




Por Walmir Rosário
Mas como nem tudo é perfeito – ou, pelo menos, unânime –, alguns grupos sociais não têm esse mesmo sentimento, pois algumas das muitas denominações de religiões cristãs simplesmente desconhecem o calendário, como dizem eles, forjado pela Igreja Católica. Já entre agnósticos e ateus, o Natal é visto por muitos como um tempo de comemoração entre família, apenas por tradição. E as festividades atravessam os anos, milênios.
Seria muito bom que o sentimento natalino se perpetuasse per omnia saecula saeculorum. Bom mesmo seria que se estendesse por todos os dias do ano, propiciando uma sociedade mais justa, mais humana. Sim, pois cada ser humano que vem ao mundo tem direito a ser feliz em sua plenitude. Nada mais justo, embora a felicidade tenha que ser sonhada, buscada por cada um de nós.
Penso que a felicidade é encarada de forma diferente por cada um de nós, com nossos desejos particulares, sejam eles espirituais, materiais. As escalas também são distintas, haja vista os sentimentos e desejos individuais. E já que estamos falando da natividade de Jesus Cristo, podemos citar um ditado corrente na boca do povo: “O pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada”.
Há, ainda, os que tentam desclassificar o Natal pelo consumismo, alardeando que a data foi transformada numa festa das vendas, desvirtuada do sentido espiritual pela ganância do mercado. Penso que esta é outra falácia, pois, por mais modesto que seja o ser humano, ter o poder de compra é uma realidade do mundo em que vivemos, desde que o consumo seja equilibrado às posses de cada pessoa.
Ora, pra que trabalhamos? Para termos uma vida decente, oferecendo aos nossos o bem-estar. Comer bem, morar bem, ter direito ao lazer, fazem parte de nossos hábitos de vida desde nossa infância. Nada melhor do que chegar ao fim do ano e poder utilizar o nosso salário, incluindo, aí, o décimo terceiro, para nos presentear com uma roupa nova, bens duráveis para casa, uma ceia diferente.
O mundo em que vivemos pode ser simples ou complicado, a depender do que queremos. As facilidades são criadas por nós, bem como as dificuldades. Elas estão inseridas em nossas cabeças, guardadas em nossos corações, nas ações do nosso dia a dia. Nós somos arquitetos do nosso modo de ser, planejando e privilegiando o fazer dos desejos e aspirações. O resultado depende da sabedoria acumulada por cada um.
No dia a dia temos que saber vislumbrar as armadilhas e saber desmontá-las com sabedoria. Nada mais simples e didático do que viver de acordo com o que somos, o que podemos. Já dizia o evangelista Mateus: “A cada dia sua agonia”. Num conceito mais simplório, as dificuldades existem e devem ser superadas, cada uma por vez, pois novas certamente virão e deverão ser combatidas a seu tempo.
Melhor seria que o espírito natalino extrapolasse o fim de cada ano, ultrapassasse as confraternizações com os amigos e colegas, as comemorações de nossas casas, a Missa Galo na Igreja Católica, os cultos nas demais igrejas. Que esse sentimento perdure em nossos corações, fazendo dele ações de graças cotidianas e rotineiras. Não é preciso gastar o escasso dinheiro para isso, para tanto, bastam gestos de amor e carinho.
Vivamos em paz com nós mesmos, que tudo será mais fácil e descomplicado com nossos semelhantes. Se respeitarmos o espírito natalino, poderemos fazer com que ele contagie nossos semelhantes, como um fermento que provoque o crescimento da bondade que temos em nós e nem sempre nos damos conta que ela existe e que poderá ser multiplicada através de gestos singelos.
Não nos esqueçamos que Jesus Cristo nasceu numa manjedoura e se tornou rico de amor e bondade. Eternamente, Viva o Natal!
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Por Walmir Rosário
O livro é uma homenagem simbólica ao eterno tricolor Nélson Rodrigues, com a orelha escrita por Fábio Lopes, o prefácio de Marcos Bandeira, posfácio de Luiz Luna e um artigo de Zé Roberto, ponteiro-esquerdo que brilhou no Fluminense e que hoje desempenha o ofício de escritor. O livro estará à disposição dos aficionados futebolistas de Itabuna – em primeira mão – dentro de poucos dias.
Em “As doces vitórias”, Tasso Castro apresenta 30 conquistas distintas do Fluminense, a partir dos anos 1960, as quais ouviu pelo rádio, viu pela TV ou as assistiu nos estádios, ao lado da torcida tricolor. E nesse trabalho ele apresenta recortes dos jornais da época, com a intenção de dar mais intensidade aos relatos. No final do livro, disponibilizou páginas para que os tricolores divulguem a sua paixão, lembrando vitórias inesquecíveis.
No prefácio, Marcos Bandeira (juiz de direito aposentado, advogado e ex-jogador de futebol) revive a verve e o pensamento Rodriguiano de que “a grande torcida é a do Fluminense. Nada se compara à sua flama e à sua fidelidade. Outras podem ser mais numerosas. Uma torcida, porém, não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas, pela força do sentimento. E a torcida tricolor leva um imperecível estandarte de paixão”.
E Marcos Bandeira não deixa por menos, dizendo sentir-se honrado de prefaciar o livro, por ser o Fluminense, o clube do seu coração. Paixão e amor se misturam de uma forma tão intensa quando se trata de amor ao clube de futebol. E vaticina: “Troca-se de cônjuge ou companheira, mas nunca de time. Ainda não conheci um ex-tricolor ou ex-vascaíno…Simplesmente é assim. Amor Condicional”, afirma Bandeira.
As doces vitórias é o quinto livro desse canavieirense nascido no Chororão, hoje distrito de Camacan, e itabunense por adoção. Amante do bom futebol, escreveu em 2011, Fluminense, memórias de uma paixão (2ª tiragem em 2015); Babas e bolas, em 2016; Oxente, sou Flu, em 2018; Fechando o Gol, em 2020, numa homenagem ao goleiro Luiz Carlos; e completando – temporariamente – a coleção com As doces vitórias, em 2022.
Mas enquanto o livro As doces vitórias não nos é apresentado e não nos enche os olhos, podemos iniciar a leitura dos livros de Tasso Castro por “Fluminense, memórias de uma paixão”, para que o leitor relembre o futebol praticado pelo Fluminense e outros clubes de Itabuna. Vale o passeio pelos anos 1950 em diante, com o futebol bem jogado no velho campo da Desportiva Itabunense.
Se você não era nascido naquela época, melhor ainda, pois vai se deliciar com os dois Fluminenses, o do Rio de Janeiro e o de Itabuna, na visão de um torcedor apaixonado, cujas retinas mantêm gravadas os grandes clássicos. Nesse livro, se apresentarão, os craques do rádio esportivo, a exemplo de Geraldo Santos, Orlando Cardoso, Edson Almeida, Yedo Nogueira, Ramiro Aquino, e tantos outros.
No livro “Babas e Bolas”, a emoção é diversificada, pois se trata de um resgate de uma época em que o autor dá um passeio pelos campinhos de babas de Itabuna, nos quais os craques e peladeiros disputavam a bola como um verdadeiro tesouro. E aqui vai uma simples amostra: os campinhos do Quintal de Zé Félix, Fiat, Adelba, Geraldão, Sesp, Seac, Grapiúna, Borboleta, AABB, Cordilheira, Coopgrap, Fazenda Progresso, e muitos outros.
E ainda tem muito mais no livro “Oxente, somos Flu”, no qual conta uma visita feita ao Fluminense carioca, na sua sede das Laranjeiras, em companhia do radialista Edson Almeida, onde viram de perto os grandes ídolos do Flu. Em especial as homenagens aos baianos que por ali brilharam, a exemplo de Pedro Amorim, Washington (que fez sucesso com Assis no Casal 20), e o inesquecível Léo Briglia. Não esqueçam do Rei Zulu Denílson, Amoroso, Samarone, Lula e dezenas de outros que fizeram história no tricolor carioca.
“Fechando o gol” é uma obra-prima em que Tasso Castro brinda os leitores com toda a emoção vivida pelo futebol itabunense desde os anos 1940, notadamente nas décadas de 40 a 90 do século passado. Já vale pela capa, com uma bela foto de um voo do grande e saudoso goleiro Luiz Carlos, homenagem mais do que merecida, unânime, diria sem medo de errar. E ainda analisa os craques daquela época por posição em campo.
Se o leitor pensa que Tasso não fala dos muitos craques, não perde por esperar: Que tal os irmãos Fernando, Carlos, Leto e Lua Riela; Albérico, Porroló, Rogério, Nilson, Abiezer, Santinho, Tombinho, Jorge Félix, Plínio Assis, Ronaldo Dantas, Bel, Ronaldo Neto, Quinha, Jonga Preto, Roberto, Melo, Carlinhos Aquino, Rui Lordão, que podiam ser encontrados em qualquer campinho de Itabuna.
São histórias muito bem contadas por Tasso Castro, para quem gosta e tem verdadeira paixão por futebol. Futebol sabido e digno de ser lembrado.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Por Walmir Rosário
Não me interpretem mal com minhas atitudes ao chegar em Paraty, mas o que fiz foi apenas para matar anos de saudades. Assim que pisei no solo paratiense, fiz questão de pedir ao cunhado Luiz Manoel que desse uma passada no supermercado mais próximo para adquirir um litro da mais legítima cachaça Coqueiro. Era mais que preciso matar a saudade de tantos anos de separação. Tenho convicção que comecei com o pé direito.
Após um período de programação caseira, chegou a hora de reconhecer a Paraty atual, bem diferente daquela em que conheci num passado cinquentenário, ou na mais recente visita que completa 19 anos. Para tanto, contei com o valioso auxílio de Paulo Vidal, colega radialista e velho amigo de 50 anos, numa tournée etílica de dar inveja até nos abancarmos no Bar do Lapa, nosso antigo escritório na praia do Pontal. E foi pra valer.
Hoje temos duas cidades. A antiga, histórica, onde vivi, casei, nasceu meu filho Júnior; a nova que foi se alastrando pelos arredores, substituindo os mangues e áreas rurais por grandes e prósperos bairros, onde mora a maioria dos mais novos. Na antiga, os velhos casarões cederam ao apelo turístico e as residências deram lugar ao comércio, os restaurantes que exibem em seus cardápios as cozinhas local e internacional.
Um desses endereços era nosso velho conhecido por ter abrigado – nos velhos tempos – um ponto de apoio noturno, a Palhoça, para se tornar Restaurante da Matriz, até receber o atual e sugestivo nome de Alambique Antônio Melo, pilotado pelo casal Antônio Carlos (Neguinho) e Áurea. Ele, engenheiro eletrônico que se fez administrador; ela, após anos de magistério, se torna, por conhecimento e estudo, dedicada e criativa chefe de cozinha.
No centro histórico de Paraty desembarcam diariamente milhares de turistas, procedentes de todos os recantos deste planeta. E vêm dispostos a conhecer a pequena cidade que abrigava o final da estrada real (caminho do ouro) vinda das Minas Gerais e porto por onde era embarcado o ouro brasileiro para Portugal. Com o fim do próspero garimpo, a cidade ficou esquecida por anos e preservou sua rica arquitetura colonial.
Encravada entre a praia e a serra da Bocaina, Paraty ficou por muitos anos longe das grandes rotas de transportes aéreo, terrestre e marítimo, até a construção da BR-101, no trecho compreendido entre o Rio de Janeiro e Santos, inaugurada em 1975. De lá pra cá, a cidade foi redescoberta e se tornou a Meca do turismo Sul Fluminense, ao lado de outras cidades litorâneas do estado do Rio e de São Paulo.
Entre as grandes tradições preservadas em Paraty a gastronomia, com base em frutos do mar, e a cachaça, com as melhores canas, se transformaram em carros-chefes do turismo na cidade. A cachaça foi cantada em prosa e verso, como na canção composta por Assis Valente e cantada por Carmem Miranda: “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí, em vez de tomar chá com torradas ele bebeu paraty…”
Aos alambiques que sobreviveram por anos a fio se juntaram outros novos que produzem o destilado de cana conhecido como cachaça, pinga, marvada, maldita e são levadas como verdadeiros troféus pelos turistas. Fora da condição de turista, eu mesmo faço questão de ter sempre ao meu lado alguns litros das produzidas nas melhores safras, as mais trabalhadas e descansadas, para deleite em momentos de lazer (ou prazer?).
E como não poderia deixar de acontecer, voltei ao alambique da conceituada Coqueiro (tradição familiar desde 1803), do amigo Eduardo Melo e filhos, ciceroneado pelo não menos amigo, seu irmão Antônio Carlos (Neguinho). Revisitei as instalações durante a moagem das canas recém-chegadas, e passei em revista todos os processos da fabricação ao engarrafamento, chegando a degustá-las com muita paciência que requer o paladar.
Confesso que não deixei por menos e fiz uma tournée pelos vários tonéis aço (as mais novas e simples), aos de madeira (carvalho, bálsamo, amendoim, canela, etc.) com as mais legítimas canas. Para economizar o tempo do leitor que deve estar “lambendo os beiços”, provei desde a prata ao ouro. Sim, isso mesmo, e não me perguntem pelo bronze, pois na Coqueiro essa palavra não existe no dicionário de cachaças.
E explico o porquê: Em parceria com uma universidade, as cachaças produzidas pela Coqueiro não contêm resíduos de cobre, bronze ou qualquer outro metal pesado, retirados durante o processo de destilação. Com isso, a palavra bronze serve apenas para denominar o terceiro lugar em algumas atividades desportivas, notadamente nas Olimpíadas.
E no alto da parede, observando tudo, uma foto do grande mago da alquimia da cachaça, Antônio Melo, pai de Eduardo e Antônio Carlos. Muito há, ainda, por visitar…
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Por Walmir Rosário
Habilidade na música e no futebol não lhe faltava. Para ele, tanto fazia jogar na ponta-esquerda, ponta-direita ou como centroavante. O que importava mesmo era fazer gols para seu time ganhar o jogo. E tudo isso pode ser comprovado por quem o viu jogar ou pelos livros de registro da Liga Desportiva de Itabuna (Lida), onde está tudo anotado para dar conhecimento à posteridade.
Na música não era diferente. Era considerado o homem dos sete instrumentos: cantava, tocava surdo, pandeiro, reco-reco, e agogô e ainda fez incursões por alguns instrumentos de sopro, principalmente o trombone, que o considerava um dos mais sublimes da música e que fazia tocar a alma das pessoas. Deixou o instrumento aconselhado pelo maestro, que o avisou dos riscos de ficar com a “papada” grande. E ele obedeceu.
Zé Pintadinho já fez de tudo em Itabuna assim que chegou de Sergipe, em 1944, aos 16 anos de idade. Trabalhou em sorveteria, feira livre, enveredou pela música, onde se sentia bem, e pelo futebol. Porém, aconselhados pelos amigos mais velhos, buscou aprender um ofício mais seguro, como o de alfaiate, profissão que exerceu até o final de sua vida, e que lhe proporcionou criar uma numerosa família.
Pintadinho jogou futebol em Itabuna em apenas duas equipes: o Botafogo do bairro da Conceição e no Bahia de Álvaro Barbeiro, o esquadrão de aço do sul da Bahia. Pelo Botafogo, atuou nas célebres partidas contra o Brasil de Buerarema e o Bahia de Itajuípe, ganhando as duas. Esta última para decidir uma aposta firmada por Sílvio Sepúlveda – jogador e cartola do Botafogo – e Oswaldo Gigante, do Bahia.
Outras partidas memoráveis jogadas por Pintadinho – já no Bahia – tiveram como palco Belmonte, na festa para comemorar o aniversário da cidade. No sábado, venceu por 3X2 e no domingo 2X1. Àquela época, diante da dificuldade de viajar pelas estradas ruins, embarcaram num avião em Itabuna e fizeram valer a supremacia do futebol itabunense, para o desgosto dos belmontenses, que não aceitavam fácil as derrotas.
Na década de 1950 sete times disputavam o campeonato amador de Itabuna – Corinthians, Grêmio, Janízaros, Flamengo, Fluminense, Itabuna e Botafogo – numa disputa ferrenha pelo título. Jogador que decidia partidas com os inúmeros gols que marcava, Pintadinho jogava cadenciado, com estilo, embora soubesse impor seu ritmo de jogo para não ser incomodado pelos zagueiros adversários.
Com toda essa habilidade e determinação, em campo atuava com humildade e sabia respeitar os adversários para também ser respeitado, gostava de dizer Pintadinho, para não ser visto como um jogador boçal. Além do respeito em campo, Pintadinho era uma pessoa muito querida na sociedade, além de ser um profissional da alfaiataria de conceito, haja vista as encomendas que recebia.
Soube parar o futebol quando as pernas e o fôlego já não conseguiam ter o mesmo rendimento de antes. Parou na hora exata, para que os amigos e torcedores lembrassem dele como o excepcional e implacável atacante. Se deixou de entrar em campo, continuou fora dele, torcendo para o magnífico futebol de Itabuna, levando seus filhos ao campo da Desportiva nas tardes de domingo.
Fora de campo, continuou fiel à máquina de costura, sua inseparável companheira de anos a fio na antessala de sua residência, onde recebia clientes e amigos para desempenhar seu trabalho, ou simplesmente ter uma boa prosa. E ali conversa sobre tudo, principalmente seus feitos no futebol e na música, atividade que continuou a exercer até os últimos dias de sua vida.
Na música, além de cantor, ensinava os colegas a cantar, principalmente boleros e sambas. Com sua charanga animava os comícios de seus candidatos ou eventos políticos de prefeitos nas inaugurações de obras em toda a cidade. Nos domingos, participava dos programas de auditório ou externos, realizados nos bairros da cidade pelos radialistas Titio Brandão e Germano da Silva.
O Carnaval era seu forte e desfilava nas baterias de blocos e escolas de samba de Itabuna. Cantou e tocou nas escolas Império Serrano, Salgueiro e Nova Mangueira, está fazendo parte da diretoria. Perto de completar os 80 anos, Pintadinho surgia garbosamente na bateria do Bloco Casados I…Responsáveis, no qual participou ativamente desde o a sua fundação. Homem de variados instrumentos, Pintadinho recebeu certificado da Sociedade Montepio dos Artistas de Itabuna como percussionista pelos instrumentos que tocava.
Mesmo após ter sofrido duas cirurgias: próstata e hérnia, Pintadinho continuou trabalhando como alfaiate, já não mais com as encomendas de ternos, calças e camisas, mas sobretudo de consertos, com a mesma dedicação. Pintadinho não abria mão de no fim do dia descer até a praça dos Capuchinhos para comprar os pães e trocar uns leros com os amigos.
José Pintadinho, ou José Alves da Silva, nos deixou num sábado, 13 de agosto de 2011, aos 83 anos.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Por Walmir Rosário
Pois fiquem os senhores sabendo que aquele pedacinho de terra cercada de matas e cacaueiros por todos os lados, entrecortados por pequenos riachos e rios caudalosos em busca da praia de Ilhéus têm muito a ser contado. Ponha sua cabeça pra pensar naquele amontoado de gente, vinda de todos os cantos do mundo, e que acabou formando um arruamento, vila e depois cidade, com essa gente mandando neles mesmos.
Estás curioso! Pois não perdes por esperar! Basta sentar com uns cinco livros de autoria do professor, jornalista e escritor Antônio Lopes, um pernambucano que se fez macuquense e bueraremense por obra e graça de sua mais legítima vontade. Pense numa viagem (há quem chame de imersão) voltando no tempo e conhecendo histórias, estórias e causas cometidos pelos seus personagens, inclusive o próprio.
Mas agora vamos nos ater aos dois últimos livros publicados, do contrário vamos perder muito tempo nessa leitura e passar dos “entretantos aos finalmentes”. Em “A Bela Assustada”, uma antologia pessoal, alguns textos inéditos, Antônio Lopes não se conteve e apresenta Manuel Vitorino, Zé Mijão, Mundinho Cangalha, João Baié, Léo Briglia, Dr. Elias, o padre Granja, o pastor Freitas, Manuel Lins, Clarindo Corno Preto, Zeca de Agripino, Vilson Cordier, e muitos outros brilhantes personagens.
E o menino trazido de Triunfo, no Pernambuco, pelo seu irmão mais velho, João Lopes, estudou o primário e o ginásio, fez jornalismo estudantil e formou seu caráter em Buerarema. Mais tarde, foi estudar em Ilhéus, trabalhar em Itabuna, até chegar a São Paulo escrevendo para a Última Hora, do lendário Samuel Wainer. Foi seguir o caminho e aportou na Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras da Bahia.
Não sei se essas incursões mundo afora fixaram na memória do autor os causos vividos em tempos idos. O que sei mesmo é que são contados com simplicidade e o humor daquela gente e daquela época. Quem melhor narraria – a posteriori – um jogo do Brasil Esporte Clube, o BEC, do que o sapateiro Zé Vitorino? Que os senhores saibam o delírio da plateia com seus lances, tornando Galvão Bueno uma simples fichinha. E nem tínhamos TV.
A Buerarema dos cines Cabral e Maracanã, à época em que não sofriam a concorrência das redes de televisão e era ponto de fixo para a troca de gibis e o encontro de namorados trocarem juras de amor, enquanto bandidos e mocinhos de digladiavam na tela. Uma boa pedida são os banhos no Poço da Pedra, onde o autor aprendeu a nadar, boiar e distribuir cangapés e quase se afogar.
Da minha lembrança não sai o causo de Agripino Vieira, fazendeiro de 15 mil arrobas de cacau, cliente assíduo do Bar Pingo de Ouro, que deu um drible no médico Dr. Elias, após o conhecido esculápio proibir suas incursões aos bares. Sem qualquer peso na consciência chegou na Farmácia Maria e decretou ao balconista Afonso que lhe desse o um vidro de Biotônico Fontoura, o maior que tivesse na referida botica.
Em “A vida Refletida”, Antônio Lopes conta que na sua adolescência quem não tinha habilidade para coisa nenhuma ia para a Marinha. Mas ele quis fazer diferente, por não levar jeito. Não estudou medicina, engenharia ou direito, mas trabalhou em rádio, televisão, assessoria, escritório, deu aulas, vendeu remédios. Profissões essas que lhe garantiram o uísque de cada dia. E as histórias, acrescento eu.
Em “Um Tabaréu em Paris” (pgs. 101/103), o autor conta que se encontrava na cidade luz quando um cara branco, vestido à classe média, lhe dá um encontrão. Desculpou-se (todo cheio de “pardon”, monsiseur, e continuou puxando conversa. Procurou se livrar dele, afinal estava em Paris, o melhor lugar do mundo, depois de Buerarema. Na manhã seguinte, ao dar pela falta do cartão de crédito, percebeu ter sido vítima de um legítimo vigarista parisiense. Fazer o quê?
Sobre o livro de Lopes, Joaci Góes escreveu: “Antônio Lopes é um autodidata que atingiu elevado patamar como humanista, polindo seu crescimento com as aulas que deu de português, matemática, história e redação, sem falar em suas experiências como animador de comícios e redator de discursos políticos, de festas carnavalescas, comentarista de futebol, vendedor, gestor de recursos humanos, fez tudo isso para sobreviver e ter as condições mínimas de se dedicar à leitura dos grandes autores, na geografia do tempo, experiências que contribuíram para torná-lo um dos mais refinados escritores brasileiros da atualidade”.
E prossegue Joaci…“Provavelmente, se Antônio Lopes tivesse produzido sua surpreendente obra de Paris, Londres, Roma ou New York, não faltasse quem dissesse que só a partir de domicílios tão cosmopolitas seria possível produzir literatura de conteúdo e forma tão marcadamente universais”.
A vida refletida/Antônio Lopes – Ilhéus, Ba: Editus, 2019.
A bela assustada : antologia pessoal + inéditos/ Antônio Lopes. – Itabuna, BA : A5 Editora, 2021.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Por Walmir Rosário
Eu nem acreditei no que vi! E olha que estava avisado que o sumido velho Gurgel do saudoso jornalista desocupado Tyrone Perrucho estaria de volta. Naturalmente que fui convidado para a apresentação do tinhoso veículo pelos seus novos e felizes proprietários Eliomar Tesbita e sua esposa Dione. E na efeméride, muita cerveja e churrasco, próprios para receber os convidados na tarde de domingo (23-10).
Assim que chegamos próximo ao porto da rua da Prata, em Canavieiras, à sombra das frondosas amendoeiras e outras árvores, lá estava o velho Gurgel todo repaginado, vistoso nas novas cores, vermelho e preto. De cara, questionei Eliomar Tesbita, artista plástico de conceito internacional, o motivo de tão tresloucado gesto: E me responde que soube ter sido em vida Tyrone Perrucho um flamenguista enrustido, agora, assumido, além do mais que sua esposa Dione também é torcedora do time da Gávea.
E não foi mole chegar ao ponto em que chegou, todo nos trinques. Muita pajelança foi feita para deixá-lo, digamos, seminovo. De cara, uma decepção, o mestre Wilson, mecânico responsável pela penúltima pajelança do jipinho, não aceitou o convite de Tesbita – sabe-se lá qual o motivo – para ser o responsável pela empreitada em deixar o Gurgel como era há 30 bons anos.
E aí Eliomar Tesbita iniciou um planejamento administrativo – como fazia nos seus velhos tempos de Banespa – apropriado ao jipinho, iniciando como seria a pintura, contando com Luciano, para riscar as cores na cabine, pintada por Régis. Para cuidar da lataria, ou melhor, fibra de vidro, Jarbas foi escolhido a dedo. Na eletricidade, o mestre Dino partiu do zero e refez todos os chicotes e demais fiações.
Já as fechaduras e elevadores de vidros esteve a cargo do conceituado João Neto, e a tapeçaria ficou por conta de José Carlos e a mecânica foi entregue a Luiz Feitosa. Com essa plêiade de oficiais da funilaria, mecânica e pintura, tapeçaria, seria apenas dar início ao processo de restauração e partir para o abraço. Mas, ainda foram onde começaram a aparecer os problemas.
As conceituadas casas de peças das redondezas não mais se ocupam em oferecer os equipamentos e apetrechos para o velho Gurgel, o que rendeu mais trabalho diferenciado, sob os auspícios da internet. Uma simples pecinha responsável pelo movimento do limpador de para-brisa não existia no mercado e teve que ser feita numa fundição, criando, antes um molde nas mesmas dimensões da anterior.
Porém, o que mesmo preocupou o nosso artista plástico foi o veredito passado pelo mecânico de quatro costados, Luiz Feitosa, após revisar e recuperar toda a parte mecânica, incluindo, aí, motor, câmbio e suspensão. É que pelo olhar clínico de Eliomar Tesbita, acostumado aos traços e formas de suas telas, o velho, agora novo Gurgel, lhe parecia tombado para um lado. Por preocupante, para o lado esquerdo.
Após um novo exame do ressuscitado bólide urbano e rural, Luiz Feitosa reconheceu que não tinha os recursos necessários para deixá-lo aprumado como Tesbita queria, sem pender pra qualquer lado. E foi taxativo. “O problema é estrutural, terá que mexer no chassi, um trabalho difícil e especializado, nada fácil.” E o jeito foi deixá-lo do jeito que se encontra, como se ainda carregasse o peso do velho Tyrone ao volante.
Uma coisa é certa, daqui pra frente os profissionais que se ocuparam de colocar o velho Gurgel nos prumos saíram da empreitada com mais conhecimento do que antes. Se não de mecânica automotiva, de internet e até de fundição. Com celular à mão, qualquer um deles discute sobre telemática, logística, como no prazo de entregas e finanças, a exemplo das condições de pagamento e autenticidade das lojas.
Assim que a notícia sobre a reforma vazou, Raimundo Ribeiro, de lá do Belém do Pará, se assanhou em passar uma vistoria nas fotos, por conhecer o jipinho nas suas andanças em Canavieiras durante as visitas a Tyrone. Sem mais delongas, disse no Whatsapp: “Eu e a Sandra, minha coligada, pegamos muitas caronas no famoso Gurgel, cheio de histórias e estripulias”, exigiu com a reconhecida autoridade.
E não era de ontem que Eliomar Tesbita cobiçava o jipinho, estacionado desde a morte de Tyrone, verdadeiramente triste e acabrunhado com o sumiço repentino do seu inseparável companheiro. Após umas três rodadas de negociações do casal Eliomar e Dione com Edmo, batem o martelo e o jipinho passa para os novos proprietários. Antes, do padre Alfredo Niedermaier, Wallace Perrucho, Tyrone Perrucho e Edmo.
E o famosíssimo Gurgel, conhecido por estacionar próximos aos bares e congêneres, voltará a circular com desenvoltura por Canavieiras e, quem sabe, assim que o Detran mudar a cor nos documentos, fará uma breve viagem ao Pelourinho, em Salvador, no conceituado ateliê do artista plástico Eliomar Tesbita. Do jeito que se encontra, com certeza viajará lépido, sem qualquer perigo de amuar num bar qualquer das rodovias.
E o generoso gesto de Eliomar mostra no que é capaz um homem apaixonado, ao dar um presente tão simbólico à mulher amada. A lenda está de volta!
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Por Walmir Rosário
Na semana de 11 a 17 de setembro de 1999, a bendita capa apresentava a seguinte manchete: “Urnas funerárias fabricadas em isopor”. Celeuma é pouco para o fuzuê criado na cidade. E a confusão se iniciou ainda na elaboração da matéria, o que garantia o sucesso da publicação. Eu era o editor, redator, repórter, editorialista, articulista, produtor e mais que houvesse de necessidade na produção do jornal.
Imaginem, então o sufoco que passei desde a elaboração até a circulação do Momento Empresarial. E fiz tudo dentro da conformidade dos manuais da técnica e ética do jornalismo, com todos os detalhes. Um título decente, uma reportagem que ouviu todos os principais interessados, matéria principal equilibrada, secundária com sustentação científica e destaques. O grande problema era apresentar o simples isopor para substituir as tradicionais urnas de madeira.
O assunto chegou a meu conhecimento numas das concorridas reuniões de quintas-feiras da CDL, na qual o empresário Mauro Horta apresentou a novidade que prometia transformar Itabuna na primeira sede dessa inusitada indústria. Garantiu que com a tecnologia existente, a urna (caixão) de madeira seria substituída por outra, esta produzida a partir da espuma de poliestireno, conhecido popularmente como isopor.
O empresário revelou que a urna funerária de isopor estava patenteada junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, e prometia revolucionar o mercado de “caixões”, principalmente junto aos menos favorecidos economicamente. Porém ele alertava que seria preciso vencer o aspecto tradicional e religioso, por despertar a desconfiança das pessoas em acreditar ser o isopor frágil, que não suportaria transportar o mais simples mortal ao cemitério, o que era um engano.
E as engenhosas urnas de isopor seriam entregues, como manda a tradição de nossa última viagem num caixão funerário de madeira, acrescida dos mais diversos acessórios, a exemplo de forro de cetim branco acolchoado por dentro, cetim roxo por fora e outros motivos religiosos como a cruz. A vantagem seria o baixo custo do sepultamento, que seria reduzido dos atuais R$ 170,00 a R$ 5 mil, para módicos R$ 80,00, um alívio para os menos favorecidos economicamente.
Ainda defendia o empresário, que devido ao baixo custo, o uso inicial das urnas de isopor deverá ser mais intenso entre os indigentes e a população de baixa renda, que geralmente procura o serviço social das prefeituras para custear o enterro. O invento de Mauro Horta já tinha ganhado, segundo afirmou, o apoio do prefeito de Itabuna, Fernando Gomes, e de secretários municipais. “Um caixão tem que ser simples, singelo e barato, e esse é o ideal”, defendeu com ardor.
A preservação do meio ambiente era outro carro-chefe da invenção, evitando que no processo de desencarne os líquidos contaminassem o solo e o lençol freático. Esse processo seria realizado em apenas 90 dias, ao contrário dos cinco anos de hoje. Com o aumento dos problemas urbanos, a nova urna funerária resolveria a questão do espaço nos cemitérios, que segundo os cálculos do empresário, a relação de espaço poderá ser reduzida em até 16 vezes.
E o projeto de Mauro Horta ia além da produção de urnas funerárias de isopor e pretendia colocar no mercado um serviço de seguro funerário, no qual as pessoas de baixo poder aquisitivo pagariam um valor mensal para adquirir o seu “caixão”, despreocupando a família no caso de sua morte, que não teria de arcar com despesas inesperadas. A intenção era aliar os custos à funcionalidade, no sentido de beneficiar a população.
Entretanto, para a colocar fábrica de Itabuna em funcionamento, o empresário estava em busca de recursos para implantar o projeto, que poderá gerar cerca de 400 empregos, entre a fabricação de cinco mil urnas mensais e demais tipos de embalagens que serão produzidas. E se tivesse dificuldade em implantá-la na cidade, poderia levá-la para o Rio Grande do Sul, cujo governador já teria manifestado interesse no projeto.
Para os céticos, a urna funerária de isopor seria apenas uma brincadeira ou falta de respeito às tradições e religiões. Pouco importavam que a urna fosse moldada e injetada, com três pares de alça, revestimento interno em cetim, externo em pigmento roxo e visor de acrílico ou suportasse, com segurança, 220 quilos. Daí a desconfiança dos investidores e dos demais segmentos interessados, a exemplo das funerárias e parentes dos defuntos.
O maior problema da reportagem foi tentar convencer os donos de funerárias a tecerem comentários a respeito do ambicioso projeto do empresário Mauro Horta. Por telefone, mesmo me identificando como sendo o jornalista Walmir Rosário (conhecido de sobra), assessor de comunicação da CDL de Itabuna, não consegui nenhuma palavra a respeito do tema da reportagem que elaborava.
Pelo contrário, ouvi muitos xingamentos com palavras de baixo calão, impublicáveis nesta singela e familiar crônica, para o bem e o respeito que devo aos meus queridos e respeitáveis leitores. Como se não bastassem as palavras chulas, ofensivas e obscenas, fui ameaçado de morte matada, caso não calasse a boca e parasse de injuriar os inocentes mortos, decentemente enterrados de acordo com o ritual cristão.
Assim que o jornal Agora foi publicado, com a manchete do caderno Momento Empresarial, a confusão foi grande e os debates se afloraram, divergindo desde o novo padrão de sepultamento até a matéria jornalística. Confesso que me resguardei por uns dois dias e ficou nisso mesmo. O certo é que o empresário Mauro Horta não conseguiu o financiamento para o seu projeto, nem em Itabuna ou nos pampas gaúcho.
E os mortos sequer puderam inaugurar uma nova tecnologia funerária.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Por Walmir Rosário
Aqui em Canavieiras, a nossa referência era um jipinho Gurgel, de cor cinza, sempre visto estacionado nas proximidades de um bar, no centro ou nos mais variados bairros, ou ao lado do jornal Tabu. Era de propriedade do jornalista aposentado – ou desocupado, como gostava de dizer o próprio cujo – Tyrone Perrucho, que utilizava o carro apenas para circular, sem maiores cuidados, apesar de frágil pelo tempo de uso.
Grande parte dos que conheciam o dia a dia do conhecido Gurgel de Canavieiras, o identificavam pelo barulho do motor em funcionamento, quase sempre com o silencioso furado, que o tornava de fácil identificação. Quando dobrava a esquina da rua onde moro eu parava o que estava fazendo e já me encaminhava para abrir o portão e recebê-lo, pessoalmente, como merecia.
Às vezes esse merecimento e a atenção dispensada ao inusitado colega, merecia outros cuidados, como o de parar em frente a nossa casa e encher a caixa de correspondência com revistas e jornais religiosos ou de outros países, sempre velhos. Desde os tempos em que trabalhávamos na Ceplac, ele costumava enviar esses pacotes esdrúxulos pelos Correios, muitas das vezes com simples inutilidade, apenas por simples galhofa.
Assim que seu nome é publicado como inativo do Ministério da Agricultura, volta a Canavieiras para se dedicar exclusivamente ao jornal Tabu – que circulou por 50 anos –, e as amenidades. Sempre na condução do surrado Gurgel, que há anos não passava perto de um lava jato – para a limpeza de veículos, que fique bem entendido –, chamava a atenção pelo barulho e popularidade de seu dono.
Nas muitas vezes que o indigitado Gurgel era visto nas primeiras horas da manhã estacionado numa rua qualquer, não mais chamava a atenção, pois todos sabiam que enguiçara na sua circulação noturna pelos botequins. Para começo de conversa, apenas o vidro de uma janela funcionava e poderia ser aberto sem a preocupação de uma chave, bastando apenas a simples manipulação das portas e janelas.
Certa feita, ao combinar a troca de uns livros para nossas leituras, me dirigi ao local combinado, em frente a casa de Alberto Fiscal, sede de uma pequena farra. Buzino meu carro, toco a campainha e nada. Tento me comunicar pelo celular, não funcionava. Tinha acabado a energia elétrica e nada funcionava em Canavieiras. Não contei conversa, peguei os livros, não deixei os meus e aguardei notícias. No fim da farra, já com energia, me liga preocupado dizendo que os livros tinham sumido. Só mais tarde contei o ocorrido.
Mas como a situação não estava boa pra ninguém, nem mesmo o surrado Gurgel (fora de linha), à época com 27 anos de uso, se encontrava livre dos olhos grandes do amigo do alheio. O veículo, de conhecimento público em Canavieiras e vizinhança, sofre uma ameça de furto. Logo ele que aguardava apenas a apresentação e aprovação um projeto de lei na Câmara para se tornar patrimônio material e imaterial de Canavieiras.
O dito cujo Gurgel se encontrava estacionado na área da praça Maçônica e teria sido objeto de desejo do amigo do alheio, que utilizou de todas as artimanhas para levá-lo, sem qualquer autorização do proprietário. Abriu a porta, adentou ao veículo e tentou fazer uma ligação direta, retirando todos os fios da ignição. Após várias tentativas malsucedidas, o larápio foi obrigado a desistir do seu intento, deixando o jipinho Gurgel à disposição do seu dono.
