Por Walmir Rosário

É verdade que não gosto muito de cerveja em lata. Acredito que essa embalagem seja apenas e tão somente uma questão prática de transporte, facilidade e rapidez no processo de gelar a bebida. Mas, convenhamos, não tem qualquer charme virar uma lata goela abaixo ou mesmo despejar o precioso líquido, como gostam nomear essa bebida alguns dos nossos colegas jornalistas e radialistas. Melhor o copo!

Sou do tempo – e não nego – em que pedíamos uma cerveja pela marca e a cor da garrafa, embora tivéssemos a prévia exigência de que chegasse à mesa bem gelada. Mas nem sempre isso ocorria em alguns estabelecimentos etílicos, para o nosso desconforto. Era muito comum pedirmos uma Antarctica bem gelada, no casco escuro (cor da garrafa), quando do outro lado do balcão o garçom respondia mal-humorado:

– Só tem Brahma, casco verde e está praticamente quente! –.

– Tem problema não, pode descer –, dizíamos quando não existia outro bar por perto para nos socorrer.

Bom, mas como esse tempo já passou, os bares de hoje se especializaram em agradar o freguês, ou cliente, como querem os marqueteiros, e possuem em estoque nas geladeiras e freezers as mais variadas marcas e formas de acondicionamento. Litrão, garrafa, long neck, meota e latas dos mais variados tamanhos. Em algumas regiões da Bahia e Sergipe trabalham apenas com os “litrinhos”. É o costume local.

Repetindo o que disse para que não pairem dúvidas, não gosto de cerveja em lata, apesar dos experts jurarem por tudo o que é mais sagrado (numa mesa de bar, creio eu) que o gosto é o mesmo, apenas muda a embalagem. De um tempo pra cá passei a incorporar em minhas compras algumas latas de cerveja, mais explico que por motivo mais que justo, uma questão de cooperação.

É que depois de desocupado com as tarefas por conta da aposentadoria, o jornalista Tyrone Perrucho passou a matar parte do tempo em afazeres manuais, como cuidar do seus majestoso jardim e cacaueiros sem a famigerada vassoura de bruxa. Outro hobby que incorporou foi a produção artesanal de cortinas, fabricadas pacientemente com lacres de latas de cerveja, pois não aceitava as de refrigerantes.

Mensalmente, tínhamos o dever de entregá-lo a nossa produção. Às vezes éramos repreendidos pela baixa produtividade, o que para Tyrone era uma traição à pátria, cujo índice de consumo só alcança a 17ª colocação mundial, perdendo para países minúsculos. A cada cortina produzida, enviava uma foto e onde a peça poderia ser vista, se em sua casa ou a de um amigo que fora presenteado.

Pois bem, mas o confrade Tyrone foi embora sem tempo suficiente para se despedir dos amigos, deixando-nos sem saber o que fazer com os lacres amealhados ao longo desse tempo. Esta semana submeti meu estoque ao ilustre colega causídico José Cloves, que com apenas com um golpe de vista digno de um experimentado especialista, vaticinou que meu cabedal de lacres era de 2.837 peças, o que não daria para nem meia cortina.

Apesar de me sentir um possível traidor da pátria cervejeira, expliquei que meu consumo era voltado para as cervejas acondicionadas em garrafas, aos cuidados dos donos de bares ou, em pouca monta, as consumidas em casa. Mesmo abalado com a culpa a mim imputada, procurei me redimir de minha possível inapetência ou, quem sabe, anorexia, quando encontrei um santo remédio para os meus possíveis males.

É que num dos grupos de whatsapp que participo encontro uma postagem em que o presidente da CDL de Itabuna, Carlos Leahy, e um executivo do Cebrac (cursos profissionalizantes) apresentaram projeto ao secretário municipal da Educação, Júnior Brandão, para dar finalidade aos lacres. As duas instituições e as escolas municipais arrecadariam os lacres e os trocariam por cadeiras de rodas. Nada mais justo.

Enfim, encontrei utilidade para o meu estoque, que até há pouco era visto como inútil, um estorvo a tomar lugar de materiais mais produtivos nas vasilhas domésticas. Sem falar no alívio da consciência em me sentir com o dever cumprido. Já estou planejando uma viagem extemporânea a Itabuna, quando entregarei minha humilde porém digna produção de lacres, que por certo beneficiarão pessoas com necessidades especiais.

Carlos Leahy que me aguarde, de já garanto que me esforçarei em tão digna empreitada!

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Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado