Por Lisdeili Nobre
Agosto tornou um mês de conscientização das violências sofridas, de quem nasceu simplesmente no sexo feminino. Mobilizam-se diversos atos públicos em busca do rompimento das formas hierarquizadas de cidadania.
Como Delegada de Polícia lavro diversos procedimentos de violência contra a mulher. Lá no plantão policial constato, na forma mais real, o maior número de estupros da história, um aumento de 8,2 %, foram 56.820 estupros de vulneráveis, os quais sabemos que ainda está subnotificado.
Não é incomum lavrar um auto de prisão em flagrante delito de padrasto que abusam de enteadas com menos de 15 anos, sob condescendência da própria mãe. Filhas que pedem socorro, a quem por direito tem a obrigação de proteger, mas são chamadas de mentirosas, ou são agredidas fisicamente, caso manifestem atos de repulsa à um padrasto que aguarda o anoitecer para as práticas de abusos sexuais.
Histórias que são marcadas pelo forte patriarcalismo nos desenhos familiares, a desigualdade social e sequelas de longo período escravocrata, as quais dão contornos aos úteros que deveriam proteger, mastorando partícipes da violência sexual perpetrada por um novo parceiro da relação matrimonial.
Não discuto quem é a vítima, uma vez que mãe e filhas fazem parte de uma mesma e complexa relação social, que colocam suas mulheres em situação de extrema subalternidade nas perversas formas hierarquizadas de uma pseudocidadania. O acesso é tão mínimo a saúde, educação, renda e infraestrutura urbana, que lhe restam a sucumbir a um mundo de selvageria.
As opressões sobre estes pequenos corpos femininos são tão grandes, que as tornam impotentes perante a uma volumosa camada de instituições formais e informais, que normatizam seus destinos ao abandono. São pais, órgãos de segurança pública e sistema de justiça criminal.
Mas todos parecem operar em uma perfeita sinfonia da biopolítica, orquestrando uma seleção de quem tem importância social, isto é, a gestão política e normativa, que desconsidera crianças pobres e pretas e a gestão da vida e saúde fica restrita à um seleto grupo social, que é importante para ao capital.
O silenciamento diante da violência sexual começa na infância praticada por membros familiares, oriundo de marcadores como gênero, raça e classe. Este impiedoso roteiro está previsto já no ventre materno e faz que filhas, mães, avós absorvem cognitivamente no processo de compreensão das relações a inferiorização social e naturalização da violência no ambiente doméstico.
O patriarcado impõe a histórica dominação masculina e atravessa as relações institucionais familiares, segurança pública, justiça criminal, onde meninas pretas e pobres tem pouquíssimos valor, ou quase nada.
Neste complexo social mundo lilás, devemos reivindicar às relações sociais e institucionais, o dever gerar a cidadania plena a todas estas mulheres, cujos corpos estão marcados pelo racismo desde período colonial brasileiro. Coisificadas, são lhe subtraídas o direito de amar e de serem amadas, pois seu destino genético, ainda em 2023 é destinado a satisfação sexual, força de trabalho e reprodutora de mão de obra.
Conscientize, resista e reivindique.
Lisdeili Nobre é Doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania, Delegada de Polícia Civil, Docente do Curso de Direito na Rede UNIFTYC, Cronista de diversos Blogs, Abolicionista Penal, Ativista social em projetos de Politicas Criminais de Prevenção Primária e sustentabilidade ambiental e Apresentadora do Política sem Mistério transmitido pela TV Itabuna