Por Walmir Rosário
No dia 17 de julho do ano da graça de 1952 o Botafogo do bairro da Conceição aplicou uma derrota histórica na equipe do Brasil de Buerarema. O homérico feito foi comemorado em toda a cidade com muita festa, especialmente no bairro da Conceição, sede do Glorioso Alvinegro. Foram três dias de festejos, não só pelo futebol jogado, mas, sobretudo, não se intimidar com a violência do adversário.
Acostumado a demolir as equipes que jogavam contra ele em seus domínios, como narravam os cronistas da época, o Brasil de Buerarema não resistiu ao sistema tático implantado pelo técnico Caticure. A estratégia foi preparada após 15 dias de muitos treinamentos, todos realizados a sete chaves, portanto, fora dos olhos dos espiões contratados a peso de ouro por Paulo Portela, cartola do time da vizinha cidade, ex-distrito de Itabuna.
Considerado imbatível em seus domínios, o Brasil de Buerarema, possuidor de uma equipe com jogadores famosos, não só pela competência futebolística, mas, sobretudo, com a catimba e vigor físico. Bem mandados, os atletas bueraremenses não levavam dribles tomados para casa (achavam o pior dos desaforos) e resolviam a parada dentro de campo mesmo. “Do pescoço para baixo era tudo canela”, costumavam dizer repetindo a recomendação dos cartolas.
Para enfrentar o Brasil, os cartolas botafoguenses montaram uma verdadeira operação de guerra, da qual não faltaram cuidados com o físico dos jogadores, sistema tático caprichado, principalmente no meio de campo, responsável por desmanchar as jogadas do Brasil, ainda no campo adversário.
Uma das recomendações expressas do médico João Monteiro – um grande pediatra – foi fiscalizar os jogadores dia e noite para evitar os excessos etílicos. Pedrinha ainda se recorda de ter sido proibido de frequentar os bares, passando 15 dias em jejum etílico e amoroso, tudo pelo bem do resultado positivo.
Chegado o dia, o Botafogo e a torcida embarcam em três ônibus da Companhia de Viação Sul baiano (Sulba) e entram triunfalmente na vizinha cidade de Buerarema. A responsabilidade era grande, pois até aquela data pouquíssimos times de Itabuna se atreviam a jogar contra o Brasil em Buerarema, o que aumentava o desafio.
Início da partida, os dois times se estudam até os 10 minutos, quando é desmontada uma jogada no meio de campo e o Botafogo marca o primeiro gol, para o desespero dos bueraremenses, que não acreditavam na petulância dos adversários em abrir o marcador.
A torcida não se conforma e passa a pedir mais energia nas jogadas, querendo o corte das cabeças dos alvinegros. Aliás, pedir é pouco, exigiam, aos berros, que seus vigorosos zagueiros se redimissem da honra ferida. Queriam, é verdade, que, além de derrubarem os alvinegros, ainda chutassem os “traseiros” para matar as jogadas no nascedouro.
Sem conseguir atender a torcida, ao pressentirem que os jogadores botafoguenses não se incomodavam com as tentativas de constrangimentos físicos e morais, isso deixavam os atletas da casa ainda mais nervosos. Como não conseguiam conter o ímpeto dos itabunenses na bola, passaram a apelar para as faltas, o que facilitou ainda mais as investidas ao gol adversário, marcando 3X1 no primeiro tempo.
No intervalo, uma comissão de convencimento formada pelos cartolas de Buerarema, auxiliados por dois jagunços (nome dado à época aos seguranças) com facões à mostra, foram fazer uma reclamação ao árbitro, com relação ao número de faltas. Para eles, o que o juiz da partida estava fazendo era um absurdo para com um time tão disciplinado. “No máximo, existiram apenas duas ou três faltas, mesmo assim, sem qualquer violência”, disseram.
Os jogadores, torcida e cartolas não se conformavam com a ousadia do Botafogo do bairro da Conceição em chegar em Buerarema, não tomar conhecimento do adversário e por cima marcar três gols no primeiro tempo. A vingança chegaria a cavalo no segundo tempo, prometiam. Eram uns desaforados esses jogadores itabunenses.
Assim que iniciaram o segundo tempo, os jogadores do Brasil partiram pra o ataque e, aproveitando um descuido da zaga, marcaram o segundo gol, para delírio da torcida local. Aí, então, começou a catimba, as faltas mais perigosas que o árbitro fingia não ver, até que o Brasil empatou e cinco minutos depois marcou o quarto gol.
Aos 40 minutos do segundo tempo, o técnico Caticure chamou a atenção dos jogadores do Botafogo para aplicar uma das estratégias e, finalmente, aos 42 minutos o Botafogo marca o quarto gol. Quando o Brasil pensava que estava de alma lavada para garantir o empate, eis que, como num passe de mágica, o time surpreende o adversário e surge o quinto gol, para o desespero da torcida local.
Se bem que o árbitro ainda tentou dar mais umas duas oportunidades de ataque para o Brasil de Buerarema, porém, sem qualquer chance. Ao apitar o término da partida, o árbitro e os bandeirinhas trataram de se refugiar e a torcida revoltada deixou o campo xingando o seu próprio time.
Até hoje o jornalista e escritor Antônio Lopes lembra com tristeza e nostalgia do clima fúnebre que tomou conta da cidade. Deste dia em diante, ficou terminantemente proibido a qualquer torcedor relembrar essa data e o dia 17 de julho de 1952. Ela foi considerada maldita e riscada da história das partidas do Brasil Esporte Clube, o famoso BEC, humilhado em seu próprio domínio pelo Botafogo do bairro da Conceição.
Essa história foi contada por um participante ativo dos fatos, o jogador Macaquito ao seu filho, o professor e advogado Cosme Reis, que também brilhou no Botafogo do bairro da Conceição, não este da história, mas o Botafogo juvenil, treinado pelo também advogado José Oliveira, o Zito Baú.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado