A escriturária Fernanda Fetal, funcionária da Emasa desde 2005, viu sua vida mudar de repente. Para pior. Depois que, em tom de alerta, denunciou diretamente ao prefeito Claudevane Leite vários esquemas que estariam ocorrendo na diretoria da Emasa, ela enfrenta um calvário jurídico-administrativo.
Recebeu uma suspensão de três dias, enfrenta um processo administrativo que pode resultar em sua demissão e ainda responde a pelo menos dois processos na justiça. Isso após ouvir da boca do prefeito que iria investigar o esquema que denunciara e, depois, que revogaria a suspensão.
Como a maior parte do funcionalismo – e boa parte da população – ela acha que o prefeito não acordou para a realidade de que há algo muito grave em seu governo. "Vane ainda não tomou ciência da gravidade dos fatos. Ainda não realizou a gravidade da situação", diz, com certa dó. Leia a entrevista.
O que aconteceu a partir daquele vídeo que viralizou nas redes sociais, em que você faz várias denúncias diretamente ao prefeito Claudevane Leite, de irregularidades que ocorriam na Emasa? Hoje, até prisões foram decretadas e cumpridas a partir dele…
Na verdade, a gente não tem conhecimento de quem gravou. Não sabemos quem compartilhou primeiro e não imaginamos como aquilo tomou toda essa proporção. Nada foi combinado.
Era comum vocês gravarem as conversas com o prefeito?
Era, sim. Os trabalhadores costumam gravar as reuniões que temos com o prefeito exatamente para ter uma condição de cobrar depois o que foi definido.
E o que o prefeito falou sobre as denúncias que aparecem naquela gravação?
Ele falou que faria uma investigação, que iria apurar.
E foi feita?
Não que a gente tenha conhecimento. O que aconteceu, de fato, foi que eu tomei uma suspensão de três dias. Após isso, abriram um Processo Administrativo Disciplinar contra mim. Eu é que respondo a um processo administrativo.
Mas o prefeito afirmou na semana passada, após a prisão de um diretor e de um outro funcionário, que antes da ação da Justiça já existia uma apuração interna daquelas denúncias que você fez no vídeo…
Como disse, o processo de investigação que existe é contra mim. Ninguém tem notícia dessas investigações das denúncias na empresa.
Houve algum contato do prefeito com você, após a divulgação dessa punição, a suspensão de três dias?
Sim. O prefeito entrou em contato comigo, por telefone, me prometendo que seria revogada essa suspensão. Eu voltei a trabalhar, porque ele mandou que eu fosse, porém, oficialmente, não foi revogada. A punição prevaleceu.
Mas, a palavra do prefeito – que você pode comprovar, via quebra de sigilo específico -, uma promessa, aparentemente simples, não foi cumprida. Você sabe por que ele não cumpriu essa promessa supostamente tão banal?
Sabe-se que houve um atrito entre a administração da Emasa e o prefeito. Eles disseram que se fosse revogada essa suspensão, a diretoria se demitiria coletivamente.
Você, que é servidora pública e escriturária, sabe a gravidade de um processo administrativo, que pode resultar até em sua demissão. Qual a sua avaliação?
A gente entende que é uma tentativa de fazer documentos para justificar minha demissão.
Qual a participação do diretor presidente Ricardo Campos nesse processo todo, inclusive em relação a suas punições?
É ele quem legitima todo processo. É quem assina tudo.
Inclusive a sua suspensão de três dias. Só ele assinou?
Na suspensão assinam ele, o Geraldo Dantas e o José Antônio [hoje, ex-diretor de Planejamento e Expansão, preso preventivamente].
Antes da entrevista você falava que além dessa suspensão, que até levam assinatura do ex-diretor, você está sendo processada por José Antônio. Fale sobre esses processos.
Ele me processa na esfera cível, por difamação, pedindo reparação por danos morais, e criminalmente também. Essa semana recebi duas intimações.
O que você acha que leva ele a fazer essa perseguição, que já extrapola a esfera administrativa? Você teria outras informações que poderiam comprometê-lo ou é ódio pelo que está contido no vídeo apenas?
Acho que o que está no vídeo terminou desencadeando tudo o que está acontecendo. É grave, é um esquema grande, que a gente não sabe quem estaria por trás dele. Por isso, até, foi relatado por mim no Ministério Público que eu temo pela minha segurança e de minhas filhas. Nos corredores da empresa corre a informação de que eu devo tomar cuidado, assim como recebo mensagens e telefonemas me pedindo que tome cuidado. Porque ninguém sabe o que esse pessoal seria capaz de fazer.
Você está trabalhando normalmente? Após a suspensão, chegou a pedir licença ou algo assim?
Estou trabalhando normalmente. Quanto aos meus colegas, não tenho nenhum receio de estar junto.
Após o vídeo, chegou a encontrar com José Antônio na empresa?
Encontrei. Ele me coagiu, dentro da empresa. Mas, a gente tem que trabalhar. Mas cheguei a pedir para o prefeito a minha transferência para algum outro setor, dentro da administração. Mas ele colocou o pedido dentro da agenda e não me deu resposta.
Por falar em Vane, e especialmente por esse episódio que você acaba de relatar, além da posição que ele teve frente à diretoria em relação à revogação de sua suspensão, qual a sua avaliação do gestor Claudevane Leite frente a problemas tão graves na Emasa?
Acho que ele ainda não tomou ciência da gravidade dos fatos. Ainda não realizou a gravidade da situação. A gente está aqui apelando, correndo riscos, nos sentindo ameaçados, apresentando denúncias, tem a situação da crise hídrica e tudo o mais, mas a gente vê que não existe um pulso. Como ele mesmo diz, uma ação efetiva, no que se refere à situação da Emasa.
Você teria elementos, do ponto de vista de sua atuação profissional e sindical, para afirmar se esse esquema que está se desvelando com as investigações, pode ter causado alguma piora na crise hídrica que atinje toda a população?
Uma coisa eu posso afirmar, assim como qualquer servidor também pode: a crise não foi administrada, ela está sendo empurrada pela barriga. Não há um interesse sério, um compromisso, em administrar essa crise.
Ou seja, poderiam ser feitas algumas ações para minimizar os efeitos para a população.
Várias medidas poderiam ter sido tomadas e não foram. Inclusive, o setor de carros-pipa está abandonado de uma maneira que nós tivemos que tomar o controle.
"Nós", quem?
Nós, servidores. Uma comissão de servidores tomou o controle do setor essa semana. Fechamos os portões da empresa, não deixamos carros-pipa sair sem nota, para que a gente, daqui pra frente – já que o Ministério Público está dentro da empresa -, possa pelo menos atender à população.
E qual era o principal problema nesse setor? A população era prejudicada com a gestão desse setor?
O problema é o controle. Ali não tinha um controle. Carros que sequer estavam agregados à empresa tinham acesso livre, entravam e saíam sem nenhum controle.
Esses carros que entravam e saíam sem controle algum por parte da empresa poderiam servir ao esquema que está sendo investigado pelo Ministério Público?
Sim, poderiam.
Como está o clima geral na empresa após esses episódios?
O clima é de contentamento e de apreensão. Todos estão felizes, mas também estão com medo de que algo aconteça a mim e a minha família. Já ouvi de alguém ligado ao diretor preso que estava com ódio de mim. Isso em si não é uma ameaça, mas dá uma ideia de que fortes interesses foram contrariados. Por outro lado, tenho minha consciência tranquila. Sei que não tenho inimigos, e o que eu disse naquele vídeo qualquer pessoa poderia ter dito ao prefeito.