No dia seguinte, Tyrone Perrucho foi obrigado a contratar uma junta de mecânicos e eletricistas para deixar seu potente Gurgel com condições de transitar em toda a Canavieiras, desde a Atalaia à Ilha do Gado, com incursões ao Jardim Burundanga, Birindiba e outros endereços. E Talmão e mestre Wilson diagnosticaram que a malsucedida tentativa de furto, teria esbarrado nas manhas e artimanhas do jipinho, acostumado a empacar sem prévio aviso, mesmo com o conhecido proprietário à direção.
Após as explicações de praxe, Tyrone relatou que teria deixado o Gurgel na praça Maçônica, sob os cuidados divinos, por atender aos reclames da Lei Seca, pegando uma carona para casa, uma atitude mais do que louvável. Já os maledicentes, juravam que o Gurgel, adquirido zero quilômetro pelo Padre Alfredo Niedermaier, para celebrar as missas no interior, tem o poder (rezado) de apenas obedecer aos seus legítimos donos.
Pelo sim, pelo não, Mestre Wilson recolheu o Gurgel à oficina para ser submetido a uma pajelança eletromecânica. O amigo Gilbertão Mineiro, que gosta dos fatos bem esclarecidos resolveu “puxar” a vida pregressa do Gurgel. Para tanto, utilizou-se do conhecimento de Tolé, que entregou: “Esse carro é mal-assombrado, pois depois do padre passou pelas mãos de Wallace Perrucho, ateu e excomungado, e de seu filho Tyrone, conhecido agnóstico”.
Tá explicado.
* Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Por Walmir Rosário
Assim era Leléu: irreverente, contagiante, apaixonado pelo futebol e pelo Flamengo, das bebidas, do Carnaval. Esse comportamento não chamaria a atenção, não fosse pelo seu modo extravagante de viver a mil por hora. Menos quando estava sóbrio, ocasião em que se dedicava aos afazeres domésticos e o trabalho, com muita responsabilidade para quem cuidava das contas a pagar de outras pessoas.
De longe era fácil conhecer o seu estado físico e emocional. Se abstêmio, calmo, cumprimentando todos que passavam com muita distinção, conversando em voz baixa e pasta na mão para cumprir sua tarefa profissional. Foi por muito tempo o homem de confiança do ilustre advogado Victor Midlej, responsável pelo recebimento das contas e os pagamentos em banco, mesmo em tempos de internet.
Se chumbado, envernizado, o seu cumprimento era excêntrico, mirabolante. Assim que avistava um conhecido, um amigo, de longe gritava: “Olha aí que ruma de pesos mortos”. Destilava mais alguns impropérios do seu refinado vocabulário e contava a todos os motivos da euforia, que iria desde a vitória do Flamengo, até o mais simples motivo para uma comemoração em alto estilo.
Para tanto não importava a data, bastava não ter compromissos profissionais. E o seu local de chegada era sempre o Beco do Fuxico, nas três dimensões: Baixo, médio e alto, visitando todos os bares, barbearias, alfaiatarias e lojas. Antes de entrar, em alto som se anunciava: “Pesos mortos”. Alguns o convidavam para tomar mais uma cachaça e ele prontamente aceitava e também se servia da cerveja, sem a menor cerimônia.
Nos carnavais todos se admiravam da sua resistência e muitos não sabiam se ele embebedava uma só vez e continuava, ou se a cada soneca recuperava o ânimo e começava tudo de novo. Devidamente fantasiado – muitas das vezes de roupas femininas – nem mesmo importava se toleravam seus beijos e abraços. O bom mesmo era comemorar, e no Beco do Fuxico.
Fora dos seus dias de festa, como já disse, vivia uma vida normal. Os que pouco ou não o conheciam ficavam em dúvida quais papeis ele representava, se o de Leléu ou de Claudionor Menezes de Andrade. Eram personagens completamente distintos e um não interferia no outro, o que o tornava uma figura folclórica, quando revestido Leléu, e um cidadão, trabalhador comum nos momentos de Claudionor.
Querido por todos, seu aniversário era comemorado no Alto Beco do Fuxico a cada fim de semana mais próximo dos dias 6 a 9 de outubro. No dia 6 o aniversariante era o proprietário do bar Artigos para Beber, José Eduardo Gomes; e no dia 9 o advogado Pedro Carlos Nunes de Almeida (Pepê) e o próprio Leléu. Mais tarde se juntaram o produtor de eventos Alex Alves (6) e o agrônomo Paulo Fernando Nunes da Cruz (Polenga), dia 19.
Ao fundar a desabusada Academia de Letras, Artes, Música, Birita, Inutilidades, Quimeras, Utopias, Etc., (Alambique), o jornalista Daniel Thame, nomeou Leléu para o cargo de Diretor para Assuntos Meiotísticos, com posse formal no Alto Beco do Fuxico. Certa data, ao sair de casa para participar de uma pretensa reunião da Academia – no Alto Beco do Fuxico – tentou atravessar o canal do Lava-pés em plena enchente e foi arrastado de uma ponte a outra, saindo das águas com a maior naturalidade do mundo.
Mas hoje Itabuna e o Beco do Fuxico estão de luto com a morte precoce de Claudionor Menezes de Andrade, que será sempre lembrado pelos amigos ou simples conhecidos, os que o viram crescer, jogar futebol amador, participar da vida ativa de Itabuna. Também não o esquecerão os que o viam chegar ao beco com suas estrambóticas fantasias, devidamente alegre e biritado, irradiando alegria, sempre gritando. “vai…pesos mortos!
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado