Walmir Rosário
Cara feia, não dá risada no meio da rua, não cumprimenta as pessoas. Essas são três das características consideradas negativas para um candidato a qualquer dos cargos políticos existentes. Em Itabuna, um dos pretendentes ao cargo de prefeito pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Ronald Kalid, é distinguido por possuir justamente esses três atributos, ou mais.
Daí, se torna voz corrente em alguns grupos políticos e até de profissionais da imprensa, a impossibilidade de Ronald Kalid se eleger prefeito de Itabuna. Os motivos citados são os mesmos de sempre: não dá tapinha nas costas, beijinhos nos eleitores e tampouco promete rios de leite e ribanceira de cuscuz assim que consiga se eleger.
É assim que a banda toca. O mais absurdo é que as avaliações partam justamente de pessoas que tem o dever de conscientizar a população e não construir mitos para depois derrubá-los, num ato explícito de iconoclastia. Ascendeu a um cargo de destaque, vamos cortar seus pés, conforme a prática costumeira de tempos bem remotos. Criamos os mitos, mas não idolatramos.
É incrível que nos tempos atuais a modernidade ignore princípios filosóficos como os criados pelo Iluminismo, que procurou mobilizar o poder da razão a fim de reformar a sociedade, indo contra a intolerância e os abusos cometidos pela Igreja e o Estado. Entretanto, mais de 300 anos depois, estamos vendo esses absurdos de volta e em voga.
Até bem pouco tempo, a cooptação de políticos era uma prática largamente utilizada pelos políticos de situação, com a finalidade de convencer membros da oposição da importância dos projetos de governo. Com isso, aumentava o poder junto ao legislativo, tudo em nome da governabilidade. Artimanhas à parte, esse processo era feito com bastante discrição, para não despertar a ira dos políticos de partidos adversários.
Mas hoje os tempos são outros e, sequer terminada a apuração dos votos, os parlamentares “caem em campo” para se oferecer ao prefeito, governador ou presidente da República. Ao contrário de antes, o modus operandi mudou e o parlamentar que antes era o agente passivo, agora é ele o agente ativo, que age sem a menor cerimônia, sob a desculpa de que com a queda do muro de Berlim tudo em política é permitido, inclusive a esculhambação.
É claro que os políticos nunca foram santos ou anjinhos, mas prevalecia a fidelidade partidária e, pasmem, a ideologia. Esquerda e direita, quando eram sinônimos de vanguardismo e conservadorismo, respectivamente, tinham programas debatidos entre os diretórios e militantes e eram apresentados como se fosse uma constituição partidária a ser seguida. Os políticos que não queriam se submeter às regras desses partidos se filiavam em partidos considerados de centro e circulavam com desenvoltura em palanques divergentes, sem nenhum constrangimento.
Atualmente, três partidos se odeiam e tentam eliminar uns aos outros: Democratas (DEM), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Partido dos Trabalhadores (PT). DEM e PSDB possuem programas parecidos e se unem contra o PT, sendo que a recíproca é mais que verdadeira. Embora as diferenças possam parecer abissais, tem sido muito frequente a presença de “tucanos” se bandeando para as hostes petistas.
Na Bahia não é diferente e muitos desses parlamentares se ofereceram no primeiro momento ao Governo do Estado. Alguns aceitos, outros não. Este último grupo, talvez por não ter sido considerado confiável do ponto de vista da traição, se é que essa premissa é possível. Outro grupo também se sobressai pela capacidade de oferecer seus serviços – especializados, diga-se de passagem – a quem realizar o melhor pagamento.
Vende o partido sem consultar a executiva ou diretório, sob a desculpa de que a eleição e o mandato o conferiu prerrogativas suficientes para agir como déspota, em tempos em que perdura a democracia – mesmo a burguesa. Esquerda e direita é apenas uma simples orientação espacial representando lados opostos, até mesmo por falta de conhecimento de que houve a Revolução Francesa, com girondinos a jacobinos. Pouco importa.
O risco maior é perder o controle do partido, utilizado nas barganhas políticas nem sempre confessáveis. O partido é apenas um instrumento de negócio, composto por pessoas da estrita confiança e que não costumam fazer perguntas. Estão ali para servir ao chefe que lhe provêm através de cargos públicos de gabinete ou em sinecuras na máquina executiva. Caso haja divergência não haverá lugar para a convivência democrática das partes e uma das duas terá que procurar novo abrigo.
Mas voltando ao PSDB de Itabuna, a direção do partido, após ouvir a direção estadual, garante candidatura própria, dada a condição de grande partido e possuir um grande cabedal de eleitores. Entretanto, sem ouvir a maioria, filiado com mandato faz estardalhaço de que o partido será “negociado” ao DEM do Capitão Azevedo, não se sabe a que tipo de acordo ou quais os contratos que serão firmados.
O fato é que, apesar de ser considerado um profissional competente, um urbanista experimentado, um secretário de Viação e Obras que teve competência para mudar “a cara” de Itabuna, Ronald Kalid não é analisado por essas qualidades. Muda-se o conteúdo do debate, privilegiando-se a característica populista (negativa), desprezando-se a essência, o caráter e o preparo do candidato para ocupar um cargo público. Quanta pobreza de pensamento!
Daí que me pergunto: Por que e do que essas pessoas têm medo? De Ronald Kalid mudar o relacionamento político entre os partidos? Extinguir o relacionamento promíscuo entre os poderes executivo e legislativo? Dar dignidade ao relacionamento com os fornecedores, contrato com pessoas físicas e empresas? Não firmar contratos para prestação de serviços “amarrados” ao apoio político?
É essa a gerência da coisa pública que geralmente se quer, mas que não se costuma praticar. Enfim, resta apenas uma pergunta: Você quer votar num candidato a prefeito de Itabuna com esse perfil ou em alguém que consiga manobrar (como sempre) e ainda saia por aí distribuindo beijos e abraços? Minha preferência continua sendo pelo primeiro. E a sua?
Ainda é cedo de mais para lançarmos candidato (ou pré-candidato, para não incorrer em crime eleitoral), mas essas mal traçadas linhas têm apenas a finalidade de alertar eleitores e profissionais da mídia sobre o “lugar comum” das análises, feitas corriqueiramente de forma errônea.
Walmir Rosário é advogado, jornalista e editor do site www.ciadanoticia.com.br