Do ConJur
A juíza Lisa Taubemblatt, da 6ª Vara Federal de Santos, rejeitou denúncia do Ministério Público Federal contra o ex-presidente Lula. O petista foi acusado de instigar a ocupação do tríplex do Guarujá.
“A denúncia deve conter a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias. Este é o núcleo da imputação, a causa de pedir, devendo limitar com precisão os fatos narrados para que seja possível o exercício do contraditório e da ampla defesa. Deve conter as elementares e as circunstâncias de tempo, modo, maneira de execução, assim como individualizar a conduta do acusado. Denúncia genérica, vaga, imprecisa, em que não se individualiza a conduta do agente é considerada inepta”, afirma a decisão.
Lula, Gilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e outras três pessoas ligadas a movimentos sociais foram acusadas com base no artigo 346 do Código Penal.
O trecho prevê detenção de seis meses a dois anos para quem “tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção”.
A ocupação do imóvel ocorreu em 16 de abril de 2018, nove dias após Lula ter sido preso. Como o ex-presidente estava detido durante a invasão do imóvel, o MPF afirma que o petista “estimulou” a ocupação.
De acordo com a denúncia, Lula teria poder sobre os manifestantes partidários a ele. Dessa forma, suas declarações possuíam valor de ordem.
“No momento em que conclamou os manifestantes a ocuparem o imóvel, ele foi ovacionado, o que demonstra que, na qualidade de líder político e possuidor de um carisma diferenciado perante movimentos sociais de tal natureza, a convocação feita por Lula foi recebida pelos manifestantes como uma ordem”, diz o MPF. O documento é assinado pelo procurador Ronaldo Ruffo Bartolomazi.
A “ordem” dada pelo ex-presidente se refere a uma fala dele no dia 24 de janeiro de 2018, pouco mais de dois meses antes de ser preso, durante um ato na praça da República, no centro de São Paulo. “Eu até pedi pro Guilherme Boulos mandar o pessoal dele ocupar aquele apartamento. Já que é meu, ocupem”, ironizou Lula na ocasião.
A denúncia do MPF se valeu do artigo 29 do Código Penal, que faz referência ao concurso de pessoas. O dispositivo determina que o agente que, “de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
O artigo é o único elemento da acusação que liga Lula à ocupação. Como ele não esteve presente no apartamento, esse foi o caminho que o MPF encontrou para tentar criminalizá-lo pela conduta prevista no artigo 346.
Ausência de nexo causal
A juíza considerou que a denúncia só poderia ser aceita se respeitasse os requisitos presentes no artigo 41 do CPP, que trata dos elementos da ação penal.
Para ela, embora Lula tenha afirmado em São Paulo que pediu para Boulos ocupar o tríplex, “tais manifestações, por si só, não são aptas a constituir nexo causal entre a participação intelectual do acusado e a conduta delituosa direta”.
Por isso, prossegue a magistrada, o MPF “não vinculou de modo conclusivo, necessário e determinante a conduta individual do agente ao evento delituoso, tendo em vista que, no decorrer dos quase três meses transcorridos entre o ato público e o dia 16/4/2018 (data da ocupação), diversos outros fatores preponderantes podem ter interferido na vontade livre e consciente dos participantes do fato delituoso”.
A juíza rejeitou especificamente a denúncia contra Lula. No caso de Guilherme Boulos, Anderson Dalecio Feliciano, Andréia Barbosa da Silva e Ediane Aparecida do Nascimento, a magistrada decidiu por manter a audiência de transação penal, que está agendada para ocorrer no dia 16 de julho.
À ConJur, o advogado Cristiano Zanin, que faz a defesa de Lula, reafirmou que a denúncia era inepta. “Desde o primeiro momento identificamos que a denúncia não reunia condições mínimas para ser recebida e processada e isso foi reconhecido na decisão proferida hoje pela Justiça Federal de Santos em relação ao ex-presidente”, disse.
Alexandre Martins, advogado de Guilherme Boulos, diz ter “a plena certeza que, na primeira oportunidade em que o Poder Judiciário tiver de apreciar a aptidão jurídica da acusação na perspectiva especifica de Guilherme, o destino será a vala das denuncias rejeitadas”.
A diferença de tempos de análise das denúncias ocorre porque a situação processual de Boulos é diferente da de Lula, uma vez que Ministério Publico Federal requereu o inicio do processo no que diz respeito ao petista antes do que em relação aos demais.
Essa é a segunda denúncia contra Lula que é rejeitada liminarmente pela Justiça. A primeira ocorreu em setembro de 2019. Na ocasião, o MPF afirmou que o ex-presidente e seu irmão mais velho José Ferreira da Silva, o Frei Chico, participaram de um esquema de “mesadas” envolvendo a Odebrecht.
Jornalistas de Folha
Conforme revelou a ConJur, durante a fase de inquérito que gerou a nova queixa, até mesmo dois jornalistas da Folha de S.Paulo acabaram sendo investigados.
De acordo com a denúncia do MPF, os repórteres “teriam participado da invasão do edifício Solaris e do tríplex”. A instituição considerou, no entanto, que “a conduta deles não se amolda ao tipo penal do artigo 346 do Código Penal”.
“Assim, por ausência de indícios de autoria criminosa, o Ministério Público Federal requer o arquivamento do presente inquérito policial em relação aos
investigados, com as cautelas de praxe e sem prejuízo do artigo 18 do Código de Processo Penal e na Súmula número 524 do Supremo Tribunal Federal”, afirma.
Clique aqui para ler a decisão 5000261-75.2020.4.03.6104