Por Walmir Rosário
Longe de mim querer me imiscuir nas coisas divinas, especialmente do céu, mas não posso deixar de me manifestar acerca de alguns acontecimentos passados de um certo tempo pra cá. Pelo que tenho notado, Deus tem feito escolhas bastante significativas nas pessoas levadas para junto dele, nos deixando chorosos. Esse fato me dá a impressão de que ele pretende formar uma seleção de futebol aí por cima.
E num ato de contrição, vou logo pedindo desculpas, se for o caso: “Eu pecador, me confesso a Deus Todo-poderoso, que pequei muitas vezes, por pensamentos, palavras, atos e omissões, por minha culpa, minha máxima culpa…”. Não quero, aqui, dar pitacos sobre as decisões divinas, e vou ressaltando que estou arrependido de todos os pecados que por acaso aqui cometerei. Mas não é só por minha culpa.
Desde cedo – ainda na infância – me acostumei com as imagens produzidas pelos artistas plásticos – especialmente os pintores – sobre o céu, com aquelas paisagens tranquilas, sempre nas cores azul e branco, e os personagens em profunda contemplação. Peço perdão caso meu raciocínio venha profanar a morada celestial, mas acredito que não combina a enlevação dos pensamentos com a prática do futebol nesta santa morada.
Os amigos que me perdoem se insisto em falar desse tema, misturando fatos mundanos e divinos. Mas minha mente não consegue alcançar o porquê dessas escolhas – o que é mais um pecado. Nos últimos tempos perdemos por aqui Léo Briglia, Fernando Riela, Lua Riela, Luiz Carlos, Daniel Souza Neto (Danielzão), e agora, sem mais nem menos, Nelito Pedreira, João Augusto Mangabeira França e Pelé. De uma só vez!
Nelito e Augusto foram dois baques feios. Parece até aquelas cenas de filmes hollywoodianos. Amigos tão chegados no futebol e na vida, foram embora, sem mais nem menos, em cerca de 44 horas. Nelito, por anos professor de química, empresário do ramo do comércio agropecuário, esportista, aos sábados, não dispensava o encontro com os amigos para o “baba” semanal. E lutou para ter um campo próprio.
Assim que soube da morte dos dois amigos, liguei para outro em comum, Napoleão Guimarães, que lamentou o desaparecimento de Nelito e Mangabeira, com os quais conviveu e trabalhou ao lado deles por vários anos. Contou-me a situação debilitada em que os dois se encontravam e enalteceu a passagem deles no planeta terra. “Parece até que combinaram”, arriscou dizer Napoleão.
João Augusto Mangabeira França era um itabunense nascido em Senhor do Bonfim, com passagem pela capital baiana, onde exerceu a profissão de jogador profissional no Galícia, o Demolidor de Campeões, primeiro Tricampeão Baiano de futebol. Em campo, desempenhava o ofício de zagueiro, não daqueles acostumados a tirar a bola do adversário com chutes e pontapés, mas com classe, se antecipando às jogadas.
Em Itabuna foi professor de Educação Física, professor de Inglês, vendedor de produtos agropecuários e empresário do ramo de representações de empresas, mais conhecido como caixeiro viajante. Viajou pelo sul e extremo sul da Bahia vendendo produtos alimentícios aos supermercados. Não dispensava passar o fim de semana em Itabuna para o “baba” dos veteranos, no estádio Luiz Viana Filho, e depois no bairro Jorge Amado.
Juntos, cursamos direito, ainda na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (Fespi), depois Uesc. Ainda acadêmico, era conhecido pelo carinhoso nome de corregedor, título dado por nós, pela sua idade superior à nossa e o seu jeito de dar seu parecer para finalizar as discussões. No período de provas estudávamos em sua casa, grupo de estudos que se transformava num encontro etílico após umas boas doses da famosa Cuba Livre.
Por muitos anos me abastecia com as histórias e estórias do seu tempo como jogador profissional no Galícia. Ele se divertia com a diversidade de cultura e temperamento dos jogadores e contava passagens memoráveis acontecida em campo e extracampo. Dentre os seus personagens prediletos o colega Apaná Venâncio e o treinador Sotero Montero, este pela surrada frase: “É pelo arriar das malas que conheço o bom jogador”.
Por algum tempo o Dr. Augusto Mangabeira frequentou as lides forenses, mas não se conformava com as pesadas gavetas nas quais dormitavam os processos, mesmo sendo arquivados em armários de prateleiras de aço, portanto, fáceis de serem vistos e retirados para apreciação. Continuou se dedicando às pastas de representação, tirando pedidos nos armazéns e supermercados, nos quais era bastante conhecido e querido.
Passamos um certo tempo sumidos entre nós e recebia notícias dele quando encontrava o seu irmão, o médico Antônio Mangabeira, que uma das vezes me informou sobre o acometimento de Alzheimer. Outro colega desde os tempos da universidade, o advogado José Augusto Ferreira Filho, me contou que, ao chegar para uma audiência, encontra o colega Augusto Mangabeira, desta feita não no mister de advogado, mas como parte, quando era requerida sua interdição, por causa dos esquecimentos provocados pelo mal.
Todos que por aqui passam cumprem sua missão, mas não sei o que está sendo reservado para eles lá em cima. Se não for pecado, torço que o Todo-poderoso forme uma seleção imbatível. Competência eles têm, pois aqui foram testados e aprovados.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado