Por Walmir Rosário

As festas natalinas e a passagem para o ano novo criam um clima de muita sensibilidade em todo o mundo, notadamente nos países de população cristã, embora as duas datas sejam comemoradas por todos os povos, em alguns casos, distintamente. Se bem que são festas diferentes, com o Natal anunciando a chegada do Deus Menino, e o Ano Novo a representação da mudança por um período melhor.

As duas datas são comemoradas há milênios e até hoje contagiam. O Ano Novo foi criado por decreto, 46 anos antes do nascimento de Jesus Cristo, pelo poder da caneta e pergaminho do romano Júlio César, e dedicado ao deus Jano. Um pouco mais tarde, a festa foi afrancesada e passou a ser conhecida como Réveillon, cujo significado é o de acordar, animar, o despertar de um novo ano.

A celebração do Natal é mais nova e representa no povo cristão o renascimento nos corações do amor, da paz e da esperança, em um mundo de fraternidade, de doação, com a chegada do que se fez homem para nos salvar. Como disse João (1,14) na Bíblia Sagrada: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Que graça maior poderíamos, nós filhos, esperar de Deus?

E Jesus Cristo nos trouxe fé, esperança, o caminho da verdade e da vida. Provocou a ira dos poderosos, os quais os perseguiram desde seu nascimento até os 33 anos, quando deram cabo de sua vida. Morreu por nós numa cruz, num gesto de amor. Muito tempo depois os cristãos passaram a comemorar o nascimento de Jesus como o novo tempo e passou a ser celebrado em quase todo o mundo.

No século V a Igreja Católica passa a celebrar a Missa do Galo, na Basílica de São Pedro. Com São Francisco do Assis, em 1223, a celebração do Natal ganhou a representação da manjedoura em presépio, hoje cada vez mais raro. Também ganhou a Árvore de Natal (um pinheiro), criação dos nórdicos para os festejos do solstício de inverno (21 de dezembro), comemorando a fertilidade.

Hoje os tempos são outros e a comemoração de Natal poderá ter todos esses símbolos juntos, ou não. O mesmo acontece em relação ao sentimento religioso, que a cada dia cede espaço para a festa comercial em que se festeja a simples troca de presentes, mesmo que não aconteça entre amigos, como nas confraternizações realizadas nas empresas e até entre famílias. Presentear é sempre bom, quando com amor.

Se o Natal é uma festa de amor, não poderia desprezar essa condição primordial entre amigos, pois nada mais é um amigo senão um irmão que você ganhou sem a necessidade de que tenha nascido da mesma família biológica. Se o Natal é uma festa que faz renascer nos corações o sentimento de paz, esperança e fraternidade, também é época propícia para a doação e o perdão.

Conheço algumas pessoas que – mesmo sem maiores posses financeiras – festejam o Natal encarnando o Papai Noel, demonstrando gestos de amor e fraternidade às pessoas estranhas aos seus círculos de amizade. Trabalham o ano inteiro guardando recursos para adquirir presentes a serem dados a crianças de famílias carentes, que muitas vezes também são premiadas com cestas básicas e podem celebrar uma festa natalina digna.

Que amigo maior teve a humanidade senão o próprio Deus Filho, encarnado para nos salvar? É nesta premissa que acredito deva voltar a festa natalina à sua tradição, privilegiando o sentimento de família, de amizade. Não vamos simplesmente criticar o consumismo exagerado, e sim utilizando-o como uma forma de sermos gentis com o nosso próximo em suas necessidades, sem deixar de brindar os amigos.

Mas nos avizinha uma dúvida: Quem são os nossos amigos? Os das redes sociais, os quais nos orgulhamos de termos aos milhares, quando são, na verdade, seguidores, ou aqueles com os quais compartilhamos nossas alegrias, e sim, também, até as tristezas. O amigo é que aquele que divide a vida e os sentimentos, aquele que doa a amizade sem esperar nada em troca. Não é um utilitarista.

A cada dia está mais difícil cultivar a amizade, embora os ensinamentos de Jesus Cristo perdurem até hoje. Quem, de bom grado, se dispõe a escutar o amigo nas horas incertas, transformando suas fraquezas em fortalezas. O amigo tem que ter a dignidade de ouvir com todo o respeito, mesmo que discorde de tudo que diz e pensa o outro amigo, inclusive as divergências políticas.

Só o verdadeiro amigo tem o sentimento da ausência do amigo distante, mesmo que se situem bem próximos, fazendo-o lembrar de passagens importantes, como dar os parabéns pelo aniversário (sou péssimo nisso). O amigo não se magoa com o mau humor do outro e, ainda por cima, tem a gentileza de convidá-lo para alguma comemoração em volta de uma mesa, de bar por preferência, transformada em confessionário.

Temos que distinguir o amigo do colega, do conhecido, do confrade, do seguidor nas redes sociais e ter a grandeza de transformá-lo num amigo, caso mereça esse majestoso título social, ou mais que isso, cristão. Lembremo-nos do amor de Cristo por nós, que desceu à terra numa simples manjedoura, passou toda a sua vida humana nos mostrando o caminho e ainda morreu na cruz para nos salvar.

Só se pode mensurar a importância de um amigo quando o perdemos. Então, que a sensibilidade que aflora em nós no Natal e Ano Novo continue para sempre e contagiem, cada vez mais, a humanidade. Não precisa esperar o final de 2022.

——–

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado