Por Walmir Rosário

A vida não está fácil para muitos dos mortais que ainda teimam em saracotear por aí – de bar em bar, ou coisa que o valha – em busca de festejar eventos e datas comemorativas, desde os simples aniversários de bonecas aos banquetes de subidas efemérides. Eu mesmo já não estou me empolgando tanto com os vários encontros semanais que mantínhamos em passado tão recente, em mesas de bares ou residências de amigos.

De repente, como num passe de mágica, os confrades começaram a sumir e sequer se davam ao trabalho de expor os motivos de suas sentidas ausências. Só depois de muitos questionamentos expunham os motivos proibitórios. Muitos deles sem pé nem cabeça, responsabilizando uma simples indisposição e até o tempo chuvoso, como se nos reuníssemos ao ermo, sem telhados a nos dar a devida proteção.

Nesse bloco se salvam pouquíssimos destemidos, que não abrem mão de receber os parabéns pelo aniversário ou outros feitos qualquer que não dispensam os elogios de amigos após o delicioso consumo de cervejas e um panelão da mais gostosa gastronomia de sustança. Tirante esse grupo de abnegados, o restante, sem a menor cerimônia, lança a culpa nos riscos do vírus da covid como um subterfúgio pouco convincente.

Bem faz o confrade Antônio Amorim Tolentino, o popular Tolé, que se eximiu, de forma definitiva, de dar sua graça nos encontros etílicos. Aos sábados, para não ser tentado, muda de calçada ou de rua e não se aproxima desses endereços no qual grassam litros de destilados, garrafas de cerveja e farta comida de boteco. Prefere comer seu caranguejo no recanto do lar, com uns dois copos de refrigerantes. São as escolhas de cada um.

Digo isso acabrunhado pela ausência do confrade, que sempre brilhou nesses encontros, tanto assim que foi sabiamente nomeado, de papel passado, com o pomposo e nobiliárquico título de Secretário Plenipotenciário da Confraria d’O Berimbau. Uma perda lastimável! Do alto de sua autoridade, baixava decretos, escolhia os promotores semanais da comilança, se tornou um verdadeiro juiz de paz, ou da ordem, acrescentariam alguns.

Lembro de certa feita em que alguns confrades começaram a desobedecer à agenda dos tira-gostos e almoços, como se a confraria fosse a casa da mãe Joana ou recinto de igual natureza. Tolé não contou conversa e baixou um competente decreto-lei, chamando a atenção do confrade Arenilson Mota Nery pelo deslize de oferecer, de forma intempestiva (ou sorrateira), um prato de lombo suíno à guisa de tira-gosto.

O réu em questão foi considerado culpado por Desobediência Civil e mesmo alegando desconhecimento das normas estatutárias seu nome foi parar no rol dos culpados e condenado ao pagamento de multa, transformada em um prato de tira-gosto de igual teor. Daí, então, condenado na forma da lei a levar, em data agendada, um pernil de suíno, no peso líquido – já assado – de 2,5 kg (dois quilos e meio).

E a condenação não foi mais pesada, haja vista o réu Arenilson Mota Nery ter alegado desconhecimento da norma, portanto agido em boa-fé, sem qualquer interesse de  achincalhar ou desobedecer a legislação vigente. Desta data em diante, por força de um decreto-lei, foi estabelecido um ritual com vistas ao agendamento prévio com a antecedência de 15 dias para se candidatar ao oferecimento dos tira-gostos.

Lembro aqui que o lapso do confrade foi ocorrido na assembleia do sábado, 21 de fevereiro de 2015 e passou a vigorar até o início da pandemia. De lá pra cá, ao que parece, com a renúncia de Tolé ao cargo de Secretário Plenipotenciário, os confrades resolveram fazer ouvidos de mercador para a dita legislação. Pior, ainda, sequer se dignavam a aparecer às importantes reuniões semanais.

Dia desses, ao conversar sobre o desprezo dos antes solícitos confrades às reuniões, passamos a buscar os culpados – se é que eles existem – pela costumeira inapetência dos ex-fiéis frequentadores e não chegamos a um bom termo. Após um caloroso debate, uma das teses levantadas teriam sido os anos de lockdown – para uns, confinamento – o responsável pelas mudanças nos costumes.

Mas a discussão não obteve consenso, por mais que repetidos brindes fossem feitos. Nesse interregno, muito se bebeu e prosou, e até foram nomeados alguns culpados pelo tempo de vacas magras que estamos vivendo. Alguns culpados chegaram a ser nomeados, mas logo absolvidos em nome da boa vizinhança. Lá pelas tantas, na hora de fechar a ata dos trabalhos, eis que surge uma tese vencedora, daquelas que não se pode negar fé.

Para os confrades, o grande responsável pelo fim da fartura teria sido o ex-secretário Plenipotenciário Tolé, ou com todas as letras, Antônio Amorim Tolentino, após desconjurar a bebida alcoólica, melhor dizendo, trair a causa. É que depois dessa fase em que não mais molha o bico, começou a criar problemas, tentando botar ordem no caos organizado da Confraria d’O Berimbau, a exemplo do decreto-lei proibindo a livre entrada dos tira-gostos.

Como diz o ditado, não mexa com quem está quieto, pois dia de muito é véspera de nada.

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Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado