Por Walmir Rosário
Meus personagens de hoje não têm compromisso algum, não devem obediência a ninguém, entram e saem de onde e na hora que querem, levam o tempo a passear pelas ruas de Paraty e ainda aproveitam para dar um “bordejo” pela praia do Pontal. Não usam roupas apropriadas ao banho, e sequer se preparam para a defesa dos raios solares com bronzeadores. Vivem livres e soltos.
Não são seres humanos e sequer têm nomes. Não importam para eles esse costume legal, mas o certo é que são admirados e respeitados por todos, sejam nativos ou turistas. Esses dois seres são animais ditos irracionais, cachorros, cães, como queiram chamar, até de vira-latas, embora eu não tenha o conhecimento adequado para tal.
Poderiam ser apenas mais dois cães entre tantos que preambulam pelas ruas de Paraty. Mas não, basta o repicar dos sinos da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, Nossa Senhora do Rosário ou de Santa Rita, que os dois se dirigem para um desses locais. Chegam sem pedir licença, e se acomodam no tapete da passarela de entrada, sem qualquer cerimônia.
Hoje são dois, mas já foram três. Um deles sumiu, dizem que morreu, mas não se sabe ao certo. De vez em quando, aparece mais um para desfrutar da companhia, mas por pouco tempo. Não consegui distinguir o porquê de não se adaptar aos mais diferentes atos litúrgicos, que compreende muitas falas e músicas, ou se não gostou de algo. O certo é que esse terceiro é esporádico.
Como os dois, tem a mesma pelagem e cor, são chamados de Caramelo, quem sabe se por estar surfando nas ondas das redes sociais mundo afora. Os dois costumam se acomodar conforme o ritual litúrgico. Deitados na passarela de entrada, e assim que o cortejo passa para a área do altar – se desviando deles –, também se dirigem ao púlpito no qual descansa a Bíblia Sagrada.
Assim que o celebrante lê o Evangelho e segue pregando a homilia, um deles se coloca na frente e outro atrás do púlpito, em posição de descanso, como se estivesse prestando a atenção ao padre. Recordo que o durante a Celebração de Missa do Divino Espírito Santo, o Padre Roberto (ex-pároco), demonstrou cuidado especial para não incomodá-los, sequer pisá-los, distraidamente.
Parece até que os dois (Caramelos) conhecem, de cor e salteado, a liturgia, se posicionando em locais diferentes. Assim que a Missa está sendo finalizada, eles se dirigem à passarela, como costumam fazer os fiéis. Se estiver programada uma procissão, eles não se fazem de rogado e a acompanham pelas ruas da cidade até o retorno à Igreja.
Confesso que esta não é a primeira vez que tomo conhecimento da predileção desse tipo de animal por igrejas. Já assisti reportagens em alguns canais de TV, uma delas de um cachorro na cidade de Tanquinho, nas proximidades de Feira de Santana. Ele frequenta, religiosamente, as funções litúrgicas, nos horários programados em qualquer dia da semana.
Desconheço totalmente os costumes dos cachorros, pois não crio animais e nem tenho intimidade por eles. Embora respeite qualquer ser vivo, prefiro manter minha privacidade, daí não ter informação alguma sobre a inteligência e costumes. Ouço falar que existem raças inteligentes e que se prestam (ou são melhores) para a guarda, caça, mas nunca para a religião.
Não me levem a mal e nem pensem que cometo qualquer heresia a falar da relação dos animais e a religião, pois um grande exemplo foi o de São Francisco, que considerava os animais seres criados por Deus. Tanto é assim que é considerado o santo protetor dos animais. Mostra a história que enquanto São Francisco pregava era rodeado por animais.
Jamais interpretarei esse costume dos animais que se refugiam ou participam dos atos litúrgicos da Igreja Católica como sendo um aviso de Deus à humanidade pelo seu afastamento das coisas divinas. Mas que parece, parece. Principalmente quando os cristãos – que se autodenominam católicos – se afastam da Igreja, ignoram os ensinamentos, desprezam as funções religiosas.
Se não consigo decifrar a teologia, menos, ainda, a vida dos animais. Faltam-me conhecimentos filosóficos e científicos para tal debate, mas não posso me esquivar de trazer o tema às discursões dos entendidos. Caso não seja atendido nessa arguição, acredito que seja válido disseminar essa informação inusitada no comportamento dos cachorros, notadamente os dois de Paraty.
Seria, por acaso, um mistério divino?
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado