No encerramento da 7ª Festa Literária de Ilhéus, nesta sexta-feira (15), o escritor Mia Couto falou da influência da literatura brasileira nos países lusófonos da África, a exemplo de Moçambique, sua terra Natal. Por duas vezes, fez deferência à obra de Jorge Amado, autor que deu nome ao espaço das mesas principais da FLI. Na primeira, arrancou gargalhadas da plateia relembrando quando levou Caetano Veloso às lágrimas com homenagem ao escritor grapiúna.

No Brasil para o lançamento do seu novo livro, A cegueira do rio, editado no País pela Companhia das Letras, Mia Couto recordou o episódio em que a mesma editora reeditou toda a obra amadiana e reuniu autores para a cerimônia de lançamento, em 2008, na cidade de São Paulo. Entre os convidados, ele, Chico Buarque e Caetano Veloso.

“No avião, eu pensei: eu leio tão mal, eu com esse sotaque mais português do que brasileiro”, contou o moçambicano. Ao invés da leitura, decidiu explicar como Jorge Amado atravessou o Atlântico para ser um parteiro na África.

“Ele influenciou a criação de uma literatura que estava a querer nascer, em processo de parto, em Angola, São Tomé, Guiné Bissau, Moçambique e Cabo Verde. Então, colecionei depoimentos de escritores desses países que diziam quanto Jorge Amado os ajudou a encontrar um caminho”.

Terminada a homenagem com os relatos dos autores africanos, Mia Couto passaria o bastão para Caetano, mas o baiano demorou de aparecer. A Mia, o cerimonial disse que o cantor, compositor e escritor de Santo Amaro assistiu comovido aos depoimentos dos autores de língua portuguesa sobre Jorge Amado, desatou a chorar e precisava de um tempo para se restabelecer.

“Agora, eu posso pôr no meu CV [currículo vitae] que eu fiz chorar Caetano Veloso”, brincou Mia, dirigindo-se novamente ao público da 7ª FLI.

A CAMINHO DA LÍNGUA

No final da mesa de discussão, a mediadora Elisa Matos leu perguntas da plateia. Uma delas, do ator e poeta itabunense Jackson Costa, questionava quais aspectos da literatura de Jorge Amado mais encantavam o convidado.

Na resposta, Mia Couto destacou a capacidade do autor grapiúna de construir personagens complexos a partir de tipos populares, o que, segundo ele, foi surpreendente para gerações inteiras na África lusófona. “[A primeira questão era] como é que a gente vai fazer este pescador, esse marinheiro, essa pessoa que passa em frente da minha varanda, da minha porta, se transformar num personagem que tem todo o direito de ter uma história, e eu trago esta história para o papel. Esse era o primeiro desafio”.

O segundo, conforme o membro correspondente da Academia Brasileira de Letras, era desbravar um caminho na língua herdada da colonização para reinventá-la. A inspiração estava do outro lado do Atlântico.

“A gente tinha uma outra licença para usar uma língua que foi deixada pelo colonizador, mas tinha que ser ajustada às nossas culturas. E a resposta vinha do Brasil. Vinha do Jorge Amado, de outros poetas, do Guimarães Rosa, do Manoel de Barros. Toda essa gente trouxe essa autorização, essa licença para a gente recriar o português da nossa maneira. Se eles fazem lá no Brasil, também podemos fazer nós no nosso lar”.

Com programação de 13 a 15 de novembro, a 7ª Edição da FLI (Festa Literária de Ilhéus) é uma produção da Sarça Comunicação, tem a LDM como editora oficial, parceria com a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) e conta com o apoio da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), do Governo da Bahia, por meio da Bahia Literária, ação da Fundação Pedro Calmon/Secretaria de Cultura, da Secretaria de Educação e da Secretaria de Turismo.