Estudo inédito publicado pela Oceana revela a grave situação de um dos recursos pesqueiros mais importantes das regiões Norte e Nordeste do Brasil: a lagosta-vermelha (Panulirus argus), que movimenta anualmente mais de 50 milhões de dólares em exportações. De acordo com o relatório, o estoque da espécie está abaixo dos 18% de sua capacidade máxima, podendo comprometer o futuro da pescaria se não houver uma mudança no atual padrão de pesca.
“Se continuarmos nesse ritmo, a pescaria da lagosta não demorará muito para entrar em colapso”, alertou o diretor-geral da Oceana, o oceanólogo Ademilson Zamboni. De acordo com o levantamento, a pesca hoje depende de indivíduos jovens, já que a pressão pesqueira é tão grande e as lagostas não conseguem crescer. “Para recuperar a estrutura etária da população, é fundamental o estabelecimento de limites de captura, o que pode resultar, inclusive, em melhores rendimentos da pescaria”, explicou o oceanólogo.
O resultado da pesquisa foi apresentado pelo diretor científico da Oceana, Martin Dias, nessa segunda-feira (24/8), em webinar com a participação dos pesquisadores Paul Kinas, José Augusto Aragão e Rodrigo Sant’Ana, responsáveis pelo desenvolvimento do estudo. O debate contou com a presença do diretor do Departamento de Registro e Monitoramento da Aquicultura e Pesca da Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (SAP/MAPA), Carlos Eduardo Villaça.
“O estudo da Oceana só vem corroborar a necessidade de medidas urgentes na gestão da pesca da lagosta”, disse o diretor da SAP. “O estabelecimento de limites de captura é uma tendência em todo o mundo na gestão de várias espécies. Aqui no Brasil temos a experiência bem-sucedida na pesca da tainha e certamente na pesca lagosta não será diferente”, comentou Villaça.
LAGOSTA-VERMELHA
Embora ocorra desde o Espírito Santo até o Amapá, há uma concentração da pesca da lagosta no Ceará, onde estão 62% das três mil embarcações registradas para a pescaria. A indústria do pescado gera mais de 250 mil postos de trabalho no estado, entre diretos e indiretos, segundo o Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca do Ceará (Sindfrios), sendo um importante vetor da economia.
Mais de 90% da produção brasileira de lagosta é destinada à exportação, tendo como principais destinos os Estados Unidos, China e Austrália, cenário comercial atualmente comprometido devido à pandemia pelo novo coronavírus.
A lagosta-vermelha apresenta um ciclo vital complexo, com desova parcelada, mais intensa ao final do verão e outono. Aos dois anos, ocorre a migração dos juvenis para regiões mais profundas do mar, com início da atividade reprodutiva por volta dos três a quatro anos. As fêmeas apresentam tamanho médio de primeira maturação estimada em 20,5 centímetros de comprimento total, fecundidade elevada e longevidade de cerca de 18 anos.
Os estudos de avaliação de estoque são elaborados a partir de modelos matemáticos e outras informações científicas disponíveis. Um dos estudos realizados pela Oceana calcula o tamanho da população, como ela cresce e morre naturalmente e, especialmente, como essa população responde ao impacto causado pela pesca. Também é calculado o quanto é possível pescar sem comprometer a capacidade biológica da população a longo prazo.
Na avaliação de estoque da lagosta-vermelha foram consideradas importantes variáveis para a gestão, entre as quais a mortalidade por pesca e os níveis de biomassa mais recentes. “A condição do estoque de lagosta-vermelha é de sobrepescado, que se refere à biomassa relativamente menor que o necessário para manutenção do estoque”, destacou o diretor científico da Oceana, Martin Dias. “Já a atividade está em sobrepesca, que é a taxa de remoção por pesca segue sendo maior do que o estoque pode suportar”, explicou o diretor.
Em relação ao período de defeso, que terá início em 1º de dezembro e terminará em 31 de maio de 2021, a Oceana avalia que a manutenção dos seis meses é fundamental para a conservação da espécie. “A redução desse período só deve ser considerada quando medidas alternativas forem identificadas e efetivamente implementadas, e mesmo assim o mais provável frente ao cenário crítico é que os limites de captura sejam uma medida que complemente o defeso”, alertou Martin Dias.
LIMITES DE CAPTURA
A elaboração da avaliação de estoque da lagosta-vermelha faz parte da campanha iniciada em 2019 pela Oceana com o objetivo de modernizar a gestão dessa pescaria, protegendo a espécie e garantindo o futuro da atividade. O modelo seguido já foi aplicado com sucesso na pesca da tainha – em 2018, a Oceana divulgou a avaliação de estoque atualizada da tainha e, a partir dela, propôs um limite de captura para a safra daquele ano, que foi discutida e adotada pelo governo federal.
A medida consiste em determinar a quantidade máxima para captura de uma espécie a partir de avaliações de estoque, que levam em conta, sobretudo, a produtividade dos recursos pesqueiros. Com isso, busca-se o equilíbrio entre o que a pesca retira do ambiente e a capacidade natural de regeneração dos estoques. O sistema tem se mostrado eficiente em todo o mundo.
Apoiada pela Oceana, a proposta foi debatida e defendida pelo setor industrial na última reunião do extinto Comitê Permanente de Gestão da Pesca da Lagosta, em junho de 2019. Mas também era importante ouvir os pescadores artesanais – o que foi feito ao longo de quatro workshops no Nordeste. Após esses debates as lideranças da pesca também recomendaram à Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) a adoção de limites para a captura da lagosta como forma de garantir o futuro da pescaria no país.