137, o Pesadelo de Goiânia” (1990), de Roberto Pires, “Superoutro” (1989), de Edgar Navarro e ainda “Meteorango Kid, Herói Intergalático” (1969), de André Luiz Oliveira – para nós, apesar da fama, muito desperdício de celulose, uma vez que alcançaria o mesmo resultado com a metade da projeção.
2. Pensou Giuseppe Tornatore estar registrando o obituário das salas de cinema e mesmo da indústria cinematográfica, com “Cinema Paradiso”. Não se pode negar essa inspiração no documentário “Pornográphico”, belo trabalho de Paula Gomes (foto) e Haroldo Borges, um argumento que justifica um longa.
Paula Gomes também assina “Profissão Palhaço” (2009), um resgate da memória circense, tematizado na sobrevivência do circo tradicional focado nos mambembes.
3. Dentre os curtas, “Mr. Abrakadabra” (1996), de José Araripe Jr, nos deixou encantado não só por sua inspiração chapliniana, mas por vermos nele a mesma dimensão, com outra resolução (o menino em vez do cão) do belo e pungente “Umberto D.” (1952), obra-prima de Vittorio De Sica.
4. Ainda no universo dos curtas exibidos destacamos “29 Polegadas” (2004), de Bernard Attal e Joselito Crispim, “10 Centavos” (2007), de César Fernando de Oliveira e “Doido Lelé” (2009), de Ceci Alves – o preferido do público.
Edgard Navarro
O cineasta do premiado “Eu Me Lembro” (2005) – finalizando “O Homem Que Não Dormia” (Ramon Vane atua) – veio à mostra Retrospectiva com “Superoutro”. As idiossincrasias autorais – Navarro é um autor e o cinema a sua (auto)expressão – transitam pelo sonho na contraditória visão de um louco que perambula pelas ruas de Salvador, frustrada até no instante em que ensaia um salto para a leveza do voar e é mais uma vez vítima da repressão que o acompanha cotidianamente.
Edgard exercita a imaginação em cenas antológicas, como a masturbação do personagem diante de um televisor em exposição na loja de eletrodomésticos sintonizado no televisivo “Tudo Por Dinheiro” e estraçalha estereótipos históricos, religiosos e sociais.
Tuna Espinheira
O conceituado documentarista baiano assina seu primeiro longa metragem, “Cascalho” (2004), inspirado na obra homônima de Herberto Sales, locado na Chapada Diamantina e Andaraí como o centro urbano. O poder provinciano na República Velha, com suas crises e superações – ainda que sob a égide da trapaça, tendo por fundo o dinheiro público (aspecto sempre atual) – abordado na força de personagens e com um desfecho inusitado em relação à obra, mas que bem reflete a percepção autoral. A universalidade da obra reside na perspectiva de esperança do explorado, submisso ao opressor, como metáfora das relações capital-trabalho, mercado e poder, hoje mais estilizadas, mas padecendo das mesmas mazelas.
Tuna nos revelou estar finalizando um documentário sobre Anísio Teixeira e pensa em outro em torno de Carlos Marighela.
Fernando Bélens
Trazendo também seu primeiro longa, Fernando Bélens brindou o público com uma pérola de trabalho, de forte componente psicológico. O ethos da Humanidade sob a metáfora perseguida pelo cineasta pode muito bem ser resumida numa das cenas mais marcantes, quando o pai repressor exige da filha vocacionada à clarissa que chicoteie a irmã que luta para fugir ao círculo em que vive, em típica aliança sacro-profana para realizar o martírio que nos parece amparado em arquétipo presente em Sade, de Justine, não fora o poder repressor aliciando adeptos nos estamentos mais díspares. A mais bela descoberta cinematográfica que particularmente tivemos no conjunto de longas exibidos.
Sinaliza o Homem fadado a negar-se, a tornar-se agente da profanação e morte da Virtude, a desconhecer-se para a Felicidade, onde a intolerância não escolhe padrões materiais. Como Nietzche, a esperança se apresenta como derradeiro mal, o pior deles, prolongando o tormento.
A ausência de linearidade textual contribui para um resultado, onde a fragmentação da narrativa alimenta resoluções a cada tempo, a cargo do espectador.
Marcelo Rabelo
Outra auspiciosa promessa desse inspirado cinema baiano, Marcelo Rabelo exibiu “Batatinha, Poeta do Samba” (2008) e “Cantador de Chula” (2009), documentários que expressam a visão da família do grande sambista baiano no resgate de sua obra e o caminho do samba chula não só no seu ambiente específico (Santo Amaro e adjacências) mas seu alcance pelas incelenças e aboios, resgatando emblemáticas personagens que ainda constituem o repositório de uma tradição que tende a desaparecer do imaginário com a morte de seus atores.
Petrus Pires
Filho do visionário diretor Roberto Pires, acompanhou a retrospectiva de “Redenção” e “Césio 137, O Pesadelo de Goiânia” durante o 1º Festival de Cinema Baiano. Sob seus cuidados está a restauração das obras paternas, dentre elas “A Grande Feira” e “Tocaia no Asfalto”.
Será através de Petrus – e graças a ele – que reencontraremos, ou redescobriremos, a obra do inesquecível Roberto Pires, que também produziu “Barravento”. Através dele “Redenção”, o primeiro longa-metragem do cinema baiano, foi restaurado, a partir de uma última cópia em 16mm existente em Recife.
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Cantinho do ABC da Noite
80 anos de Cabôco Alencar, o Filósofo do Beco do Fuxico, dia 2 de fevereiro.
Só alegria!
Depois de tudo
Rir pra não chorar!
Adylson Machado é escritor, professor e advogado, autor de “Amendoeiras de outono” e ” O ABC do Cabôco”, editados pela Via Litterarum