Por Walmir Rosário
No início da década de 1960 o futebol era – disparado – o centro das atenções nos fins de semana em Itabuna, superando as grandes produções nos cinco cinemas da cidade e até o movimento nas praças, incluindo a Olinto Leone. Em 1961 nossa Seleção Amadora ganhou o bicampeonato baiano e era a candidata ao tricampeonato, o que despertava o sonho da criançada em se tornar jogador de futebol. E dos bons!
Campos de babas existiam em todos os bairros da cidade e até no centro da cidade encontrávamos um terreno baldio para disputar uma partida de futebol entre os vizinhos e amigos. Entre a meninada existiam muitos bons de bola e até alguns craques, daqueles que já nascem feito, driblavam com facilidade, davam passes perfeitos, faziam gols colocados, se tornavam o espetáculo.
Sim, tínhamos muitos jogadores de excelência, mas, e os outros? O futebol é um jogo coletivo e um time é formado por 11 atletas, de preferência do mesmo padrão, então como equilibrar o espetáculo? Era preciso trabalhar as questões técnicas e físicas de cada jogador, aumentando o seu potencial, a educação básica, sem falar na formação de caráter dos jogadores.
Foi aí que surgiu em Itabuna o primeiro Colégio de Futebol Grapiúna, projeto posto em prática pelo cirurgião-dentista Demosthenes Propício de Carvalho, o primeiro do gênero no Brasil, logo seguido pelo Santos (SP) e Bahia, em Salvador. De início, era apenas a vontade do torcedor do Vasco da Gama a melhorar o nível e estilo de futebol jogado em Itabuna e que cresceu como uma bola de neve.
As primeiras turmas do Colégio de Futebol Grapiúna foram de juvenis, que jogavam no campo da Desportiva; posteriormente vieram as turmas infantis, com treinamentos e jogos no campinho do Banco Raso. Cresceram as turmas, acompanharam no mesmo nível as despesas. Antes eram bancadas por Dr. Demosthenes e alguns amigos, o projeto passou a ser bancado por empresários e a Liga Itabunense de Desportos Atléticos (Lida), que destinou 5% da renda dos jogos amadores para o projeto.
No seu auge o Colégio de Futebol mantinha 10 turmas de infantis e 10 turmas de juvenis, num total de cerca de 500 pequenos atletas. Mais uma vez era preciso ampliar o Colégio, introduzindo um departamento médico. E foram convocados para colaborar o médico John Leahy e o enfermeiro Arnaldo Antunes, que já desempenhava essa incumbência no futebol amador.
Para permanecer no colégio não bastava encantar a torcida com dribles contagiantes e sim ter disciplina nos treinamentos e estudos. Tinham que trabalhar com a bola, com os aspectos físicos e táticos. Outra exigência eram a conduta ética e moral e o companheirismo. Exemplo disso era a colaboração dos alunos que ensinavam as primeiras letras aos que chegavam sem a alfabetização.
E o Colégio de Futebol Grapiúna – ou simplesmente a escolinha do Dr. Demostenes – alcançou o sucesso mais do que o esperado. Pais traziam seus filhos para serem matriculados e os de posses financeiras contribuíam com o projeto. Quem também foi arregimentado para colaborar foi o jornalista e bancário José Adervan Oliveira, que mantinha uma página de esportes no Diário de Itabuna.
Com pouco tempo de funcionamento começaram a aparecer os resultados positivos, vistos semanalmente nos jogos das equipes amadoras no campo da Desportiva. Perivaldo, Déri, Caxinguelê, Luiz Paraguaio, Begue, Bel, Lua Riela, Jairo, Felisberto, que brilharam no futebol. Outros craques do mesmo potencial resolveram não seguir a carreira futebolística, a exemplo de Ronaldo Netto, Duduca Paixão, Paulo Fernando, os irmãos Félix, Valdemir Andrade, José Antônio, Péricles Nascif, Haroldo Messias, Fanuca, Bebeto Baleia, Paulo Queiróz e muitos outros.
Com o passar dos anos, o Colégio de Futebol Grapiúna foi diminuindo de intensidade, até extinguir um projeto de tamanha envergadura, determinante para o futebol itabunense. Aos poucos, alguns clubes assumiram a atividade, porém não atingia a essência social, pois cobravam pelas atividades exercidas, ao contrário do projeto do Dr. Demosthenes, que buscava recursos junto à sociedade organizada e empresários.
O crescimento de Itabuna e a consequente expansão imobiliária também foi determinante para afastar os jovens da prática do futebol, já que acabaram os campinhos de babas nos bairros, levando a juventude para a prática de outras atividades. Após o encerramento das atividades do Colégio de Futebol, nem mesmo o poder público municipal teve a iniciativa de desenvolver um programa similar, a exemplo do elaborado pelo radialista e advogado Geraldo Borges Santos, disponibilizado à administração municipal.
E assim chega ao fim o ideal de um homem que demonstrou ser possível contribuir com a sociedade, facilitando que os jovens, indistintamente, pudessem alcançar seus sonhos de se tornar uma estrela do futebol, paixão nacional do brasileiro. Dr. Demosthenes mostrou que é possível desenvolver uma iniciativa sozinho, e quando o fardo pesar, atrair novas forças para ajudar a carregá-lo.
Demosthenes Propício de Carvalho é um exemplo de humildade, desprendimento e tenacidade para concretizar o sonho da juventude. Em dezembro de 2006, Dr. Demosthenes muda-se com sua esposa Maria Enilda Lordelo de Carvalho para a cidade de Vila Velha, no Espirito Santo, onde viveu até o dia 13 de julho de 2018, data em que partiu para o oriente eterno.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado