Por Walmir Rosário
Como todo o menino nascido nas décadas de 1940 e 50, João Xavier cresceu jogando babas nos muitos campinhos de Itapetinga, e desde cedo demonstrava sua intimidade com a bola. Àquela época o futebol era visto como uma brincadeira, mas diversas famílias não queriam, em hipótese alguma, que seus filhos seguissem a carreira futebolística, vista como uma coisa sem futuro. Coisa de moleques, embora isso tenha mudado com o passar dos anos.
E o menino João Xavier cresceu ouvindo esse mantra, no qual não acreditava e dava suas escapadas do pai para jogar futebol. Com um físico leve, bom de gingado, se tornou um maestro no meio de campo, sendo um dos primeiros a ser escolhido nos jogos do bairro. Daí para os times de camisa foi natural. Se não poderia se mostrar como jogador de futebol em Itapetinga, foi jogar na vizinha cidade de Macarani.
Mas como as notícias correm, e com muita velocidade, Xavier recebe o ultimato do pai para parar, de uma vez por todas, de jogar futebol. Naqueles velhos tempos não era costume o filho desobedecer ao pai, mas que Xavier aplicou uns dois dribles desconcertantes no velho, não restam dúvidas. Mas nada de grave que alguma religião pudesse recriminar como um pecado. Pelo contrário, todos sabem que esporte é saúde.
Ao ingressar no Banco Econômico, foi trabalhar em Canavieiras, à época um celeiro de craques. E João Xavier era mais um bem chegado naquela turma de boleiros sabidos, a exemplo de Boaventura Cavaquinho, Talminho, Bené, o Canavieira, que ganhou o mundo jogando futebol. Passou a ter a vida que pediu a Deus: trabalhando e jogando futebol no meio de craques como ele.
Em Canavieiras, João Xavier ajudou a quebrar o tabu dos 10 anos em que o selecionado local não ganhava uma partida para a aguerrida Seleção de Belmonte. No retorno, a comemoração corria solta nas lanchas. Nesse dia, o garoto Bené, depois o craque Canavieira, gostou tanto da vitória e da festa, que acompanhou os colegas na farra, fumando e bebendo pela primeira vez.
Mas novos horizontes se abriam para o bancário e jogador de futebol João Xavier. Ao passar em novo concurso, desta vez para badalada Ceplac, que expandia sua atuação, se transferiu para Itabuna, o maior “templo sagrado” do futebol do Sul da Bahia. Chegou e se sentiu em casa, ao lado de jogadores considerados verdadeiros “monstros sagrados”. Resultado: se tornou um deles, sem qualquer favorecimento.
Era 1960, o ano da graça e do bom futebol praticado em todo o Brasil, mas este com sede no Campo da Desportiva. Ali, ele desfilava no gramado ao lado de Santinho, Zé Reis, Gajé, Florizel, Ivanildo, Pires, Luiz Carlos, Valdemir Chicão, Humberto, Ronaldo Dantas, Piaba, Humberto César, os quatro irmãos Riela, Fernando Barrão, Plínio, Itajaí, Abieser, França, Betinho, Jonga Preto, Tombinho, Albérico Toba, Pinga e um sem-número de craques.
No Janízaros, chegou ao posto de capitão e comandava o time com maestria, o que lhe valeu várias convocações para integrar a Seleção Amadora de Itabuna, que não tinha receio de jogar de igual para igual com qualquer time profissional. E de logo vou avisando, naquela época os jogadores de Itabuna ainda não passavam por treinamentos físicos regulares, limitando-se a pequenas corridas e outros exercícios corriqueiros.
Se dentro de campo tudo corria a mil maravilhas naquele espetacular time do Janízaros, fora das quatro linhas, melhor ainda. João Xavier presta concurso para o Banco do Brasil, considerado um dos empregos mais importantes do país e volta para Itapetinga, sua cidade natal, onde toma posse na nova função profissional. Mas fica lá por pouco tempo e retorna a Itabuna, sua casa esportiva.
Xavier relata, sem medo de errar, que a Seleção de Itabuna que chegou ao hexacampeonato jogava porque gostava e por isso era uma equipe que poderia ser comparada com qualquer grande time profissional do Brasil. E não economiza elogios quando cita os times de Itabuna com os melhores goleiros, melhores zagueiros, laterais, meio campistas e atacantes.
E João Xavier destaca o alto padrão dos jogadores de Ilhéus, Alagoinhas, Feira de Santana, Cachoeira, São Félix e Santo Amaro, o que justifica todos os elogios feitos até hoje aos atletas itabunenses das décadas de 1950 e 60. E ele arremata dizendo que, enquanto os profissionais recebiam bons treinamentos físicos e técnicos, os jogadores amadores tinham a malandragem do futebol, principalmente os atacantes.
E o craque João Xavier encerra sua carreira dentro dos campos de futebol mas não abandona as beiradas das quatro linhas. Se dedica aos esportes amadores mantidos pela Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) e o Banco do Brasil – onde trabalhava. Cruzava o país constantemente trazendo para Itabuna numerosos troféus, conquistados nas mais diversas modalidades esportivas pelos atletas.
O Itabuna Esporte Clube se tornou uma verdadeira obsessão para João Xavier, que participou de sua diretoria e presidência por anos a fio, passando o bastão para os filhos, que continuam na ativa até hoje. Como jogador da bola sabida, não se afasta dos campos de futebol e da AABB, administrando e participando dos babas jogados pelos veteranos. É aquela história, quem sabe, sabe, jamais esquece.
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Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado