Aos 13 anos, ele já trabalhava em uma gráfica. Chegava a trabalhar, na juventude, por 16 horas diárias. Com apenas o 3º ano elementar, Ottoni Silva, hoje com 95 de idade, se tornou uma das personalidades intelectuais das mais importantes nesse primeiro século de vida de Itabuna, com atuação na Maçonaria, Lions, Santa Casa e outras entidades.
Ilheense de nascimento, casado com dona Eva Barreto Silva há 70 anos, esse itabunense de coração brigou por Itabuna contra o domínio da antiga Ilhéus, que tudo possuía. "Nossa briga era com Ilhéus. Tudo era de lá, até a nossa comarca era lá. Então, tudo que fazíamos era para ver Itabuna crescer".
A entrevista a seguir foi gentilmente concedida ao blogueiro Domingos Matos, editor, e ao diretor Íris Augusto, que fez as vezes de fotógrafo. A conversa foi na varanda da casa de Ottoni, na rua que leva seu nome, no Pontalzinho, no fim de tarde da última quinta-feira (20). A seguir, os principais trechos.
Ah, eu tinha 13 anos, e comecei na oficina do jornal A Época. Um homem sem instrução, apenas com o 3º ano elementar, mas que ao longo do tempo descobriu que tinha muito o que fazer por Itabuna. Não me pergunte de datas, que eu já não me lembro de todas.
Não há problema. Como era fazer jornalismo naquela época?
A gente teve que compreender a nossa época, que eram os tempos dos jagunços. Você veja que as pessoas eram assim. O próprio Henrique Alves, dono do jornal O Intransigente, onde eu realmente exerci primeiro a função de jornalista, era um homem elegante, usava uma cartola luxuosa, bengala de osso, terno sob medida, com uma corrente de ouro atravessando o peito. Por baixo disso tudo, uma peixeira desse tamanho! Essa era a nossa época, de pessoas elegantes, mas que estavam dispostas a tudo.
O Intransigente era um jornal combativo. Como o senhor lembra de sua participação nele?
Era um jornal que lutava por Itabuna. E nossa luta era contra Ilhéus, que tinha tudo. Aqui, não tínhamos nada. Tudo era lá. Até nossa comarca era em Ilhéus. Então, tudo que fazíamos era para ver Itabuna crescer.
Qual foi o fato que marcou o senhor, como jornalista, nesses anos todos?
Uma vez, na década de 30, a gente ia ter um comício aqui na cidade. João Mangabeira ia ser um dos oradores. Ele era um dos maiores oradores do país. Mas, aí, no meio da multidão, a gente via que tinha uns 100 jagunços, de algum político contrário. E João Mangabeira, quando percebeu a movimentação, aquele buchicho, iniciou seu discurso: "Ouço, ao longe, o coachar dos sapos…". Foi o suficiente. Começou um tiroteio terrível. No outro dia, eu botei o jornal [O Intransigente] na rua, com a manchete: "BANDIDOS!".
Esse título, claro, contrariava a muitos…
Muitos, principalmente àqueles coronéis que mandaram os jagunços para lá. No outro dia, o jornal vendeu de um jeito… Também, a praça amanheceu coalhada de chapéus, bengalas, óculos, sapatos. As pessoas saíram de um jeito, que deixaram tudo para trás.
É verdade que o senhor quase foi prefeito de Itabuna?
Eu recusei a prefeitura por duas vezes. Um emissário de Getúlio Vargas, homem de sua confiança aqui, me ofereceu a prefeitura e eu recusei. Eu era contra Getúlio, não podia aceitar ser prefeito com o seu aval, com seu favor.
Voltando à luta pelo progresso de Itabuna. A Rádio Clube foi outra grande contribuição que o senhor deu a essa cidade…
Inauguramos a rádio, foi aquele sucesso, mas quando não mais pudemos continuar, fizemos questão de doar ela para um pessoal de Feira de Santana, com a única condição de implantar as Ondas Curtas, para que o nome de Itabuna fosse levado para o Brasil todo. Veja bem: não vendi, eu dei. Hoje, essa rádio já passou por tantos donos, sempre sendo vendida… Antes de morrer, eu queria saber como foi que isso se deu.
O senhor nos dizia que Itabuna precisa de uma universidade federal…
Precisa, e muito. Uma universidade federal aqui é a oportunidade do pobre estudar, de crescer. E, outra: sem esse negócio de universidade do sul da Bahia. Tem que ser em Itabuna. Porque aqui é o pólo, é daqui que as coisas vão para os outros municípios. E com esse nome que estão querendo, ela pode ser construída em qualquer lugar da região. Tem que ser em Itabuna. Outro dia, ouvi no rádio um deputado defendendo essa universidade regional. Quero saber do deputado Geraldo Simões se essa defesa é dele ou se é de outro.
Se for dele…
Eu vou falar para ele mudar isso. Já conversamos e ele sempre defendeu uma universidade para Itabuna. Tenho certeza que ele também pensa como eu.
O senhor acompanha o noticiário? O que acha de como as coisas caminham hoje?
O que eu vejo é a imprensa apática. Veja essa questão da barragem. De quando é que falam que essa barragem é necessária, que vai garantir água por mais 50 anos… Daqui uns dias chega os 50 anos e a barragem não sai. [A imprensa] tem que cobrar, tem que ferir. O governador veio, prometeu, e agora cabe a gente cobrar sempre.
Como o senhor está percebendo essa administração de Itabuna, do prefeito Capitão Azevedo?
Só sei de uma ponte. Tanto falaram nessa ponte, que eu, ‘cego’ como estou, fiz questão de ir lá ver. Mas, qual ponte! É aquela coisinha estreita, parece aquela do Conceição (risos).
Aquela que não passa carros?
É. Mas ali passava, um de cada vez. Parecia essa. Aquela ponte foi um presente do Banco Econômico para Itabuna. Naquele tempo era assim, até os bancos amavam a nossa cidade. Hoje…
Itabuna está para completar 100 anos. O que o senhor sonhou para essa cidade, nessa época? Como o senhor imaginou que ela estaria aos 100 anos?
Assim, mesmo. Desenvolvida. Mas sonhei sem as coisas negativas. Sonhei tudo isso, Itabuna crescendo, mas com o pobre participando das coisas boas.