Por Walmir Rosário
Não sei o porquê das “cargas d’água”, ou besteiras, como queiram, mas o certo é que passei quase 19 anos longe de Paraty. Nos tempos de hoje, nem tão distantes, haja vista a modernidade dos meios de comunicação, que nos mantêm informados de quase tudo que se passa, mesmos em lugares distantes. Ao chegar e rever os amigos é que percebi o pecado cometido em manter saudades quando poderia festejar o presente, in loco.
Não me interpretem mal com minhas atitudes ao chegar em Paraty, mas o que fiz foi apenas para matar anos de saudades. Assim que pisei no solo paratiense, fiz questão de pedir ao cunhado Luiz Manoel que desse uma passada no supermercado mais próximo para adquirir um litro da mais legítima cachaça Coqueiro. Era mais que preciso matar a saudade de tantos anos de separação. Tenho convicção que comecei com o pé direito.
Após um período de programação caseira, chegou a hora de reconhecer a Paraty atual, bem diferente daquela em que conheci num passado cinquentenário, ou na mais recente visita que completa 19 anos. Para tanto, contei com o valioso auxílio de Paulo Vidal, colega radialista e velho amigo de 50 anos, numa tournée etílica de dar inveja até nos abancarmos no Bar do Lapa, nosso antigo escritório na praia do Pontal. E foi pra valer.
Hoje temos duas cidades. A antiga, histórica, onde vivi, casei, nasceu meu filho Júnior; a nova que foi se alastrando pelos arredores, substituindo os mangues e áreas rurais por grandes e prósperos bairros, onde mora a maioria dos mais novos. Na antiga, os velhos casarões cederam ao apelo turístico e as residências deram lugar ao comércio, os restaurantes que exibem em seus cardápios as cozinhas local e internacional.
Um desses endereços era nosso velho conhecido por ter abrigado – nos velhos tempos – um ponto de apoio noturno, a Palhoça, para se tornar Restaurante da Matriz, até receber o atual e sugestivo nome de Alambique Antônio Melo, pilotado pelo casal Antônio Carlos (Neguinho) e Áurea. Ele, engenheiro eletrônico que se fez administrador; ela, após anos de magistério, se torna, por conhecimento e estudo, dedicada e criativa chefe de cozinha.
No centro histórico de Paraty desembarcam diariamente milhares de turistas, procedentes de todos os recantos deste planeta. E vêm dispostos a conhecer a pequena cidade que abrigava o final da estrada real (caminho do ouro) vinda das Minas Gerais e porto por onde era embarcado o ouro brasileiro para Portugal. Com o fim do próspero garimpo, a cidade ficou esquecida por anos e preservou sua rica arquitetura colonial.
Encravada entre a praia e a serra da Bocaina, Paraty ficou por muitos anos longe das grandes rotas de transportes aéreo, terrestre e marítimo, até a construção da BR-101, no trecho compreendido entre o Rio de Janeiro e Santos, inaugurada em 1975. De lá pra cá, a cidade foi redescoberta e se tornou a Meca do turismo Sul Fluminense, ao lado de outras cidades litorâneas do estado do Rio e de São Paulo.
Entre as grandes tradições preservadas em Paraty a gastronomia, com base em frutos do mar, e a cachaça, com as melhores canas, se transformaram em carros-chefes do turismo na cidade. A cachaça foi cantada em prosa e verso, como na canção composta por Assis Valente e cantada por Carmem Miranda: “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí, em vez de tomar chá com torradas ele bebeu paraty…”
Aos alambiques que sobreviveram por anos a fio se juntaram outros novos que produzem o destilado de cana conhecido como cachaça, pinga, marvada, maldita e são levadas como verdadeiros troféus pelos turistas. Fora da condição de turista, eu mesmo faço questão de ter sempre ao meu lado alguns litros das produzidas nas melhores safras, as mais trabalhadas e descansadas, para deleite em momentos de lazer (ou prazer?).
E como não poderia deixar de acontecer, voltei ao alambique da conceituada Coqueiro (tradição familiar desde 1803), do amigo Eduardo Melo e filhos, ciceroneado pelo não menos amigo, seu irmão Antônio Carlos (Neguinho). Revisitei as instalações durante a moagem das canas recém-chegadas, e passei em revista todos os processos da fabricação ao engarrafamento, chegando a degustá-las com muita paciência que requer o paladar.
Confesso que não deixei por menos e fiz uma tournée pelos vários tonéis aço (as mais novas e simples), aos de madeira (carvalho, bálsamo, amendoim, canela, etc.) com as mais legítimas canas. Para economizar o tempo do leitor que deve estar “lambendo os beiços”, provei desde a prata ao ouro. Sim, isso mesmo, e não me perguntem pelo bronze, pois na Coqueiro essa palavra não existe no dicionário de cachaças.
E explico o porquê: Em parceria com uma universidade, as cachaças produzidas pela Coqueiro não contêm resíduos de cobre, bronze ou qualquer outro metal pesado, retirados durante o processo de destilação. Com isso, a palavra bronze serve apenas para denominar o terceiro lugar em algumas atividades desportivas, notadamente nas Olimpíadas.
E no alto da parede, observando tudo, uma foto do grande mago da alquimia da cachaça, Antônio Melo, pai de Eduardo e Antônio Carlos. Muito há, ainda, por visitar…
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado