Duas ações da Justiça do Trabalho de Salvador, envolvendo trabalho em regime análogo à escravidão em ambientes domésticos, foram destaque no programa Fantástico, da TV Globo do último domingo (12). Em decisão cautelar, a juíza substituta, Clarissa Mota Carvalho Oliveira, da 9ª Vara de Trabalho de Salvador, autorizou a entrada no domicílio, em bairros de classe média de Salvador, dos patrões de Leda Lúcia dos Santos, de 61 anos, e Luzia Geraldo, de 49 anos, para fiscalização da ocorrência de trabalho escravo. As vítimas foram resgatadas e levadas para uma casa de acolhimento da Prefeitura.
A magistrada Clarissa Mota pontuou que recebeu a primeira Ação Cautelar dias antes do 13 de maio, considerado o dia da Abolição da Escravatura. “Constatada a gravidade e a verossimilhança dos fatos relatados, foi autorizada a entrada no domicílio da ré, sem consentimento, para assegurar a efetividade da medida”, afirmou a juíza. Após dez dias, nova Ação Cautelar, com idênticos argumentos, exigiu a mesma apreciação e decisão semelhante.
Ambas as denúncias se confirmaram, como comprovam os Relatórios de Fiscalização juntados aos autos, que tramitam em segredo de justiça. A magistrada destacou que “as duas mulheres permaneceram, por décadas, privadas de dignidade, da infância, da liberdade, e de tantos outros direitos constitucionalmente garantidos”. Na sua visão, a atuação da Justiça do Trabalho foi fundamental para que as vítimas pudessem ser resgatadas e voltar a viver dignamente.
De acordo com a Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TRT da Bahia (TRT5-BA),em 2021, até o mês de julho, o TRT5 recebeu 56 ações referentes a trabalho em condições análogas às de escravo. Durante todo ano de 2020, foram 58 processos.
REPORTAGEM – A reportagem do Fantástico mostrou as histórias de Leda Lúcia e de Luzia Geraldo, libertadas do trabalho escravo doméstico depois de denúncias aos órgãos competentes.
Desde pequena, Leda foi morar na residência de Hildete Pereira, e trabalhava sem a oportunidade de brincar ou exercer qualquer atividade de crescimento individual. Ela contou que ficou na casa por 50 anos, que até os 29 anos de idade não podia sair na rua e que estava sem luz elétrica em seu quarto desde 2020. A dona a impedia de se dedicar ao artesanato, sua única distração.
Já Luzia Geraldo, de 49 anos, foi libertada depois de 36 anos trabalhando para a família de Eliúde de Oliveira Medrado, sem nunca ter recebido salário. Ela foi morar com a família aos 13 anos, para cuidar de uma mulher com deficiência, filha dos donos da casa. Foram muitas privações e nenhum direito. Muito abalada emocionalmente, Luzia alega que é difícil sair da situação em que viveu por tanto tempo.
Confira a matéria do Fantástico aqui.
COMBATE AO TRABALHO ANÁLAGO À ESCRAVIDÃO – O combate ao trabalho escravo no Brasil ganhou força com a criação do grupo móvel da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do governo federal. O grupo trabalha em conjunto com o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União.
Desde 1995, essa força-tarefa já resgatou 56 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão, a maioria na zona rural. Porém, só em 2017 o resgaste de trabalhadoras domésticas começou a ser realizado. A razão é a dificuldade envolvida nesse tipo de ação, uma vez que é necessária a autorização do proprietário ou da Justiça para ingressar no domicílio da pessoa. Desde então, 26 trabalhadoras foram resgatadas, 11 só nos últimos seis meses, depois da divulgação da história de Madalena Gordiano, que passou 38 anos escravizada em Patos de Minas (MG) e se tornou símbolo da luta contra o trabalho escravo doméstico.
Para denunciar trabalho análogo à escravidão, disque 100 ou procure órgãos ligados ao combate à prática. O MPT-BA, a SRTE-BA e a Coetrae-BA são alguns deles.