Por Walmir Rosário

Até hoje o Itabuna Esporte Clube de 1970 é lembrando como um símbolo da prática do bom futebol, embora muitos torcedores não se lembrem da história – real – do campeonato baiano daquele ano. E esta crônica tem o dever moral de ampliar junto aos torcedores – daquela época ou os mais novos – o conhecimento dos bastidores do futebol baiano, como um todo, e do Itabuna, em particular.

Na crônica “Gabriel Nunes, o comandante do Itabuna de 1970”, fui questionado sobre os grandes times do Itabuna e muitos torcedores ligam a grande equipe formada em 1969, um verdadeiro timaço que foi desfeito com a renúncia da diretoria no começo de 1970. De repente, a fonte secou para o Azulão, o Meu Time de Fé. As torneiras que despejavam recursos vindos de cacauicultores e pecuaristas foram fechadas abruptamente.

Se puxarmos pela memória, conseguiremos lembrar que o futebol profissional baiano do interior sempre foi marcado por crises. Sem planejamento, os rios de dinheiro despejados pelos benfeitores para a contratação de jogadores do eixo Rio-São Paulo secavam com a falta de vitórias nos campeonatos. Se tínhamos uma torcida fanática e fiel, nos faltavam a continuidade administrativa, a boa gestão.

Em 1969, um grupo de produtores rurais montou um timaço, desfeito assim que o resultado pretendido não foi alcançado. Almejavam a conquista do campeonato baiano, que não veio. Mas como seria uma desmoralização para a cidade o Itabuna Esporte Clube sair do profissionalismo, pessoas influentes e o Conselho Deliberativo se reuniram em assembleia na Cooperativa Mista dos Fazendeiros para decidir os novos rumos.

Após muitos discursos, “a bomba cai no colo” do advogado Gabriel Nunes, com o respaldo de Gérson Souza (de reconhecida habilidade no trato com instituições sociais) e outra dúzia de abnegados. Era ano de Copa do Mundo, quando todo o Brasil estava de olho em Guadalajara, no México, torcendo pelo tricampeonato da seleção de Saldanha, transferida posteriormente para o técnico Zagalo.

O Itabuna Esporte Clube, a bem da verdade, em relação ao ano anterior, era um time desfigurado. Juntou-se aos poucos remanescentes de 1969 alguns amadores e partiram para a disputa do primeiro turno. No primeiro jogo, em Vitória da Conquista, de cara, perdemos pelo placar de 2X0, numa partida em que o goleiro titular, Betinho, foi substituído pelo grande Luiz Carlos e foi jogar no ataque.

Inicialmente, se a crise prejudicou o Itabuna, em seguida o ajudou bastante, com a saída do trio ilheense – Colo-Colo, Flamengo e Vitória – que se despedirem do Campeonato Baiano e muitos dos jogadores vieram reforçar o Azulão. E por aqui chegaram Americano, grande meio-campo; Chuvisco, um cabeça de área duro; Carlão, bom centroavante; Ronaldo, excelente ponta de lança e que acabou sendo uma das grandes revelações.

E a competência e liderança de Gabriel Nunes dentro e fora de campo se mostrou eficiente e eficaz na união de cartolas e jogadores, que abriram mão de salários e bichos para receberem 70% da renda dos jogos. Se em 1969 grassavam recursos financeiros, em 1970 sobravam criatividade, transparência, lealdade e amizade, consolidando a união entre diretoria e jogadores. E assim foram campeões do segundo turno.

Um notável exemplo dessa união foi um acordo feito pela diretoria com os jogadores – na maior parte solteiros ou com a família em outras cidades – sobre o comportamento. Como eles moravam na Casa do Atleta, no São Caetano, combinaram que os jogadores poderiam ter seu lazer da ponte para o bairro, inclusive nas farras. Já os dirigentes, fariam suas festas somente do lado do centro. E assim conviveram bem.

O advogado Geraldo Borges, que à época era narrador esportivo vivenciou essa história pessoalmente e condena a “armação” do Bahia e da Federação Bahiana para prejudicar o Itabuna. Para ele, enquanto o Bahia foi disputar o campeonato brasileiro com os melhores do País, o Itabuna para não ficar parado ficou por aqui jogando com os piores do Brasil, os que apareciam do futebol amador. E deu no que deu.

Na opinião de Geraldo Borges, o Bahia é um dos grandes times do país. Afinal, bicampeão brasileiro, continua padecendo dos costumes impostos por antigos dirigentes que tudo faziam pra ganhar. Não importava os meios, nem ter um bom time – mas ganhar ainda que pudesse repetir 1970. E essa lógica do futebol baiano fez desaparecer alguns times da capital e do interior.

E Geraldo diz que no dia que os dirigentes do Bahia perderem o que Nélson Rodrigues chamava de complexo de vira-lata, aí sim, nós teremos um time que não precisa disputar o brasileirão com a calculadora na mão, naquilo que se convencionou como o “matematicamente possível. Com 25 anos como narrador esportivo, acompanhando o futebol amador e profissional do nosso estado, é o que pensa Geraldo Borges.

E para finalizar, conto duas preciosidades do 1970: num dos jogos o jogador Neném, que atuava na defesa e ataque, teve que sentar no banco uniformizado de goleiro, pois o reserva Galalau estava machucado. Em outra partida, nas finais do campo da Graça, o roupeiro José Rodrigues, de cerca de 60 anos, foi para o banco, já que o Itabuna não contava com o número de jogadores suficiente conforme exigia o regulamento.

Em campo, o Itabuna de 1970 era um vencedor; fora dele, só Nélson Rodrigues para explicar o comportamento dos cartolas soteropolitanos.

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Walmir Rosário é radialista e advogado