Criança sem família, família sem criança

Há cerca de 30 mil crianças e adolescentes acolhidos no Brasil em abrigos, casas lares e instituições. Muitas delas estão em extrema vulnerabilidade social, ou foram abandonadas, ou até mesmo consideradas vítimas de maus-tratos, abuso sexual ou negligência.

Por outro lado, há estimadamente 33 mil pretendentes à adoção. Então, poderiam estar todos adotados? A resposta é não. Isso porque o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a perda do poder familiar só deve acontecer em casos extremos. Ou seja, muitas delas vão voltar para a família original.

Preferencialmente, a criança precisa ficar com a sua família biológica – pai e mãe. “Faltando a família biológica, ela vai para a família extensa – tio, tias e avós. E não havendo família extensa é que se procura uma família substituta para ela (a família por adoção)”, complementa Gisele Aguiar.

Ou seja, mesmo com tantas crianças acolhidas, nem todas estão disponíveis para serem adotadas. Atualmente, são apenas 3.963; das quais 2.830 crianças são negras e 1.061 são brancas.

“Muitas estão acolhidas apenas como medida de proteção, de forma passageira, enquanto o Município resolve o problema que as levou ao acolhimento, como dependência química dos pais, situação de vulnerabilidade extrema, perda de moradia, entre outros”, destaca Gisele.

Além disso, o fato de apenas 39,91% dos pretendentes aceitarem crianças ou adolescentes de qualquer raça/etnia torna ainda mais distante a realidade utópica de não existir criança sem família e família sem criança.

Gisele revela que é perigosa a ideia “porque há muita criança necessitada” para justificar que as pessoas adotem da forma como queiram.

“Adoção não é política pública para sanar pobreza. Se tem tanta gente necessitada é porque o estado tá falhando na erradicação da miséria. Não podemos querer tirar os filhos de quem é pobre”. Para ela, o ingresso da criança em uma família substituta (por adoção) é necessário passar por um procedimento judicial que garanta o interesse da criança.