Por Walmir Rosário
Há dias passados me encontrava em Itabuna visitando amigos nos bares mais frequentados da cidade, oportunidade que tive de rever o amigo e vereador Ronaldo Geraldo dos Santos, o Ronaldão. Após os cumprimentos de praxe, me prometeu um presente: a garantia de que Jorge Amado nasceu em Itabuna, mimo esse de papel passado, assinado em cartório.
Por si só, a notícia não teria nada de interessante, pois o próprio Jorge Amado garantiu e jurou de pés juntos que era itabunense, declarando em todas as entrevistas ser um Papa-jaca autêntico. Mas isso aconteceu muitos anos após Ilhéus ter se apropriado, não só do escritor, como também da figura humana e seus personagens, sem qualquer documento comprobatório.
Para os ilheenses, o que importava era o tempo em que Jorge Amado morou em Ilhéus, escreveu sobre a cidade, suas figuras humanas, muitas das quais estereotipadas, a exemplo dos cacauicultores, tudo registrado em livros. Foi uma expropriação violenta, sem respeitar os documentos oficiais, a exemplo da certidão de nascimento guardada em livro apropriado em cartório.
Eu até tenho a impressão que o próprio Jorge Amado tenha “surfado nessa onda”, motivadora da celeuma entre ilheenses e itabunenses, agravada com a publicação do livro Terras do Sem-fim, em que sugeria adjetivos não condizentes com os itabunenses. Sem querer meter minha colher em prato alheio, diria até sinônimos desairosos.
Embora sempre respeitado pelos itabunenses, os fatos levam a crer que Jorge Amado não era um amigo bem chegado, daqueles que convidamos pra ir à nossa casa fazer uma farra, devidamente forrada com uma farta feijoada, um churrasco. Alguns mais afoitos não mediam as palavras em considerá-lo um vira-casaca, por se tornar um Papa-caranguejo empedernido, como dito àquela época.
Uma rusga atoa, sem pé nem cabeça, de uma população com um ilustre conterrâneo. Tanto era assim que nunca foi desmerecido e sempre reconhecido pelas suas obras. Mas o nó górdio da questão estava na naturalidade ensovacada pelos ilheenses, sem qualquer razão, pois no ato do nascimento de Jorge Amado, Itabuna já se encontrava emancipada há longos dois anos e livre de qualquer amarra.
Dias depois, meu amigo e testemunha da promessa do vereador Ronaldão, o advogado José Augusto Ferreira Filho, me liga informando que enviara para o meu WhatsApp a certidão passada em cartório e assinada pelo Tabelião Ottoni José da Silva. E isso em 02 de março de 1944, afirmando que Jorge Amado nasceu na Fazenda Auricídia, em Ferradas (Itabuna), em 10-08-1912.
As diferenças entre os itabunenses e seu laureado conterrâneo já chegaram à delegacia quando um busto de Jorge Amado foi depredado em Ferradas, no século passado. Em outra feita mais recente, uma estátua do escritor foi alvo de tiros, além de pedradas, na calada da noite, por pessoas embriagadas, apenas pelo fito de danificar um equipamento público. Coisas do passado!
Lembro-me que no século passado, por volta do início da década de 1990, cheguei a elaborar reportagens para o Correio da Bahia, sobre a possível renomeação da principal avenida de Itabuna, a Cinquentenário, que passaria a ser nomeada Jorge Amado. A campanha encetada pelo jornalista e escritor Hélio Pólvora, não ganhou ampla adesão por ser ano de eleições municipais.
Acredito que essa homenagem teria selado, definitivamente, a paz, a amizade entre os itabunense e seu filho ilustre, mas não chegou a sair do papel. Em 1994, Jorge Amado lança “A Descoberta da América Pelos Turcos”, uma verdadeira homenagem a Itabuna. O livro foi considerado bem-vindo pelos itabunenses, entretanto faltaram eventos dignos no lançamento da obra na cidade.
Se antes essas diferenças eram levadas a “ferro e fogo” hoje provocam apenas bons debates. E não é pra menos, pois no livro 1-B destinado aos registros de nascimento, à folha 231, consta o termo nº 516, do nascimento de Jorge Amado, com toda a filiação, acompanhados dos nomes dos avós paternos, maternos além de testemunhas.
Diante da veracidade do documento, assentado em 11 de março de 1931, rogo aos ilheenses de boa índole, que se abstenham da apropriação de Jorge Amado, que por direito pertence a Itabuna. Por outro lado, de papel passado, os verdadeiros conterrâneos passarão a admiti-lo como um deles, uma homenagem pra lá de interessante e muito justa.
De minha parte, prometo adquirir um kit Papa-Caranguejo completo (camisa, caneca e protetor de lata de cerveja), junto às organizações “Lá ele!”. E para tanto deixo registrado o meu pedido a Afonso Dantas, convocando, ainda, o vereador Ronaldão, Augusto Ferreira, José Carlos (Beca) e outros parceiros de mesa de bar para selarmos o armistício definitivo entre Papa-Jacas e Papa-Caranguejos.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.